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Brasileiros são viciados em olhar apenas para o Executivo

Prestando atenção no próximo presidente, esquecemos da votação no Legislativo

Manifestação em Brasília: os brasileiros dão pouca importância às eleições parlamentares (Vem pra Rua/Facebook/Divulgação)
Manifestação em Brasília: os brasileiros dão pouca importância às eleições parlamentares (Vem pra Rua/Facebook/Divulgação)
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Ricardo Sennes

Publicado em 16 de outubro de 2017 às, 15h44.

Última atualização em 16 de outubro de 2017 às, 15h45.

A opinião pública e os analistas brasileiros seguem com o vício de avaliar todo processo político apenas pelo que ocorre no poder executivo. Quase todas as projeções políticas para as eleições de 2018 levam basicamente em consideração o que possa ocorrer no campo presidencial, relegando pouca importância para as demais instâncias de poder, em particular o legislativo.

Como os últimos anos provaram, a essência do presidencialismo de coalisão se baseia na articulação entre o presidente de plantão e o Congresso. Quando essa articulação falha a corda estoura para o lado do presidente: ou fica isolado e imobilizado ou fica isolado e é removido do cargo. Não é por outra razão que tivemos 2 impeachments em 27 anos de democracia.

As recentes pesquisas de opinião divulgadas seguem essa tendência e avaliam percepções e cenários relativos aos presidenciáveis, com uma apenas breve consideração sobre o humor dos eleitores em relação ao legislativo e governos estaduais. Considerando que estamos ainda há mais de 1 ano das eleições, as opiniões captadas são indicativas de algumas tendências, mas estão ainda longe de fornecerem cenários definitivos.

Tendo isso em conta, algumas considerações podem ser feitas com base nos dados apresentados. Inicialmente chama a atenção o valor bastante elevado das intensões de votos nulo e branco. Mostram-se bem acima dos indecisos. Isso pode estar refletindo a enorme descrença das pessoas nos políticos de qualquer estirpe. Ao longo da pesquisa esses votos variam entre 30 e 40%, enquanto os indecisos ficam na faixa de 5-10%.

As pesquisas mostram que Lula segue vencendo em todos os cenários analisados. Mantém cerca de 36% de intensão de votos no 1º turno e sobe para faixa dos 40% no segundo turno. Ao mesmo tempo, o senador Aécio Neves parece estar fora de cogitação. Tudo indica que as denúncias sobre ele o feriram de morte. Até para governo do Estado de Minas Gerais ele aparece como opção atrás do governador Pimentel e do prefeito Kalil. A rejeição de Aécio (70%) é significantemente maior do que a de Lula (55%). Parece restar-lhe a candidatura à deputado federal.

As performances de João Doria e Geraldo Alckmin são quase iguais e atraem eleitorado com perfil sócio-econômico e ideológico muito próximos. A diferença fundamental entre eles é que Alckmin está no cenário político há muito tempo e, portanto, as chances de a opinião pública variar fortemente são menores que a de Dória. Aliás, os sinais de que o esforço prematuro de nacionalização do nome de Dória está começando a fazer água são cada vez mais evidentes. Dória pode não sobreviver muito mais tempo como uma alternativa tucana à presidência.

Marina Silva certamente aparece nas pesquisas mais por recall dos eleitores do que como uma candidata viável à presidência. Seu partido – Rede – mantém-se irrelevante com 4 deputados e 1 senador. Nas eleições municipais de 2016 foi um fiasco. Sem aliança significativa, sem estrutura partidária, sem recursos do fundo partidário e sem tempo de TV, a desidratação da candidatura de Marina parece inescapável.

As pesquisas mostram um certo fôlego de Jair Bolsonaro que surfa numa raia definida entre o populismo de extrema-direita (inclusive defendendo um regime autoritário) e a condição de celebridade nas redes sociais. Ambos são indicativos frágeis para uma candidatura presidencial. Ademais, após 26 anos no parlamento Bolsonaro aprovou apenas 2 projetos e insiste em se manter em partidos nanicos e não fazer alianças. Prefere envolver-se em polêmicas do que em debates. Tal perfil não contribui para sua viabilidade eleitoral embora, como Lula, já esteja em campanha a vários meses e logre capturar parte do eleitorado descrente da política.

Mas o deputado histriônico tem chamado a atenção, pois só perde no segundo turno nos cenários eleitorais com Lula e Marina Silva. Nos demais, surge como potencial vencedor. Bolsonaro deve se manter como um ruído ao longo do processo eleitoral, mas tudo indica que irá perder consistência conforme as demais candidaturas comecem a se apresentar e disputar o espaço de centro-direita. Tal qual Marina não deverá ter aliança, estrutura partidária, recursos e tempo de rádio e TV. Seguirá apostando tudo na em frases de até 140 letras nas redes sociais.

Várias candidaturas presidenciais ainda irão surgir nos próximos meses. A maior parte delas deverá estar no campo do centro e da centro-direita. É possível que algum outsider resolva tentar a sorte e capturar parte dos descrentes na política. Mas eleições no Brasil não é para amadores e voluntaristas. Em um país com 207 milhões de pessoas e com território de dimensão continental, campanha nacional é operação de guerra.

Embora a dança das cadeiras no poder executivo dê muita margem para especulações, o mesmo não ocorre no campo das eleições para o parlamento. Como as últimas eleições têm indicado, a taxa de renovação no parlamento deverá seguir alta. Ele tem sido na casa do 40-45% e deverá subir para a casa dos 55%. Contudo, o mais relevante não é a taxa de renovação medido em termos nominais, mas no que tange ao perfil político do parlamentar. E nesse quesito, tal qual tem ocorrido nos anos anteriores, é uma mudança muito pequena no perfil político dominante dos deputados.

Ao longo dos anos, reduziu-se o espaço para representantes com de alto perfil em favor de representantes mais locais e com agendas pontuais.
Aumentou a proporção dos representantes mais voltadas a uma lógica de demandas fisiológicas para grupos de interesses específicos em detrimento dos mais ideológicos e com agendas horizontais mais amplas. Nas próximas eleições, essa tendência deve se aprofundar e não se reverter.

Assim, o resultado das eleições de 2018 será a resultante entre tendências bem distintas. De um lado as eleições presidenciais ainda bem aberta e indefinida, com a possibilidade de algumas surpresas populistas e mesmo autoritárias, e, de outro, uma certa inércia nas eleições parlamentares, essas aprofundando a lógica localista e fisiológica. Aquela refletindo uma demanda por mudanças, e as eleições parlamentares como um contraponto mais conservador.