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Ainda existe espaço para política industrial?

Após um longo ciclo de políticas industriais contundentes, não está claro se o governo Temer irá seguir a mesma direção. Seja por convicção, seja por condições financeiras. Seria precipitado utilizar o curto período do governo interino para taxar de forma peremptória o que pode ser a visão do atual governo para os próximos anos, dada […]

Joaquim Levy
Joaquim Levy
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Ricardo Sennes

Publicado em 9 de agosto de 2016 às, 12h38.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h23.

Após um longo ciclo de políticas industriais contundentes, não está claro se o governo Temer irá seguir a mesma direção. Seja por convicção, seja por condições financeiras. Seria precipitado utilizar o curto período do governo interino para taxar de forma peremptória o que pode ser a visão do atual governo para os próximos anos, dada excepcionalidade política e econômica do momento. Não obstante, é possível captar vários indícios do que a média do atual governo pensa em termos de política industrial.

Diferentemente do período Lula-Dilma, não existem no governo atual defensores contumazes de políticas industriais ativas. Ao contrário, o eixo econômico do atual governo, liderado por Henrique Meirelles, está lastreado em uma matriz ideológica que tende a ser bastante reticente às políticas industriais.

Mas os demais ministros das pastas podem, direta ou indiretamente, estar vinculados à promoção de políticas industriais tampouco são entusiastas dessa estratégia de fomento. Seriam eles o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTICom) e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Os ministros Marcos Pereira e Gilberto Kassab, respectivamente MDIC e MCTICom, são de partidos cujos ideários estão mais próximos da matriz liberal.

Ademais, os movimentos recentes em relação a transferir o BNDES da estrutura do MDIC e passar para o MPOG, assim como a transferências da APEX e do Camex do MDIC para o Itamaraty e para a Presidência da República, podem ser lidos como um movimento de retirar instrumentos que, articulados, seriam fundamentais para uma política industrial de perfil ativo. A junção dos ministérios da C&T e de Comunicações traz indicações na mesma linha. Soma-se ao movimento a nomeação de Maria Silvia Bastos Marques para a presidência do BNDES. Maria Silvia é um nome conhecido no mercado e notoriamente uma boa gestora. Mas não encarna o papel de formuladora de políticas industriais. Embora não seja o papel do banco fazer isso, nos últimos anos foi de lá que emanaram as lideranças mais fortes nesse campo.

Não há dúvida de que um dos fatores para uma forte reversão da matriz de política industrial é a enorme crise fiscal. Ajustes importantes já vinham sendo feitos em 2015 com Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Não apenas no BNDES, mas também no corte expressivo das isenções tributárias. Estas caíram de quase 100 bilhões anuais para menos de 20 bilhões de reais. Mas o movimento que se desenha no campo das políticas de fomento industriais não parece ser apenas em função da falta de recursos.

A nova agenda parece estar sendo construída – ainda de forma muito fluída – com algumas vertentes novas. Devem sair de campo as políticas ativas e verticais (ou setoriais) e ganhar espaço políticas chamadas horizontais. Enquanto aquelas se destinam a criar incentivos focados em setores ou elos da cadeia produtiva identificadas pelas agências públicas como estratégicas, estas não focam em um setor ou segmento específico, mas visam melhorar o ambiente competitivo de forma mais ampla, com medida de caráter mais sistêmico. Devem ser abandonadas também, na mesma linha, as ideias de “campeões nacionais”.

Vários indicativos apontam para uma retomada da política comercial, nesse caso bem mais ativa do que foi no período Lula-Dilma. A nomeação de um político com o peso de José Serra para o MRE, com funções redobradas no campo da política comercial, pode criar um ambiente propício para um avanço rápido. O acordo recente com o Peru – que inclui de forma inusitada compras governamentais – é um sinal disso. Existem indicativos de interesse em fazer parte do TISA – acordo plurilateral em serviços -, outro tabu para a diplomacia comercial do Brasil.

As políticas de conteúdo nacional, nas suas várias versões, tendem também a ser revistas, reduzidas ou anuladas. Elas foram utilizadas de maneira ampla no governo Lula e ampliada nos governos Dilma. Abrangeram algumas compras públicas, toda a política de óleo & gás e políticas setoriais, mas tendem agora a se tornarem mais exceção do que regra.

Mudou claramente a visão do governo sobre política industrial, mas não mudaram os grupos de interesses que demandam e se beneficiam-se delas. Os próprios vínculos de Temer com representantes da FIESP são notórios. Em período de crise, o custo de desmonte dessas políticas é ainda mais acentuado. As pressões para políticas setoriais ou mesmo para segmentos deverão se multiplicar.

Nesse contexto, fica clara uma mudança de rumo, mas não estão claros seu alcance e efetividade. O espaço da política industrial no governo Temer será a resultante entre as concepções hoje dominantes no governo e refletida na sua estruturação, e as enormes e permanentes pressões de grupos de interesse que agirão diretamente sobre o presidente, via ministros e via Congresso Nacional.

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