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Financiamento de campanha eleitoral: novas cartas na mesa

A dinâmica das relações entre empresas e partidos políticos será alterada a partir das eleições municipais deste ano. Com a decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) declara inconstitucionais as doações de pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais, os únicos meios lícitos para o financiamento de campanhas eleitorais passam a ser a doação por […]

Marcelo Odebrecht em delação na Lava Jato (Heuler Andrey/Getty Images/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 1 de agosto de 2016 às 11h42.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.

A dinâmica das relações entre empresas e partidos políticos será alterada a partir das eleições municipais deste ano. Com a decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) declara inconstitucionais as doações de pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais, os únicos meios lícitos para o financiamento de campanhas eleitorais passam a ser a doação por pessoas físicas, o financiamento próprio do candidato e a transferência de recursos partidários, obtidos por meio dos filiados e de recursos do Fundo Partidário, todos com regras e limites próprios para a destinação às eleições.

A nova regra não se aplica apenas às empresas, mas também aos sindicatos, ONGs e outras organizações da sociedade civil. Pessoas físicas que quiserem doações deverão respeitar algumas limitações em relação ao nível de seu rendimento e à proporção máxima de gastos da campanha de um candidato ou partido.

A discussão sobre fontes de financiamento para campanhas se firma em dois parâmetros opostos. Se por um lado, podemos advogar que não cabe ao Estado limitar a forma pela qual a sociedade civil se organiza e financia suas atividades de representação, seja como pessoa física ou jurídica, por outro pode-se argumentar que a cidadania política não pode ser influenciada pela cidadania econômica. Ou seja, deve-se respeitar a premissa de um cidadão, um voto.

As doações de empresas para campanhas nas últimas décadas foram crescentemente reguladas e fiscalizadas pela Justiça Eleitoral, responsável pela impugnação de centenas de candidaturas por conta de crimes eleitorais. Ao mesmo tempo, o período também ficou marcado por tantas outras práticas que burlaram as regras.

Os padrões de financiamento de políticos e campanhas também variaram de forma importante entre partidos e regiões do país. Alguns setores se destacaram como financiadores sistemáticos de campanhas, como bancos, montadoras, construtoras, concessionárias públicas, farmacêuticas e indústria de alimentos e bebidas. Mas também outras entidades participavam das eleições e partidos direta e indiretamente, tais como igrejas, sindicatos, ONGs, etc. Ressalto que a doação a campanhas faz parte de um jogo mais complexo de interesse, no qual disputas no setor e as estratégias de cada empresa para ganhar competitividade pautavam as decisões de financiamento. A lógica é análoga para entidades religiosas, sindicais, etc. Enquanto grandes empresas e grupos mantinham estratégias nacionais, as médias entravam na competição apenas em eleições locais ou apoiando partidos e candidatos específicos.

Esse jogo acabou, pelo menos por ora. Grandes mudanças devem impactar os resultados das próximas eleições, algumas delas, não esperadas. Isso porque o contexto social e de desenvolvimento do Brasil interfere, em parte, nos argumentos apresentados.

Nas próximas eleições teremos novas cartas na mesa. Os resultados ainda não são óbvios, mas algumas indicações podem ser feitas, como a queda do gasto médio das campanhas. A ausência de fartas fontes tradicionais exigirá campanhas com estratégias mais baratas e efetivas. Em conversa recente com uma empresa especializada em campanhas eleitorais, foi mencionada a queda de aproximadamente 90% dos contratos. Ou seja, as principais campanhas estão operando com apenas 10% do orçamento que dispunham.

Outro aspecto relevante é a disparidade de condições materiais para se comunicar com o eleitorado entre os candidatos que ocupam cargos públicos, seja no Executivo ou no Legislativo, frente aos seus opositores. De fato, o acesso a recursos para campanhas e a presença na mídia são mais fáceis aos que já ocupam cargos. Em linha semelhante estão as celebridades, que, por definição, têm mais capacidade de acesso aos meios de comunicação e à mídia espontânea. Radialistas, esportistas e artistas podem se tornar ativos importantes nas estratégias de campanhas com poucos recursos e abrir uma barganha nada nobre entre o poder de imagem de uma celebridade e agenda política e programática.

Tem ganhado espaço também nas estratégias de candidatos às próximas eleições os recursos disponíveis via plataformas digitais, seja para pesquisa e monitoramento, para comunicação e mobilização ou ainda para arrecadação de contribuições de pessoas físicas. A campanha de Barack Obama para presidência dos Estados Unidos em 2010 é o caso mais conhecido pelo uso inovador e ousado dessas ferramentas. De lá para cá, essas plataformas e ferramentas só ganharam eficiência e estão amplamente disponíveis no Brasil.

Devemos, por fim, nos questionar quem serão os novos financiadores do processo eleitoral, o que pode gerar mais uma preocupação bastante válida. Retirado das campanhas os tradicionais grandes financiadores, o poder de fogo dos grupos ilegais aumenta. Traficantes de drogas, contrabandistas, bicheiros, milícias, mas também pequenos empresários e comerciantes locais, podem estar dispostos a entrar nesse jogo de maneira mais efetiva se sentirem que a capacidade de investigação da justiça for debilitada. Dada a gravidade da situação e o que pode ocorrer em áreas muito vulneráveis ao crime organizado, como Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais, é imprescindível a atenção das autoridades e da sociedade civil nessa questão.

Levará algum tempo para que possamos qualificar as reais consequências do fim do financiamento de campanhas por empresa. É preciso lembrar que bons argumentos quando confrontados com realidades muito precárias podem produzir efeitos não esperados e às vezes pouco nobres.

sennesficha

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A dinâmica das relações entre empresas e partidos políticos será alterada a partir das eleições municipais deste ano. Com a decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) declara inconstitucionais as doações de pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais, os únicos meios lícitos para o financiamento de campanhas eleitorais passam a ser a doação por pessoas físicas, o financiamento próprio do candidato e a transferência de recursos partidários, obtidos por meio dos filiados e de recursos do Fundo Partidário, todos com regras e limites próprios para a destinação às eleições.

A nova regra não se aplica apenas às empresas, mas também aos sindicatos, ONGs e outras organizações da sociedade civil. Pessoas físicas que quiserem doações deverão respeitar algumas limitações em relação ao nível de seu rendimento e à proporção máxima de gastos da campanha de um candidato ou partido.

A discussão sobre fontes de financiamento para campanhas se firma em dois parâmetros opostos. Se por um lado, podemos advogar que não cabe ao Estado limitar a forma pela qual a sociedade civil se organiza e financia suas atividades de representação, seja como pessoa física ou jurídica, por outro pode-se argumentar que a cidadania política não pode ser influenciada pela cidadania econômica. Ou seja, deve-se respeitar a premissa de um cidadão, um voto.

As doações de empresas para campanhas nas últimas décadas foram crescentemente reguladas e fiscalizadas pela Justiça Eleitoral, responsável pela impugnação de centenas de candidaturas por conta de crimes eleitorais. Ao mesmo tempo, o período também ficou marcado por tantas outras práticas que burlaram as regras.

Os padrões de financiamento de políticos e campanhas também variaram de forma importante entre partidos e regiões do país. Alguns setores se destacaram como financiadores sistemáticos de campanhas, como bancos, montadoras, construtoras, concessionárias públicas, farmacêuticas e indústria de alimentos e bebidas. Mas também outras entidades participavam das eleições e partidos direta e indiretamente, tais como igrejas, sindicatos, ONGs, etc. Ressalto que a doação a campanhas faz parte de um jogo mais complexo de interesse, no qual disputas no setor e as estratégias de cada empresa para ganhar competitividade pautavam as decisões de financiamento. A lógica é análoga para entidades religiosas, sindicais, etc. Enquanto grandes empresas e grupos mantinham estratégias nacionais, as médias entravam na competição apenas em eleições locais ou apoiando partidos e candidatos específicos.

Esse jogo acabou, pelo menos por ora. Grandes mudanças devem impactar os resultados das próximas eleições, algumas delas, não esperadas. Isso porque o contexto social e de desenvolvimento do Brasil interfere, em parte, nos argumentos apresentados.

Nas próximas eleições teremos novas cartas na mesa. Os resultados ainda não são óbvios, mas algumas indicações podem ser feitas, como a queda do gasto médio das campanhas. A ausência de fartas fontes tradicionais exigirá campanhas com estratégias mais baratas e efetivas. Em conversa recente com uma empresa especializada em campanhas eleitorais, foi mencionada a queda de aproximadamente 90% dos contratos. Ou seja, as principais campanhas estão operando com apenas 10% do orçamento que dispunham.

Outro aspecto relevante é a disparidade de condições materiais para se comunicar com o eleitorado entre os candidatos que ocupam cargos públicos, seja no Executivo ou no Legislativo, frente aos seus opositores. De fato, o acesso a recursos para campanhas e a presença na mídia são mais fáceis aos que já ocupam cargos. Em linha semelhante estão as celebridades, que, por definição, têm mais capacidade de acesso aos meios de comunicação e à mídia espontânea. Radialistas, esportistas e artistas podem se tornar ativos importantes nas estratégias de campanhas com poucos recursos e abrir uma barganha nada nobre entre o poder de imagem de uma celebridade e agenda política e programática.

Tem ganhado espaço também nas estratégias de candidatos às próximas eleições os recursos disponíveis via plataformas digitais, seja para pesquisa e monitoramento, para comunicação e mobilização ou ainda para arrecadação de contribuições de pessoas físicas. A campanha de Barack Obama para presidência dos Estados Unidos em 2010 é o caso mais conhecido pelo uso inovador e ousado dessas ferramentas. De lá para cá, essas plataformas e ferramentas só ganharam eficiência e estão amplamente disponíveis no Brasil.

Devemos, por fim, nos questionar quem serão os novos financiadores do processo eleitoral, o que pode gerar mais uma preocupação bastante válida. Retirado das campanhas os tradicionais grandes financiadores, o poder de fogo dos grupos ilegais aumenta. Traficantes de drogas, contrabandistas, bicheiros, milícias, mas também pequenos empresários e comerciantes locais, podem estar dispostos a entrar nesse jogo de maneira mais efetiva se sentirem que a capacidade de investigação da justiça for debilitada. Dada a gravidade da situação e o que pode ocorrer em áreas muito vulneráveis ao crime organizado, como Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais, é imprescindível a atenção das autoridades e da sociedade civil nessa questão.

Levará algum tempo para que possamos qualificar as reais consequências do fim do financiamento de campanhas por empresa. É preciso lembrar que bons argumentos quando confrontados com realidades muito precárias podem produzir efeitos não esperados e às vezes pouco nobres.

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