Storytelling não é coisa de marketeiro
O estrago de uma mentira descoberta costuma ser devastador para uma marca e consertar o erro será um processo desgastante e muito caro para a empresa.
Publicado em 31 de maio de 2021 às, 09h45.
Última atualização em 31 de maio de 2021 às, 09h54.
“Isso é coisa de marketeiro!”
Fico triste cada vez que ouço esta frase, não apenas porque tenho formação em marketing e não gosto do termo “marketeiro”, mas porque ela traz embutida uma verdade que muitos profissionais da área preferem não enxergar. E esta verdade embutida é a mania de contar uma mentira para promover uma marca. Sim, esta frase é usada principalmente quando não acreditamos muito em uma ação de uma empresa, ou seja, quando achamos que a empresa está mentindo.
Infelizmente um grande desvio de conceito (e de valores), criado ao longo das décadas, acabou por transformar a propaganda em uma grande ferramenta não apenas de valorização e exposição dos bons atributos de uma marca ou produtos, mas também de ocultação de seus problemas ou fragilidades. De maneira bem direta, a propaganda virou uma forma de mentir.
“Mas quem seria o louco de fazer uma propaganda mostrando os pontos fracos de um produto? ” Você pode me perguntar: ninguém, eu responderia, infelizmente.
Mas como quase tudo, a propaganda também evoluiu e novas técnicas para mostrar os pontos fortes de um produto foram criadas, e o storytelling (contar histórias sobre as marcas ou produtos) foi uma das melhores sem dúvidas. Mas o grande problema desta técnica, na minha análise, é que muitos profissionais de comunicação parecem que veem nela um grande escape para os limites criativos que muitas vezes são colocados na profissão. E no lugar de contarem histórias reais, inventam ótimas fábulas. Mas a culpa não é só deles, claro; as empresas que aprovam e escolhem este caminho têm uma parcela maior de culpa.
E muitas vezes estas fábulas funcionam. Afinal, o ser humano (pelo menos a grande maioria) adora uma boa história - seja ficção ou real. Somos sensíveis a isso, pois gostamos de nos identificar com personagens e nos imaginarmos na situação contada ou não (se a história for trágica), além de sermos seres muito curiosos por natureza.
Lembro de vários casos/histórias inventadas de empresas multinacionais e nacionais, como Hollister, Diletto, sucos Do Bem e até de produtos da Coca-Cola que foram descobertos e amplamente divulgados, com as empresas assumindo o erro ou simplesmente justificando a história contada como uma estratégia consciente. Não pretendo discutir aqui estes casos.
No final de tudo, o storytelling é usado como uma técnica para criar diferenciais para as empresas através da identificação e da conexão dos seus clientes com as histórias contadas. E quando a história é verdadeira, os diferenciais são criados dentro dos corações das pessoas e são muito poderosos, trazendo resultados fantásticos para as marcas. Mas este também deve ser o grande ponto de atenção para as empresas: segurar a tentação de buscar no storytelling uma fórmula mágica para atingir estes resultados fantásticos.
Só que fórmula mágica não existe no mundo dos negócios. Se a sua empresa não tiver uma boa história para contar, não minta, não maqueie, não invente histórias. Entenda e aceite que não é ruim não ter uma grande e emocionante história sobre como a empresa ou a marca foi criada. Na verdade, a grande maioria das empresas não tem.
O estrago de uma mentira descoberta costuma ser devastador para uma marca e consertar o erro depois pode ser um processo desgastante e muito caro para a empresa, além de, eventualmente, custar os empregos dos profissionais de marketing ou das agências.
Antes, construa de fato uma história real. Se não der para fazer isso, meu conselho é simples. Não faça storytelling!