Quando lucrar muito não é bom?
Entendo que precisamos separar a busca pelo lucro que vou chamar de moralmente legítimo, do lucro a todo custo, que chamarei de lucro abusivo
Da Redação
Publicado em 7 de novembro de 2022 às 10h30.
Por Marcio Oliveira
Já escrevi sobre o lucro das empresas aqui antes e confesso que não é um tema fácil, pois ele sempre desperta muitas “opiniões apaixonadas” e discussões ideológicas. Obviamente, não pretendo entrar nestas questões aqui, mas sim trazer uma reflexão maior sobre quando lucrar muito pode não ser tão bom.
Para começar, gostaria de ilustrar fazendo referência a uma matéria publicada há alguns dias aqui mesmo na Exame, sobre o lucro acumulado dos bancos nos últimos 12 meses (entre julho/21 e junho/22), que alcançou a cifra recorde de R$ 138 bilhões, um aumento de 20%.
Em um primeiro momento você pode até pensar “É banco e estamos no Brasil!” ou “Que absurdo!” ou até mesmo “Queria ser banqueiro!”, mas, como das outras vezes que escrevi sobre lucro, esta matéria me fez refletir novamente sobre esta busca louca das empresas pelo lucro cada vez mais alto sempre e o quanto isso pode ser abusivo ou mesmo danoso para muitas pessoas.
Veja bem, não estou falando que lucrar muito não é bom. O lucro é sim muito bom, busco isso em minha empresa inclusive, mas entendo que precisamos separar a busca pelo lucro que vou chamar de moralmente legítimo, do lucro a todo custo, que chamarei de lucro abusivo. E como esta é uma coluna sobre reflexões sobre a relação entre empresas e pessoas, creio que é muito importante olharmos para o papel do marketing nisso tudo.
O que é lucro abusivo?
Mas o que pode ser considerado um lucro abusivo? Só o fato dele ser financeiramente alto? Obviamente que não, mas um lucro de centena de bilhões como este dos bancos pode mexer com muitas das “opiniões apaixonadas” que falei no começo. Também não pretendo me ater aos bancos, até porque não tenho todos os elementos para julgar, sem ser tendencioso, que o lucro deles é ou não abusivo, só porque no meu ponto de vista ele é muito alto. Além disso, existem também vários outros aspectos neste caso como legislação, política econômica e até mesmo a eficiência operacional, que inclusive é citada na matéria. E meu objetivo também não é entrar em uma avaliação sociológica do lucro.
Acredito que mesmo que uma empresa recolha todos os seus impostos, respeite a legislação nos seus diversos âmbitos (e nosso país é campeão em leis para regulação de mercados) e mesmo tendo práticas aceitáveis de precificação, ainda assim o lucro dela, na minha visão, pode ser considerado moralmente ilegítimo ou abusivo.
Cumprir as leis vigentes é uma obrigação de todos, mesmo não concordando com elas, então não deveria haver mérito moral nenhum em uma empresa lucrar agindo dentro da lei. Se ela for eficiente ou as condições do mercado permitirem que ela consiga um alto lucro, ótimo para ela.
Talvez a melhor forma para entendermos o que é um lucro abusivo, seja refletirmos sobre quando o lucro é moralmente legítimo, independentemente se ele é financeiramente alto ou não, e como o marketing e o relacionamento com o seu cliente interfere nisso?
O papel do marketing na construção do lucro
Mas mesmo nestas condições, tem uma questão sutil que coloco para reflexão: se uma empresa utiliza, por exemplo, na sua estratégia de marketing ações que manipulam o processo de decisão de compra dos seus clientes, qual o mérito do lucro que ela terá, mesmo que o seu preço seja justo e ela pague seus impostos?
Vejo o desejo de muitas empresas atualmente em “ter o controle” de seus clientes, através dos dados e do seu comportamento, principalmente no ambiente digital, de modo a conseguir influenciá-los e convencê-los a comprar seus produtos na hora que ela quer e não quando o seu cliente realmente precisa. Em alguns casos, este desejo é externado exatamente desta forma, sem que haja inclusive a consciência do que isso significa. Afinal, o objetivo é sempre vender mais e mais rápido, obtendo o maior lucro possível.
Mas o custo moral disso pode ser muito alto, mas, como muitas vezes ele é inconsciente, as empresas não o colocam na conta.
Buscando o lucro legítimo
Se você chegou até aqui, conseguiu refletir e sentiu algum incômodo, ótimo. Este era o meu objetivo.
Agora, se este incômodo despertou em você o desejo de começar a repensar a questão do lucro e o papel do marketing na sua empresa e, além disso, a agir diferente dentro da sua esfera de atuação e influência, deixo aqui três lembretes importantes:
1 – Usar o marketing para tentar controlar o comportamento do cliente pode até funcionar por um bom tempo e ajudar a empresa a vender mais, mas não será sustentável a médio e longo prazo. Estamos vivendo um cenário de rápidas mudanças nos comportamentos sociais das pessoas, que trazem consequências diretamente nos seus comportamentos de compra e de relacionamento com as marcas.
Alguns aspectos estão ganhando cada vez mais importância na construção da percepção dos clientes sobre as empresas, como por exemplo o comportamento ético e social da marca e a forma com que ela obtém o seu lucro. E cada vez mais as marcas terão menos controle e influência neste comportamento dos consumidores.
2- Use o marketing como ferramenta para falar as verdades e o propósito da empresa e não para inventar verdades nos seus slogans. Assim, você poderá atrair os clientes certos e criar um relacionamento íntegro e sustentável com eles. O lucro será sempre a consequência e pode ser até muito alto também. Será um lucro alto e legítimo.
3 – A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) já ganhou mais um novo E, de Economic, que complementa esta visão ambiental, social e de governança com a dimensão econômica. E isso traz para a discussão que busca os equilíbrios entre estes pontos, também os aspectos de investimento e lucratividade das empresas. Ou seja, falar de EESG nada mais é do que falar de equilíbrio e limites que permitam a construção de um cenário bom para todos e não apenas para alguns, ou seja, falar de EESG também é falar sobre lucros legítimos.
Enfim, respeitando a lei e mantendo a eficiência em todos os seus processos, sua empresa com certeza continuará a ter lucro seja ele alto ou baixo, não importa. Se além disso, ela ainda for íntegra com seus clientes, cumprir seu papel social e buscar o equilíbrio para ajudar a construir relações sustentáveis em todos os níveis, o seu lucro será moralmente legítimo e todos poderemos colocar a cabeça no travesseiro e dormir todas as noites mais leves e felizes, com a certeza de que o lucro alto da nossa empresa não causa danos à sociedade.
Por Marcio Oliveira
Já escrevi sobre o lucro das empresas aqui antes e confesso que não é um tema fácil, pois ele sempre desperta muitas “opiniões apaixonadas” e discussões ideológicas. Obviamente, não pretendo entrar nestas questões aqui, mas sim trazer uma reflexão maior sobre quando lucrar muito pode não ser tão bom.
Para começar, gostaria de ilustrar fazendo referência a uma matéria publicada há alguns dias aqui mesmo na Exame, sobre o lucro acumulado dos bancos nos últimos 12 meses (entre julho/21 e junho/22), que alcançou a cifra recorde de R$ 138 bilhões, um aumento de 20%.
Em um primeiro momento você pode até pensar “É banco e estamos no Brasil!” ou “Que absurdo!” ou até mesmo “Queria ser banqueiro!”, mas, como das outras vezes que escrevi sobre lucro, esta matéria me fez refletir novamente sobre esta busca louca das empresas pelo lucro cada vez mais alto sempre e o quanto isso pode ser abusivo ou mesmo danoso para muitas pessoas.
Veja bem, não estou falando que lucrar muito não é bom. O lucro é sim muito bom, busco isso em minha empresa inclusive, mas entendo que precisamos separar a busca pelo lucro que vou chamar de moralmente legítimo, do lucro a todo custo, que chamarei de lucro abusivo. E como esta é uma coluna sobre reflexões sobre a relação entre empresas e pessoas, creio que é muito importante olharmos para o papel do marketing nisso tudo.
O que é lucro abusivo?
Mas o que pode ser considerado um lucro abusivo? Só o fato dele ser financeiramente alto? Obviamente que não, mas um lucro de centena de bilhões como este dos bancos pode mexer com muitas das “opiniões apaixonadas” que falei no começo. Também não pretendo me ater aos bancos, até porque não tenho todos os elementos para julgar, sem ser tendencioso, que o lucro deles é ou não abusivo, só porque no meu ponto de vista ele é muito alto. Além disso, existem também vários outros aspectos neste caso como legislação, política econômica e até mesmo a eficiência operacional, que inclusive é citada na matéria. E meu objetivo também não é entrar em uma avaliação sociológica do lucro.
Acredito que mesmo que uma empresa recolha todos os seus impostos, respeite a legislação nos seus diversos âmbitos (e nosso país é campeão em leis para regulação de mercados) e mesmo tendo práticas aceitáveis de precificação, ainda assim o lucro dela, na minha visão, pode ser considerado moralmente ilegítimo ou abusivo.
Cumprir as leis vigentes é uma obrigação de todos, mesmo não concordando com elas, então não deveria haver mérito moral nenhum em uma empresa lucrar agindo dentro da lei. Se ela for eficiente ou as condições do mercado permitirem que ela consiga um alto lucro, ótimo para ela.
Talvez a melhor forma para entendermos o que é um lucro abusivo, seja refletirmos sobre quando o lucro é moralmente legítimo, independentemente se ele é financeiramente alto ou não, e como o marketing e o relacionamento com o seu cliente interfere nisso?
O papel do marketing na construção do lucro
Mas mesmo nestas condições, tem uma questão sutil que coloco para reflexão: se uma empresa utiliza, por exemplo, na sua estratégia de marketing ações que manipulam o processo de decisão de compra dos seus clientes, qual o mérito do lucro que ela terá, mesmo que o seu preço seja justo e ela pague seus impostos?
Vejo o desejo de muitas empresas atualmente em “ter o controle” de seus clientes, através dos dados e do seu comportamento, principalmente no ambiente digital, de modo a conseguir influenciá-los e convencê-los a comprar seus produtos na hora que ela quer e não quando o seu cliente realmente precisa. Em alguns casos, este desejo é externado exatamente desta forma, sem que haja inclusive a consciência do que isso significa. Afinal, o objetivo é sempre vender mais e mais rápido, obtendo o maior lucro possível.
Mas o custo moral disso pode ser muito alto, mas, como muitas vezes ele é inconsciente, as empresas não o colocam na conta.
Buscando o lucro legítimo
Se você chegou até aqui, conseguiu refletir e sentiu algum incômodo, ótimo. Este era o meu objetivo.
Agora, se este incômodo despertou em você o desejo de começar a repensar a questão do lucro e o papel do marketing na sua empresa e, além disso, a agir diferente dentro da sua esfera de atuação e influência, deixo aqui três lembretes importantes:
1 – Usar o marketing para tentar controlar o comportamento do cliente pode até funcionar por um bom tempo e ajudar a empresa a vender mais, mas não será sustentável a médio e longo prazo. Estamos vivendo um cenário de rápidas mudanças nos comportamentos sociais das pessoas, que trazem consequências diretamente nos seus comportamentos de compra e de relacionamento com as marcas.
Alguns aspectos estão ganhando cada vez mais importância na construção da percepção dos clientes sobre as empresas, como por exemplo o comportamento ético e social da marca e a forma com que ela obtém o seu lucro. E cada vez mais as marcas terão menos controle e influência neste comportamento dos consumidores.
2- Use o marketing como ferramenta para falar as verdades e o propósito da empresa e não para inventar verdades nos seus slogans. Assim, você poderá atrair os clientes certos e criar um relacionamento íntegro e sustentável com eles. O lucro será sempre a consequência e pode ser até muito alto também. Será um lucro alto e legítimo.
3 – A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) já ganhou mais um novo E, de Economic, que complementa esta visão ambiental, social e de governança com a dimensão econômica. E isso traz para a discussão que busca os equilíbrios entre estes pontos, também os aspectos de investimento e lucratividade das empresas. Ou seja, falar de EESG nada mais é do que falar de equilíbrio e limites que permitam a construção de um cenário bom para todos e não apenas para alguns, ou seja, falar de EESG também é falar sobre lucros legítimos.
Enfim, respeitando a lei e mantendo a eficiência em todos os seus processos, sua empresa com certeza continuará a ter lucro seja ele alto ou baixo, não importa. Se além disso, ela ainda for íntegra com seus clientes, cumprir seu papel social e buscar o equilíbrio para ajudar a construir relações sustentáveis em todos os níveis, o seu lucro será moralmente legítimo e todos poderemos colocar a cabeça no travesseiro e dormir todas as noites mais leves e felizes, com a certeza de que o lucro alto da nossa empresa não causa danos à sociedade.