CX - Quando a cultura come a estratégia
Construir um bom e sustentável relacionamento com clientes leva tempo e dá trabalho, mas também dá resultados incríveis para os negócios.
Publicado em 13 de dezembro de 2021 às, 10h00.
Já usei em alguns artigos aqui a famosa frase do Peter Drucker, que diz que a “cultura come a estratégia no café da manhã” e ela cada vez mais me parece fazer muito sentido. E complemento que não é apenas a cultura que come a estratégia, mas muitas vezes os processos também.
Vou explicar isso rapidamente com um caso que aconteceu comigo recentemente com uma grande marca do varejo, mas sem citá-la aqui por respeito e porque meu objetivo não é expor ninguém, mas apenas chamar a atenção para a grande desconexão que existe em muitas empresas entre o que é o desejo e a estratégia definida nos altos escalões, versus o que acontece na prática com a experiência do cliente na ponta de atendimento. No relato, farei a marcação de quatro grandes problemas ainda muito comuns de serem encontrados, para explicá-los melhor no final.
Fiz uma compra on-line e foi apresentado como opção apenas a retirada do produto na loja, pois era onde ele estaria disponível. Pelo que entendi, a empresa não tinha o produto em estoque para despachar do CD (Centro de Distribuição) e como eu precisava dele e não havia encontrado em mais nenhum lugar, concordei e inclusive com o prazo solicitado de 9 dias para a retirada (problema 1). Finalizei a compra e recebi todas as comunicações padrão, sendo a última a de confirmação do pagamento e retirada do produto no dia e hora marcados.
No dia marcado, quando cheguei na loja fui informado pelo responsável que o produto estava em falta (problema 2) e que ele havia avisado a “eles” (sic), que entendi ser o centro de distribuição da empresa, de que se não tinham o produto lá também então era para cancelar a compra. Quando informei que não havia recebido nenhuma mensagem de cancelamento e que inclusive o acompanhamento do pedido estava ainda com o mesmo status para retirada na loja, ouvi a desculpa de que ele não podia fazer nada porque já tinha informado a “eles” (sic). A orientação foi para que eu ligasse no SAC para pedir o cancelamento da compra e o reembolso do pagamento (problema 3).
Após explicar que não existia o “eles” e que naquele momento ele representava a mesma empresa para mim, solicitei que ele mesmo ligasse em alguma área e me desse a solução do problema. Fiz isso apenas para ver como ele lidaria com a situação. Meio resignado ele ligou, conversou com alguém e me retornou pedindo desculpas pela situação toda, mas de maneira muito sincera ou ingênua para lidar com a situação, disse que a pessoa com quem ele falou não tinha cancelado a compra ainda porque estava com muito trabalho (problema 4), mas faria isso logo.
Problema 1 – Muitas empresas estão implantando suas estratégias omnichannel e isso é ótimo. Já tive outras experiências e foi tranquilo retirar o produto na loja. O que me chamou a atenção aqui foi o prazo. Se o sistema informava que o produto estava na loja, porque eu teria que esperar o enorme prazo de 9 dias para retirar? Isso não é um padrão de uma estratégia omnichannel.
Problema 2 – Aqui é um problema simples de sistema, pois a empresa não possuía o produto, apesar de constar a disponibilidade na loja. Um problema simples, mas que foi o que gerou inicialmente toda esta confusão. Falta cuidar dos detalhes.
Problema 3 – Este é um problema muito comum de acontecer e que chamo de transferência de responsabilidade. Infelizmente, é um comportamento padrão nas empresas, principalmente nos profissionais que atuam nas pontas de atendimento, como lojas e SACs, que por falta de preparo, cultura da empresa ou mesmo medo de cobranças dos superiores, levam o problema para o lado pessoal e querem fugir da responsabilidade e de uma eventual “culpa”, normalmente jogando-a em outra pessoa. Neste caso, a pessoa que me atendeu ainda não compreendeu que na verdade o problema é da empresa como um todo e ali, naquele momento, ela era apenas a representante da empresa e por isso, a responsável direta pela condução da minha experiência de relacionamento com a marca. E isso ficou claro quando ela me falou que tinha avisado a “eles” assim que recebeu o pedido no sistema.
Problema 4 – Este último problema, na verdade, só deixou mais evidente todos os outros três, quando o profissional usou comigo a mesma justificativa que ele ouviu do colega ao telefone, que nada tinha sido feito no meu caso porque a pessoa responsável estava com muito trabalho, como se isso fosse uma justificativa aceitável a ser exposta a um cliente. Lembrando que estamos falando de uma grande marca com faturamento na casa dos bilhões e não de uma pequena empresa pouco estruturada.
Estes quatro problemas são apenas um retrato do que deve acontecer diariamente com muitos clientes nas suas diversas experiências com as empresas. Infelizmente, ainda existe um grande GAP entre o desejo até que real de muitas empresas de proporcionarem uma boa experiência com seus clientes, versus o que realmente acontece na ponta.
Isso acontece porque muitas empresas não conseguem transformar este desejo em diretrizes claras para seus colaboradores e, quando não há compreensão, nenhuma estratégia de relacionamento se mantém de pé.
E a compreensão é do propósito que está por trás da estratégia. Esta compreensão do propósito é que irá transformá-lo em cultura e no final, é o que irá impactar e construir boas experiências para o cliente.
Mas construir isso não e nem tão simples e nem tão rápido, mas como digo sempre, construir um bom e sustentável relacionamento com clientes leva tempo e dá trabalho, mas também dá resultados incríveis para os negócios.