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Um ato para as futuras gerações

Temos muitos desafios, mas hoje gostaria de discutir sobre algo específico, que todos estão sentindo e talvez dando pouco importância: a sustentabilidade

Sem um planeta com as mínimas condições climáticas habitáveis, fica cada vez mais inviável ter um ambiente saudável para que os jovens cresçam, se desenvolvam e trabalhem (Faithiecannoise/Getty Images)
Sem um planeta com as mínimas condições climáticas habitáveis, fica cada vez mais inviável ter um ambiente saudável para que os jovens cresçam, se desenvolvam e trabalhem (Faithiecannoise/Getty Images)
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Regina Esteves

Publicado em 6 de agosto de 2021 às, 12h07.

Logo após a reabertura gradual das escolas Brasil afora, passei a me perguntar: o que podemos fazer pelos nossos jovens? O retorno às aulas e o investimento em educação, uma área que mesmo antes da pandemia já apresentava falhas, não serão suficientes para lhes assegurar um futuro seguro.

Ainda temos tantos desafios pela frente, que continuam sendo temas desse espaço. Mas hoje gostaria de discutir sobre algo específico, que todos estão sentindo e talvez ainda dando pouco importância: a sustentabilidade de nosso planeta.

Sem um planeta com as mínimas condições climáticas habitáveis, fica cada vez mais inviável ter um ambiente saudável para que os jovens cresçam, se desenvolvam e trabalhem.

As enchentes comprometem a qualidade da água e possibilitam a disseminação de doenças como cólera, dengue e malária. De acordo com dados do UNICEF, 90% dos que mais sofrem com as doenças atribuídas às mudanças climáticas são crianças de até 5 anos de idade.

Além disso, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 2 bilhões de crianças no planeta vivem em lugares onde a poluição do ar é tão elevada que o torna tóxico, prejudicando seu desenvolvimento cognitivo.

Em uma época cujas temperaturas no Canadá passam dos 50ºC e moradores de rua morrem de hipotermia pelas ruas do Brasil, é a primeira vez, na história, que uma geração crescerá em um mundo mais perigoso como resultado das mudanças climáticas.

Todavia, alguns países já têm tomado medidas para conter esse fenômeno. O País de Gales, na Europa, lançou, em 2015, o Future Generations Act, uma lei pioneira que busca proteger o bem-estar das futuras gerações. Graças a ela, serão fomentadas mudanças culturais a partir do setor público para promover a sustentabilidade de maneira colaborativa.

Antes disso, na década de 1990, a Finlândia criou o Comitê para o Futuro, com o objetivo de diagnosticar desafios futuros ainda em suas fases iniciais. Escócia, Reino Unido, França e Nova Zelândia também têm buscado implementar medidas similares.

No mundo, mais da metade das pessoas vive em áreas urbanas e, de acordo com o que temos observado, as mais prejudicadas pelas mudanças climáticas são também aquelas em situação de maior vulnerabilidade social.

Enquanto as pessoas com melhores condições socioeconômicas possuem melhores chances de se mudarem para regiões mais seguras, os mais vulneráveis são fadados a permanecerem onde estão, e essa “segregação climática” poderá aumentar uma desigualdade social já existente.

No Brasil, onde apenas 54,1% das pessoas possuem acesso ao saneamento básico, observamos parte do poder público focada em políticas de curto-prazo, de olho nas próximas eleições, e não nas próximas gerações.

Em vez de investirmos no saneamento básico ou em políticas públicas como o Next Generations Act, estamos discutindo o aumento do fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões. Em vez de possibilitarmos o engajamento político de novas gerações, que serão as vozes do futuro e herdeiros do país, estamos discutindo uma reforma política que visa a perpetuação no poder e eleição de puxadores de votos.

A pandemia nos ensinou que o Brasil, assim como a maior parte dos países do mundo, não está de prontidão para lidar com desafios repentinos de forma eficiente. É claro que devemos também pensar em políticas de curto prazo, no entanto, não podemos ignorar, por precaução, planejamentos de longo prazo. As crises têm demonstrado a necessidade de mudanças em nossos sistemas políticos para a obtenção de melhores resultados.

A ex-Presidente da Irlanda e Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Mary Robinson, certa vez afirmou que as gerações futuras ainda não podem expressar suas preocupações. Por isso, é necessário que coloquemos os jovens e futuras gerações no centro das estratégias de respostas para desafios como as mudanças climáticas.

Os jovens devem servir como agentes de mudança tanto como nossos motivadores, quanto como futuros líderes. E, para isso, não precisamos contar apenas com o poder público. Podemos, por meio de novos tipos de governança, unir a sociedade civil, o setor privado e até mesmo os próprios jovens para pensarmos em soluções inovadoras e colaborativas de longo prazo.

Somos a última geração capaz de frear um fenômeno climático sem precedentes ao mesmo tempo em que desenvolvemos a humanidade de maneira sustentável. Talvez a melhor pergunta a ser feita não seja “o que podemos fazer pelos nossos jovens?”, mas “o que não temos feito pelos nossos jovens?”.

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