Esplanada dos Ministérios, em Brasília: Precisamos avançar para um modelo federativo que promova a parceria com base em incentivos à boa gestão. Um sistema que recompensa a boa gestão e puna o desperdício (Ueslei Marcelino/Reuters)
CEO da Comunitas e colunista
Publicado em 1 de julho de 2025 às 10h14.
Última atualização em 1 de julho de 2025 às 10h18.
O Brasil enfrenta uma silenciosa expansão fiscal que pouco aparece no debate público. Enquanto as atenções se concentram nas metas da União, estados e municípios dispararam seus gastos em 37% desde 2021, atingindo R$ 643 bilhões no quarto trimestre de 2024, de acordo com dados organizados pelo FGV/IBRE.
É uma situação crítica. A União alimentou o processo com transferências recordes e garantias de empréstimos, e os governos locais expandiram folhas de pagamento e custeio sem considerar a sustentabilidade das receitas. O resultado é uma política econômica contraditória: o Banco Central pisa no freio com juros altos, enquanto estados e municípios pisam fundo no acelerador fiscal.
Essa trajetória de expansão fiscal revela não apenas um desequilíbrio orçamentário, mas também desafios estruturais relevantes na gestão pública brasileira: uma crise de gestão.
Esse cenário só se consolidou porque ainda enfrentamos obstáculos históricos na modernização da máquina pública. A conta não vai fechar, e o ajuste será difícil. Focar exclusivamente no aumento das despesas é tratar os sintomas sem considerar as causas estruturais do problema.
O verdadeiro problema é que o Brasil gasta mal, sobretudo com seu maior item orçamentário: pessoas. Nossa política de pessoal ainda apresenta desequilíbrios que afetam a eficiência do serviço público. Pagamos pouco para funções complexas, perdendo talentos para o setor privado, e mais que o mercado para atividades rotineiras.
Promove-se por tempo de serviço, não por resultados. Selecionam-se lideranças por critérios políticos, não técnicos. A rigidez nos modelos de contratação dificulta a alocação temporária de especialistas, gerando pressões sobre o quadro efetivo. Isso não é uma crítica ideológica ao tamanho do Estado, é reflexo de desafios na gestão de pessoas que comprometem a entrega de valor ao cidadão.
É aqui que o debate sobre a reforma administrativa tem se mostrado fragmentado e pouco produtivo. Sob esse guarda-chuva, abrigam-se duas agendas que deveriam ser complementares, mas que se tornaram inimigas: a do reequilíbrio fiscal e a da profissionalização da gestão.
Ao se focar a reforma apenas como um instrumento de corte de gastos, alimenta-se uma polarização que dificulta avanços concretos. De um lado, os que defendem um ajuste a qualquer custo; do outro, os que resistem a qualquer mudança para proteger privilégios.
Ambos erram. Não há sustentabilidade fiscal a longo prazo sem um salto de qualidade na gestão. E não há como melhorar a gestão sem os recursos e a estabilidade que a saúde fiscal proporciona. Aplicar exclusivamente ferramentas fiscais a um problema que também é de natureza gerencial limita o potencial das soluções.
A solução não é gastar menos, mas aperfeiçoar a alocação dos recursos públicos. Ao fomentar um ambiente favorável ao crescimento econômico, impulsionamos a expansão da atividade produtiva e, assim, reduzimos o peso relativo do Estado sobre o PIB, sem comprometer os serviços fundamentais oferecidos aos brasileiros que mais dependem do amparo estatal em nossa sociedade marcada por profundas desigualdades.
O caminho para desarmar a bomba-relógio fiscal passa, portanto, por uma mudança de paradigma. Precisamos avançar para um modelo federativo que promova a parceria com base em incentivos à boa gestão. Um sistema que recompensa a boa gestão e puna o desperdício.
A União tem as ferramentas institucionais necessárias para liderar essa transformação com responsabilidade, visão de longo prazo e compromisso com uma reforma que seja uma política de Estado, não apenas de governo.
Isso significa criar instrumentos que vão além da regulação tradicional. O VAAR (Valor Anual por Aluno por Resultado) no Fundeb é um exemplo embrionário: mais recursos para redes de ensino que adotam boas práticas, como a seleção profissional de diretores de escola.
Precisamos replicar essa lógica. Mais transferências para municípios que profissionalizam suas compras, mais garantias para estados que implementam avaliação de políticas públicas, e mais apoio para quem cria reservas para emergências.
Ao mesmo tempo, é preciso reforçar os mecanismos de acompanhamento e responsabilização em caso de descumprimento das regras. A Lei de Responsabilidade Fiscal precisa de poder de enforcement coordenado.
O Conselho de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal e nunca implementado de fato, seria um primeiro passo para harmonizar regras e criar um sistema de monitoramento em tempo real, com gatilhos automáticos para conter desvios antes que virem crises.
A janela de oportunidade para essa mudança está se fechando. A reforma tributária criará um fundo de desenvolvimento regional de R$ 60 bilhões anuais, uma chance única de vincular esses recursos a critérios de eficiência, e não apenas políticos. A recente renegociação das dívidas estaduais representou um avanço, mas ainda carece de contrapartidas mais robustas.
Não podemos repetir o erro. A história brasileira é clara. Quando falta governança pública, os ajustes posteriores tendem a ser mais difíceis, onerosos e socialmente regressivos. A alternativa não é a recentralização fiscal, mas um federalismo mais sofisticado, que alinhe incentivos, distribua responsabilidades e valorize a boa gestão pública.
O Brasil tem capacidade técnica e maturidade institucional para construir essa governança inteligente. A questão é se terá a vontade política para enfrentar interesses e a urgência para agir antes que essa situação delicada, alimentada pela má gestão, se agrave ainda mais.