No Brasil pós-pandemia, por que tudo abre, menos as escolas?
A economia retomou, as praias estão cheias, mas os colégios seguem fechados. Não há convite melhor para refletir sobre o lugar da educação no país
Leo Branco
Publicado em 22 de outubro de 2020 às 12h20.
Última atualização em 23 de outubro de 2024 às 17h04.
Na coluna de hoje, gostaria da opinião dos leitores, dos estudiosos e dos governos: por que não priorizamos o retorno dos alunos às escolas?
Durante a pandemia, quantas crianças você já viu na rua, sem máscara, fazendo malabarismo ou vendendo balas enquanto deveriam estar nas escolas?
Para se ter uma ideia, somente no estado de São Paulo, há 113 mil crianças nessa mesma condição, incapacitadas de estudarem. Esse é apenas o número de alunos da rede pública estadual que vivem em situação de extrema vulnerabilidade (no total, são 3,5 milhões matriculados em cinco mil colégios estaduais).
Então, vamos deixar bem claro: a Educação é, sim, um serviço essencial. Aliás, vai muito além, trata-se do pilar mais fundamental de um país que planeja se desenvolver e ser reconhecido mundialmente.
Seu veículo, evidentemente, é a escola, que tem dois papéis primordiais: atuar como rede de proteção social e ser o lugar para o desenvolvimento dos processos de aprendizagem. Manter esse espaço tão importante fechado tem gerado impactos negativos bastante severos nas duas dimensões.
Em relação à falta que faz o acolhimento social, cabe ressaltar o estudo do Grupo de Trabalho Intersetorial do Programa Saúde na Escola do Rio de Janeiro em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que indica que, com as necessárias medidas de confinamento domiciliar, crianças e adolescentes estão sob risco ainda maior de sofrer violência física, sexual e psicológica.
Ainda de acordo com a análise, quando já acontece violência doméstica, as tensões acumuladas com temores sobre a pandemia, a intensa convivência familiar, a sobrecarga de tarefas domésticas e o trabalho em casa – ou a falta de emprego e renda – podem ser geradoras ou agravantes de conflitos em muitos lares. Isso sem contar o quanto não ter a escola na vida dos alunos traz prejuízos até para a saúde, por questões como segurança alimentar e aspectos socioemocionais.
Aqui, vou me estender um pouco mais sobre as consequências relativas ao eixo do ensino. Falemos de dados. Temos um dos 20 piores desempenhos no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), indicador que tem servido de comparativo para avaliar a qualidade da educação dos diferentes países.
Podemos somar nessa triste equação o fato de termos uma alta taxa de evasão escolar: dos 50 milhões de brasileiros com idades entre 14 e 29 anos, 10 milhões, ou seja, 20%, não terminaram alguma das etapas da educação básica, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE). As projeções da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) indicam que mais de 24 milhões de estudantes, em todos os níveis de ensino ao redor do mundo, devem abandonar a escola em 2020 devido ao fechamento das instituições durante a pandemia, algo que não é nada animador.
Resultado? O Estado não conseguirá recuperar as perdas, gerando um impacto no futuro de uma geração inteira. A FGV Social acaba de divulgar um estudo comprovando que as desigualdades educacionais no Brasil devem aumentar. Entre os motivos, estão as dificuldades encontradas pelos estudantes, principalmente os de baixa renda, para acompanhar as aulas remotas. Os números apontam ainda que os alunos brasileiros tiveram menos horas/aula do que estabelece a Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDBE). Os pesquisadores concluem que a "geração coronavírus" provavelmente será menos produtiva e mais desigual em relação a anteriores e posteriores.
A Comissão de Educação da Assembleia Legislativa também vem demonstrando, por meio da análise de diversas pesquisas, a perda na renda potencial desses alunos afastados da rede de ensino. Um relatório do Banco Mundial indica que cinco meses sem aulas significam menos 10 trilhões de dólares de renda ao longo de suas vidas, o equivalente a 16% de todo o valor investido neles pelos governos. Esse tempo também corresponde a uma diminuição de 0,6 anos de escolaridade. Em crianças no início do processo educacional, até a alfabetização pode ser comprometida, acarretando atraso em todo o desenvolvimento acadêmico.
Não há dúvidas, portanto, que o único caminho possível é garantirmos a reabertura das escolas de maneira segura para todos. Como? Reunindo os diferentes setores da sociedade em uma coalizão em defesa da Educação!
Indiscutivelmente, esse regresso tem de seguir todos os critérios epidemiológicos e ser gradual e escalonado, começando pelas famílias em estado de vulnerabilidade social e com menos riscos de saúde. Vale olhar as principais referências internacionais, como Noruega, Alemanha, Portugal, França, Nova Zelândia e Austrália. As aulas voltaram há alguns meses e o controle do contágio de Covid-19 nas escolas vem se mantendo dentro do padrão esperado. Na Irlanda, primeiro local a retomar o confinamento pelo novo aumento do número de casos da doença, a chamada segunda onda, os colégios se mantêm abertos.
Tal decisão não foi aleatória. Há muitos estudos que vêm mensurando o impacto da volta as aulas. A Agência Europeia de Controle de Doenças Transmissíveis observou 31 países do continente e concluiu: a reabertura não provocou aumento do contágio. Outras pesquisas realizadas na França, Suíça, Austrália e China e apresentadas em recente artigo da revista científica Pediatrics mostraram que as crianças não são vetores de transmissão (normalmente, contraem dos adultos) e, em casos de acompanhamento de crianças infectadas que tiveram contato com outras crianças e adultos, houve poucos casos secundários.
Apesar dos atrasos, no Brasil, há também boas saídas sendo construídas. No Rio Grande do Sul, cujo Sistema de Distanciamento Controlado, elaborado em parceria com a Comunitas , serviu de modelo para muitas outras localidades brasileiras, as escolas estão reabrindo gradativamente. Foi estabelecido o limite de 50% da capacidade de alunos por sala de aula e não pode haver aglomerações ou atividades com contato físico, além da necessidade da anuência formal dos pais ou responsáveis.
Outro ponto bastante interessante do plano de retomada é que apenas os municípios gaúchos cujas escolas já estiverem reabertas podem voltar com eventos culturais, esportivos, corporativos ou comerciais, incluindo o funcionamento de cinemas e de quadras ou a promoção de congressos e feiras.
É ótimo saber que existem alguns bons exemplos, mas, como sociedade, será que nós priorizamos a Educação? As famílias colocam a Educação em primeiro lugar? Nossos políticos têm coragem de colocar a Educação acima de pautas mais populistas que dão tanta visibilidade em época de eleições? E os eleitores escolhem candidatos que têm na Educação a base de suas plataformas? Vamos fazer essas perguntas para todos, inclusive nós mesmos!
Tenho plena certeza de que, enquanto a Educação não for entendida como prioridade absoluta por todos os brasileiros, independentemente do setor da sociedade do qual façam parte, estaremos em desvantagem no mundo. Em todos os sentidos.
Carências educacionais enfraquecem a economia, diminuem nossa competitividade internacional e acentuam ainda mais a desigualdade do segmento mais vulnerável da sociedade. Perpetua-se, assim, esse ciclo vicioso tão perverso.
Na coluna de hoje, gostaria da opinião dos leitores, dos estudiosos e dos governos: por que não priorizamos o retorno dos alunos às escolas?
Durante a pandemia, quantas crianças você já viu na rua, sem máscara, fazendo malabarismo ou vendendo balas enquanto deveriam estar nas escolas?
Para se ter uma ideia, somente no estado de São Paulo, há 113 mil crianças nessa mesma condição, incapacitadas de estudarem. Esse é apenas o número de alunos da rede pública estadual que vivem em situação de extrema vulnerabilidade (no total, são 3,5 milhões matriculados em cinco mil colégios estaduais).
Então, vamos deixar bem claro: a Educação é, sim, um serviço essencial. Aliás, vai muito além, trata-se do pilar mais fundamental de um país que planeja se desenvolver e ser reconhecido mundialmente.
Seu veículo, evidentemente, é a escola, que tem dois papéis primordiais: atuar como rede de proteção social e ser o lugar para o desenvolvimento dos processos de aprendizagem. Manter esse espaço tão importante fechado tem gerado impactos negativos bastante severos nas duas dimensões.
Em relação à falta que faz o acolhimento social, cabe ressaltar o estudo do Grupo de Trabalho Intersetorial do Programa Saúde na Escola do Rio de Janeiro em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que indica que, com as necessárias medidas de confinamento domiciliar, crianças e adolescentes estão sob risco ainda maior de sofrer violência física, sexual e psicológica.
Ainda de acordo com a análise, quando já acontece violência doméstica, as tensões acumuladas com temores sobre a pandemia, a intensa convivência familiar, a sobrecarga de tarefas domésticas e o trabalho em casa – ou a falta de emprego e renda – podem ser geradoras ou agravantes de conflitos em muitos lares. Isso sem contar o quanto não ter a escola na vida dos alunos traz prejuízos até para a saúde, por questões como segurança alimentar e aspectos socioemocionais.
Aqui, vou me estender um pouco mais sobre as consequências relativas ao eixo do ensino. Falemos de dados. Temos um dos 20 piores desempenhos no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), indicador que tem servido de comparativo para avaliar a qualidade da educação dos diferentes países.
Podemos somar nessa triste equação o fato de termos uma alta taxa de evasão escolar: dos 50 milhões de brasileiros com idades entre 14 e 29 anos, 10 milhões, ou seja, 20%, não terminaram alguma das etapas da educação básica, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE). As projeções da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) indicam que mais de 24 milhões de estudantes, em todos os níveis de ensino ao redor do mundo, devem abandonar a escola em 2020 devido ao fechamento das instituições durante a pandemia, algo que não é nada animador.
Resultado? O Estado não conseguirá recuperar as perdas, gerando um impacto no futuro de uma geração inteira. A FGV Social acaba de divulgar um estudo comprovando que as desigualdades educacionais no Brasil devem aumentar. Entre os motivos, estão as dificuldades encontradas pelos estudantes, principalmente os de baixa renda, para acompanhar as aulas remotas. Os números apontam ainda que os alunos brasileiros tiveram menos horas/aula do que estabelece a Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDBE). Os pesquisadores concluem que a "geração coronavírus" provavelmente será menos produtiva e mais desigual em relação a anteriores e posteriores.
A Comissão de Educação da Assembleia Legislativa também vem demonstrando, por meio da análise de diversas pesquisas, a perda na renda potencial desses alunos afastados da rede de ensino. Um relatório do Banco Mundial indica que cinco meses sem aulas significam menos 10 trilhões de dólares de renda ao longo de suas vidas, o equivalente a 16% de todo o valor investido neles pelos governos. Esse tempo também corresponde a uma diminuição de 0,6 anos de escolaridade. Em crianças no início do processo educacional, até a alfabetização pode ser comprometida, acarretando atraso em todo o desenvolvimento acadêmico.
Não há dúvidas, portanto, que o único caminho possível é garantirmos a reabertura das escolas de maneira segura para todos. Como? Reunindo os diferentes setores da sociedade em uma coalizão em defesa da Educação!
Indiscutivelmente, esse regresso tem de seguir todos os critérios epidemiológicos e ser gradual e escalonado, começando pelas famílias em estado de vulnerabilidade social e com menos riscos de saúde. Vale olhar as principais referências internacionais, como Noruega, Alemanha, Portugal, França, Nova Zelândia e Austrália. As aulas voltaram há alguns meses e o controle do contágio de Covid-19 nas escolas vem se mantendo dentro do padrão esperado. Na Irlanda, primeiro local a retomar o confinamento pelo novo aumento do número de casos da doença, a chamada segunda onda, os colégios se mantêm abertos.
Tal decisão não foi aleatória. Há muitos estudos que vêm mensurando o impacto da volta as aulas. A Agência Europeia de Controle de Doenças Transmissíveis observou 31 países do continente e concluiu: a reabertura não provocou aumento do contágio. Outras pesquisas realizadas na França, Suíça, Austrália e China e apresentadas em recente artigo da revista científica Pediatrics mostraram que as crianças não são vetores de transmissão (normalmente, contraem dos adultos) e, em casos de acompanhamento de crianças infectadas que tiveram contato com outras crianças e adultos, houve poucos casos secundários.
Apesar dos atrasos, no Brasil, há também boas saídas sendo construídas. No Rio Grande do Sul, cujo Sistema de Distanciamento Controlado, elaborado em parceria com a Comunitas , serviu de modelo para muitas outras localidades brasileiras, as escolas estão reabrindo gradativamente. Foi estabelecido o limite de 50% da capacidade de alunos por sala de aula e não pode haver aglomerações ou atividades com contato físico, além da necessidade da anuência formal dos pais ou responsáveis.
Outro ponto bastante interessante do plano de retomada é que apenas os municípios gaúchos cujas escolas já estiverem reabertas podem voltar com eventos culturais, esportivos, corporativos ou comerciais, incluindo o funcionamento de cinemas e de quadras ou a promoção de congressos e feiras.
É ótimo saber que existem alguns bons exemplos, mas, como sociedade, será que nós priorizamos a Educação? As famílias colocam a Educação em primeiro lugar? Nossos políticos têm coragem de colocar a Educação acima de pautas mais populistas que dão tanta visibilidade em época de eleições? E os eleitores escolhem candidatos que têm na Educação a base de suas plataformas? Vamos fazer essas perguntas para todos, inclusive nós mesmos!
Tenho plena certeza de que, enquanto a Educação não for entendida como prioridade absoluta por todos os brasileiros, independentemente do setor da sociedade do qual façam parte, estaremos em desvantagem no mundo. Em todos os sentidos.
Carências educacionais enfraquecem a economia, diminuem nossa competitividade internacional e acentuam ainda mais a desigualdade do segmento mais vulnerável da sociedade. Perpetua-se, assim, esse ciclo vicioso tão perverso.