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Ao tacharem games como coisa de moleque sem futuro, milhões deixaram de acompanhar um nicho de aficionados se transformar no gigante universo dos eSports

ANKARA, TURKEY - NOVEMBER 26: A man plays Fortnite game on smartphone in Ankara, Turkey on November 26, 2018. (Photo by Metin Aktas/Anadolu Agency/Getty Images) (Metin Aktas/Anadolu Agency/Getty Images)
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felipegiacomelli

Publicado em 13 de agosto de 2020 às 09h39.

Última atualização em 19 de agosto de 2020 às 09h04.

Os games entraram na vida da garotada e mudaram não só seus hábitos, mas o mercado inteiro de cultura e entretenimento. O enorme preconceito contra seus praticantes apaixonados está, enfim, deixando de existir. Entretanto, para chegar a esse nível de aceitação e à bilionária movimentação financeira que este mercado hoje promove, muito moleque padeceu sob a ameaça do chinelo da mãe – eu incluso.

Quando 14 milhões de pessoas param para assistir ao show do Travis Scott no Fortnite, sentimos a força do que é isso hoje. O Astronomical, nome (muito feliz, por sinal) da performance do avatar do rapper, foi visto por 12,3 milhões de jogadores diretamente no game e por mais 2 milhões no YouTube e no Twitch, segundo seu desenvolvedor, a Epic Games.

O Fortnite é o jogo gratuito mais lucrativo que existe, e não foi a primeira vez que abriu espaço para artistas. A última grande performance tinha sido a do DJ Marshmello, que tocou para 10,7 milhões de jogadores, em fevereiro de 2019. Show em ambiente virtual não é exatamente uma novidade. Em 2006, o U2 levou fãs que nem eram jogadores habituais para dentro do então badalado Second Life.

Muitas mães e pais, vendo esse imenso sucesso de comportamento e de mercado, talvez até sintam uma pontada de arrependimento na censura aos filhos no passado. Eu sofri um bocado com minha mãe por causa disso. Se tem uma coisa que ela errou feio foi sobre meu hábito de jogar videogame na adolescência. “Não vai te levar a lugar algum”, dizia ela. Tenho empatia porque sei de onde isso vinha, mas ela estava radicalmente errada sobre o futuro possível para seu único filho.

É claro que sou eternamente grato a ela por muito do que sou e do que conquistei até hoje. Mas, sobre os games, ela errou. Eu até entendo, principalmente agora, olhando pelo retrovisor. Era o medo do novo, comportamento social comum, generalizado e histórico, que acomete pais que tendem a ser conservadores nos costumes, mas que querem sempre o melhor para os filhos.

Nos anos 1950, nos EUA, havia pais que temiam que Elvis tornasse suas filhas pervertidas. Aqui no Brasil, nos anos 1960, houve uma marcha contra a guitarra elétrica. É até difícil imaginar isso hoje. A negação do acesso às virtudes do videogame até o princípio dos anos 2000, por um temor de que o filho se viciasse num troço sem futuro nenhum, era algo muito similar.

Também tem a questão do saudosismo, pontuado pela velha máxima do “no meu tempo era melhor”. Gostando ou não, vivemos a era digital, e não faz mais sentido dizer que seu filho tem que jogar pião e soltar pipa só porque essa foi a saudável realidade que você experimentou na infância. Na verdade, as crianças de hoje podem fazer as duas coisas, jogar Counter-Strike e bater uma pelada lá fora.

Eu era um adolescente que chegava da rua às 18h e jogava até meia-noite, depois de ter malhado, corrido ou jogado futebol. Joguei muito videogame, e de tudo: Dota, Ragnorak, Tibia, Battlefield - vi essa indústria crescer enquanto a consumia.

Atualmente, já não jogo nada, tenho outros hobbies. Dentre eles, sou um grande consumidor de streaming: assisto outros usuários jogando. Sou fã do Twitch, plataforma de games, desde que surgiu, no começo da década passada. E, confesso, acho muito mais legal ver alguém jogar a assistir um filme da Marvel na Netflix.

Aquele estereótipo do moleque que gosta de videogame ser antissocial, que se isola do mundo e passa o dia fechado no quarto jogando, também está ultrapassado. Game é o que chamo de experiência remota compartilhada: a grande maioria joga com alguém, ainda que fisicamente distante um do outro. Imagina como isso não ajudou crianças e adolescentes a quebrarem a solidão do isolamento social durante a pandemia?

Hoje em dia, milhões de pessoas estão nesses ecossistemas dos eSports (ou esportes eletrônicos). Não é mais um nicho de garotos. Crianças, jovens, adultos e até públicos ultra segmentados (como os gaymers, do universo LBTQI+), estão jogando ou assistindo jogadores famosos performarem no YouTube.

E nem precisa ser tão famoso assim. Com 10 mil seguidores, um gamer profissional já consegue tirar entre R$ 10 e R$ 15 mil por mês provenientes de doações de fãs e da remuneração dada pela plataforma. Entre os profissionais, tem garoto faturando milhões. O americano Kyle Giersdorf, conhecido como Bugha, venceu a primeira Copa do Mundo Fortnite no ano passado, quando tinha apenas 16 anos, e levou para casa um prêmio de US$ 3 milhões (no câmbio atual, cerca de R$ 15 milhões).

Nos últimos anos, o mercado de games ultrapassou o de música e de cinema, e já fatura mais do que os dois juntos - e pensar que a minha geração cresceu ouvindo que videogame era perda de tempo.

Oportunidades para marcas

Por ser fascinado por eSports e estar conectado a este mundo, fico com o cabelo em pé ao ver, de camarote e comendo pipoca, a imensa oportunidade que as empresas estão deixando passar.

Por que as marcas ainda não estão dentro desses ambientes virtuais de game? Para além de banners e pop-ups, que eu desaconselho fortemente, pense na quantidade de possibilidades de inserção de marca e de e-commerce. Um avatar poder vestir roupas e tênis de grifes, beber refrigerantes, comprar carros, ouvir música, visitar praias, museus, lugares históricos.

Comprar roupa para o avatar tem até um nome próprio dentro dos games: skin. Coisa que a grife italiana Gucci já abraçou. Em junho, a empresa anunciou parceria com o jogo Tennis Clash. Os personagens Diana e Jonah podem ser vestidos dos pés à cabeça com looks de luxo da grife. Mais que marcar presença entre os jogadores, a Gucci aproveitou o canal para reforçar seu e-commerce. Ao comprar a roupa para o avatar, o jogador recebe o modelo real em casa, para ele usar.

Se você ainda não se convenceu, vou dar só mais dois exemplos de inovação e audiência deste crescente e promissor mercado. Em 2018, mais gente assistiu a final do League of Legends, o jogo mais popular que existe atualmente, que a final da Copa do Mundo da FIFA. Por fim, este ano o TikTok lançou o primeiro torneio de jogadores universitários nos Estados Unidos, o TikTok Cup.

Game é cultura, como a gastronomia e arte. Aliás, criar um jogo do zero é uma arte, alguns levam até sete anos para serem desenvolvidos, em um processo cuidadoso e detalhista. É um mercado que deve ser olhado com a mesma seriedade que os criadores de games olham para seu público.

Minha mãe estava errada na década de 90. Não seja você a estar errado em 2025.

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Os games entraram na vida da garotada e mudaram não só seus hábitos, mas o mercado inteiro de cultura e entretenimento. O enorme preconceito contra seus praticantes apaixonados está, enfim, deixando de existir. Entretanto, para chegar a esse nível de aceitação e à bilionária movimentação financeira que este mercado hoje promove, muito moleque padeceu sob a ameaça do chinelo da mãe – eu incluso.

Quando 14 milhões de pessoas param para assistir ao show do Travis Scott no Fortnite, sentimos a força do que é isso hoje. O Astronomical, nome (muito feliz, por sinal) da performance do avatar do rapper, foi visto por 12,3 milhões de jogadores diretamente no game e por mais 2 milhões no YouTube e no Twitch, segundo seu desenvolvedor, a Epic Games.

O Fortnite é o jogo gratuito mais lucrativo que existe, e não foi a primeira vez que abriu espaço para artistas. A última grande performance tinha sido a do DJ Marshmello, que tocou para 10,7 milhões de jogadores, em fevereiro de 2019. Show em ambiente virtual não é exatamente uma novidade. Em 2006, o U2 levou fãs que nem eram jogadores habituais para dentro do então badalado Second Life.

Muitas mães e pais, vendo esse imenso sucesso de comportamento e de mercado, talvez até sintam uma pontada de arrependimento na censura aos filhos no passado. Eu sofri um bocado com minha mãe por causa disso. Se tem uma coisa que ela errou feio foi sobre meu hábito de jogar videogame na adolescência. “Não vai te levar a lugar algum”, dizia ela. Tenho empatia porque sei de onde isso vinha, mas ela estava radicalmente errada sobre o futuro possível para seu único filho.

É claro que sou eternamente grato a ela por muito do que sou e do que conquistei até hoje. Mas, sobre os games, ela errou. Eu até entendo, principalmente agora, olhando pelo retrovisor. Era o medo do novo, comportamento social comum, generalizado e histórico, que acomete pais que tendem a ser conservadores nos costumes, mas que querem sempre o melhor para os filhos.

Nos anos 1950, nos EUA, havia pais que temiam que Elvis tornasse suas filhas pervertidas. Aqui no Brasil, nos anos 1960, houve uma marcha contra a guitarra elétrica. É até difícil imaginar isso hoje. A negação do acesso às virtudes do videogame até o princípio dos anos 2000, por um temor de que o filho se viciasse num troço sem futuro nenhum, era algo muito similar.

Também tem a questão do saudosismo, pontuado pela velha máxima do “no meu tempo era melhor”. Gostando ou não, vivemos a era digital, e não faz mais sentido dizer que seu filho tem que jogar pião e soltar pipa só porque essa foi a saudável realidade que você experimentou na infância. Na verdade, as crianças de hoje podem fazer as duas coisas, jogar Counter-Strike e bater uma pelada lá fora.

Eu era um adolescente que chegava da rua às 18h e jogava até meia-noite, depois de ter malhado, corrido ou jogado futebol. Joguei muito videogame, e de tudo: Dota, Ragnorak, Tibia, Battlefield - vi essa indústria crescer enquanto a consumia.

Atualmente, já não jogo nada, tenho outros hobbies. Dentre eles, sou um grande consumidor de streaming: assisto outros usuários jogando. Sou fã do Twitch, plataforma de games, desde que surgiu, no começo da década passada. E, confesso, acho muito mais legal ver alguém jogar a assistir um filme da Marvel na Netflix.

Aquele estereótipo do moleque que gosta de videogame ser antissocial, que se isola do mundo e passa o dia fechado no quarto jogando, também está ultrapassado. Game é o que chamo de experiência remota compartilhada: a grande maioria joga com alguém, ainda que fisicamente distante um do outro. Imagina como isso não ajudou crianças e adolescentes a quebrarem a solidão do isolamento social durante a pandemia?

Hoje em dia, milhões de pessoas estão nesses ecossistemas dos eSports (ou esportes eletrônicos). Não é mais um nicho de garotos. Crianças, jovens, adultos e até públicos ultra segmentados (como os gaymers, do universo LBTQI+), estão jogando ou assistindo jogadores famosos performarem no YouTube.

E nem precisa ser tão famoso assim. Com 10 mil seguidores, um gamer profissional já consegue tirar entre R$ 10 e R$ 15 mil por mês provenientes de doações de fãs e da remuneração dada pela plataforma. Entre os profissionais, tem garoto faturando milhões. O americano Kyle Giersdorf, conhecido como Bugha, venceu a primeira Copa do Mundo Fortnite no ano passado, quando tinha apenas 16 anos, e levou para casa um prêmio de US$ 3 milhões (no câmbio atual, cerca de R$ 15 milhões).

Nos últimos anos, o mercado de games ultrapassou o de música e de cinema, e já fatura mais do que os dois juntos - e pensar que a minha geração cresceu ouvindo que videogame era perda de tempo.

Oportunidades para marcas

Por ser fascinado por eSports e estar conectado a este mundo, fico com o cabelo em pé ao ver, de camarote e comendo pipoca, a imensa oportunidade que as empresas estão deixando passar.

Por que as marcas ainda não estão dentro desses ambientes virtuais de game? Para além de banners e pop-ups, que eu desaconselho fortemente, pense na quantidade de possibilidades de inserção de marca e de e-commerce. Um avatar poder vestir roupas e tênis de grifes, beber refrigerantes, comprar carros, ouvir música, visitar praias, museus, lugares históricos.

Comprar roupa para o avatar tem até um nome próprio dentro dos games: skin. Coisa que a grife italiana Gucci já abraçou. Em junho, a empresa anunciou parceria com o jogo Tennis Clash. Os personagens Diana e Jonah podem ser vestidos dos pés à cabeça com looks de luxo da grife. Mais que marcar presença entre os jogadores, a Gucci aproveitou o canal para reforçar seu e-commerce. Ao comprar a roupa para o avatar, o jogador recebe o modelo real em casa, para ele usar.

Se você ainda não se convenceu, vou dar só mais dois exemplos de inovação e audiência deste crescente e promissor mercado. Em 2018, mais gente assistiu a final do League of Legends, o jogo mais popular que existe atualmente, que a final da Copa do Mundo da FIFA. Por fim, este ano o TikTok lançou o primeiro torneio de jogadores universitários nos Estados Unidos, o TikTok Cup.

Game é cultura, como a gastronomia e arte. Aliás, criar um jogo do zero é uma arte, alguns levam até sete anos para serem desenvolvidos, em um processo cuidadoso e detalhista. É um mercado que deve ser olhado com a mesma seriedade que os criadores de games olham para seu público.

Minha mãe estava errada na década de 90. Não seja você a estar errado em 2025.

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