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Instabilidade na relação Lira-Lula deve persistir, mas há margem para blindar agenda econômica

Divergências entre o Planalto e o líder do centrão são naturais dentro dos novos parâmetros do presidencialismo de coalizão com nuances parlamentaristas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, durante sua posse no Congresso em 2023 (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Fábio Zambeli

Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos

Publicado em 9 de fevereiro de 2024 às 12h01.

Última atualização em 9 de fevereiro de 2024 às 12h02.

O equilíbrio instável na relação entre o Executivo e o Legislativo vai colocar à prova a trajetória até agora bem-sucedida da agenda econômica de Lula, mas tudo dentro do previsto na nova lógica do presidencialismo de coalizão com nuances parlamentaristas.

O presidente abre o segundo ano de mandato em franca queda-de-braço com Arthur Lira, principal articulador de votos no plenário da Câmara e responsável direto pelo êxito das pautas de interesse da equipe de Fernando Haddad em 2023.

O expoente máximo do centrão detém o controle da maior fatia de votos na Casa, hoje dominada por partidos de centro-direita com viés predominantemente oposicionista.

Se existe relativo conforto para o Planalto no Senado, comandado pelo aliado Rodrigo Pacheco e cuja sucessão está adiantada em favor do também governista Davi Alcolumbre, na Câmara o quadro é ainda turvo e sujeito a intempéries.

No primeiro ano da terceira gestão lulista prevaleceu o pragmatismo de ambas as partes, com o PT endossando a (re)eleição de Lira e Lula recebendo o presidente da Câmara de tempos em tempos para ajustar tête-à-tête os ponteiros da governabilidade.

De forma gradativa, o governo cedeu espaços de poder a Lira e seu grupo, mas tem resistido a entregar o que o deputado quer, de fato: o comando da articulação política, hoje ocupada por Alexandre Padilha, do PT, e o botão da engrenagem da execução orçamentária, sobretudo as pastas com maior dotação de recursos.

Leia também:Bastidores: Atrito entre governo e Centrão tem como pano de fundo controle do Ministério da Saúde

Diretas e indiretas

Lira, depois de faltar propositalmente às solenidades institucionais do recesso como o ato simbólico relembrando os ataques golpistas de 8 de janeiro e a abertura dos trabalhos do Judiciário, retornou a Brasília disposto a repactuar as bases da coalizão que hoje assegura ao governo o apoio necessário para aprovação dos itens indispensáveis da agenda arrecadatória de Haddad.

O presidente da Câmara avisou a interlocutores que endureceria o embate com o Planalto pelo orçamento e cumpriu a promessa, ao menos no discurso inaugural dos trabalhos legislativos, tido por muitos na Esplanada dos Ministérios como "acima do tom".

A retórica de Lira, contudo, deve ser interpretada tendo no horizonte os instrumentos políticos disponíveis a ele para percorrer o último ano como tutor da pauta de votações do Congresso.

A fala exasperada do presidente da Câmara é direcionada prioritariamente ao público interno, sobretudo o chamado "baixo clero", que já vislumbra o ambiente sucessório na mesa como divisor de águas para 2026.

Lira precisa, neste momento, mostrar aos parlamentares que é ele quem brigará com o governo para assegurar mais recursos de emendas para saciar o apetite por obras e realizações de visibilidade política nas bases territoriais em ano de eleição municipal.

É essencial para ele demonstrar também que é capaz de conduzir a eleição da Mesa Diretora em 2025, projetando perspectiva de poder para seu grupo político, hoje vital para formação de maioria na Casa.

As estimativas feitas pela própria articulação do Planalto indicam que o governo conta com pouco mais de 200 deputados leais e quase 200 incertos, que só votam com o Executivo sob a orientação do principal dirigente do centrão.

Para aprovação de mudanças constitucionais, são necessários 308 deputados. Já para o avanço de projetos de lei complementar, casos da regulamentação da reforma tributária, por exemplo, são exigidos 257 votos. Nas duas hipóteses, o governo ainda está distante do placar, se depender exclusivamente do bloco fiel a Lula.

Onde pega

Esses recentes apelos de Lira pelo cumprimento de acordos com o Executivo e pela autonomia da lei orçamentária coincidem com o movimento de alguns de seus aliados ensaiando uma aproximação com o Planalto.

Com a pulverização da direita mais ideológica, alvejada pelo STF e pela PF, candidatos naturais do bloco lirista começam a vislumbrar que a guarida do governo pode ser o fiel da balança na corrida sucessória.

Nesta lista estão Marcos Pereira (Republicanos), Antonio Brito (PSD), Isnaldo Bulhões (MDB) e Dr. Luizinho (PP). Outros estreitos apoiadores de Lira bem posicionados são dois ministros –Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esportes), ambos ainda mais próximos do QG lulista.

Com a força gravitacional do governo sensibilizando seus correligionários, o nome 'in pectore' de Lira para a presidência da Casa, Elmar Nascimento (DEM), fica em condição desfavorável. O parlamentar baiano é visto como inimigo ferrenho de petistas influentes no Planalto, sobretudo a dupla Jaques Wagner e Rui Costa, ambos ex-governadores da Bahia. Os dois vetaram a ida de Nascimento para o ministério de Lula e refutam a ideia de ter no comando da Câmara um opositor com potencial expressivo de estrago político no reduto mais importante do petismo no Nordeste.

Diante de um ambiente desafiador e na iminência de voltar à planície do Legislativo, Lira vê seu cacife perdendo valor, mas ainda é suficiente para interditar uma parcela significativa da agenda econômica do governo e criar embaraços para que Haddad e sua equipe cumpram as ambiciosas metas de arrecadação.

O próprio ministro da Fazenda passou a publicamente atrelar as metas de resultado primário à boa vontade dos parlamentares, pois sabe que a estabilidade fiscal é um dos componentes decisivos para blindar algum crescimento do PIB em 2024 e 2025.

Apontado como especialista na arte da negociação política e disposto a influenciar mais nos rumos da Câmara na segunda metade do seu mandato, Lula tende a relativizar a beligerância de

Lira até o início do segundo semestre, quando será montada a comissão de orçamento do próximo ano.

O café da manhã desta sexta-feira no Alvorada é apenas mais um ato coreografado do "banho-maria" que se arrastará por mais alguns meses.

Agosto é o mês que deflagrará definitivamente a disputa pela Mesa Diretora e exigirá do presidente um ajuste no acordo mais consistente com o grupo de Lira. Na ocasião, o dirigente do centrão terá margem menor para as tratativas e estará mais pressionado pelo calendário.

Até lá, o Planalto cederá apenas o necessário para evitar uma rebelião de proporções radioativas para a governabilidade.


*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.

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O expoente máximo do centrão detém o controle da maior fatia de votos na Casa, hoje dominada por partidos de centro-direita com viés predominantemente oposicionista.

Se existe relativo conforto para o Planalto no Senado, comandado pelo aliado Rodrigo Pacheco e cuja sucessão está adiantada em favor do também governista Davi Alcolumbre, na Câmara o quadro é ainda turvo e sujeito a intempéries.

No primeiro ano da terceira gestão lulista prevaleceu o pragmatismo de ambas as partes, com o PT endossando a (re)eleição de Lira e Lula recebendo o presidente da Câmara de tempos em tempos para ajustar tête-à-tête os ponteiros da governabilidade.

De forma gradativa, o governo cedeu espaços de poder a Lira e seu grupo, mas tem resistido a entregar o que o deputado quer, de fato: o comando da articulação política, hoje ocupada por Alexandre Padilha, do PT, e o botão da engrenagem da execução orçamentária, sobretudo as pastas com maior dotação de recursos.

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Lira, depois de faltar propositalmente às solenidades institucionais do recesso como o ato simbólico relembrando os ataques golpistas de 8 de janeiro e a abertura dos trabalhos do Judiciário, retornou a Brasília disposto a repactuar as bases da coalizão que hoje assegura ao governo o apoio necessário para aprovação dos itens indispensáveis da agenda arrecadatória de Haddad.

O presidente da Câmara avisou a interlocutores que endureceria o embate com o Planalto pelo orçamento e cumpriu a promessa, ao menos no discurso inaugural dos trabalhos legislativos, tido por muitos na Esplanada dos Ministérios como "acima do tom".

A retórica de Lira, contudo, deve ser interpretada tendo no horizonte os instrumentos políticos disponíveis a ele para percorrer o último ano como tutor da pauta de votações do Congresso.

A fala exasperada do presidente da Câmara é direcionada prioritariamente ao público interno, sobretudo o chamado "baixo clero", que já vislumbra o ambiente sucessório na mesa como divisor de águas para 2026.

Lira precisa, neste momento, mostrar aos parlamentares que é ele quem brigará com o governo para assegurar mais recursos de emendas para saciar o apetite por obras e realizações de visibilidade política nas bases territoriais em ano de eleição municipal.

É essencial para ele demonstrar também que é capaz de conduzir a eleição da Mesa Diretora em 2025, projetando perspectiva de poder para seu grupo político, hoje vital para formação de maioria na Casa.

As estimativas feitas pela própria articulação do Planalto indicam que o governo conta com pouco mais de 200 deputados leais e quase 200 incertos, que só votam com o Executivo sob a orientação do principal dirigente do centrão.

Para aprovação de mudanças constitucionais, são necessários 308 deputados. Já para o avanço de projetos de lei complementar, casos da regulamentação da reforma tributária, por exemplo, são exigidos 257 votos. Nas duas hipóteses, o governo ainda está distante do placar, se depender exclusivamente do bloco fiel a Lula.

Onde pega

Esses recentes apelos de Lira pelo cumprimento de acordos com o Executivo e pela autonomia da lei orçamentária coincidem com o movimento de alguns de seus aliados ensaiando uma aproximação com o Planalto.

Com a pulverização da direita mais ideológica, alvejada pelo STF e pela PF, candidatos naturais do bloco lirista começam a vislumbrar que a guarida do governo pode ser o fiel da balança na corrida sucessória.

Nesta lista estão Marcos Pereira (Republicanos), Antonio Brito (PSD), Isnaldo Bulhões (MDB) e Dr. Luizinho (PP). Outros estreitos apoiadores de Lira bem posicionados são dois ministros –Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esportes), ambos ainda mais próximos do QG lulista.

Com a força gravitacional do governo sensibilizando seus correligionários, o nome 'in pectore' de Lira para a presidência da Casa, Elmar Nascimento (DEM), fica em condição desfavorável. O parlamentar baiano é visto como inimigo ferrenho de petistas influentes no Planalto, sobretudo a dupla Jaques Wagner e Rui Costa, ambos ex-governadores da Bahia. Os dois vetaram a ida de Nascimento para o ministério de Lula e refutam a ideia de ter no comando da Câmara um opositor com potencial expressivo de estrago político no reduto mais importante do petismo no Nordeste.

Diante de um ambiente desafiador e na iminência de voltar à planície do Legislativo, Lira vê seu cacife perdendo valor, mas ainda é suficiente para interditar uma parcela significativa da agenda econômica do governo e criar embaraços para que Haddad e sua equipe cumpram as ambiciosas metas de arrecadação.

O próprio ministro da Fazenda passou a publicamente atrelar as metas de resultado primário à boa vontade dos parlamentares, pois sabe que a estabilidade fiscal é um dos componentes decisivos para blindar algum crescimento do PIB em 2024 e 2025.

Apontado como especialista na arte da negociação política e disposto a influenciar mais nos rumos da Câmara na segunda metade do seu mandato, Lula tende a relativizar a beligerância de

Lira até o início do segundo semestre, quando será montada a comissão de orçamento do próximo ano.

O café da manhã desta sexta-feira no Alvorada é apenas mais um ato coreografado do "banho-maria" que se arrastará por mais alguns meses.

Agosto é o mês que deflagrará definitivamente a disputa pela Mesa Diretora e exigirá do presidente um ajuste no acordo mais consistente com o grupo de Lira. Na ocasião, o dirigente do centrão terá margem menor para as tratativas e estará mais pressionado pelo calendário.

Até lá, o Planalto cederá apenas o necessário para evitar uma rebelião de proporções radioativas para a governabilidade.


*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.

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