Lula e Haddad (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)
Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos
Publicado em 1 de setembro de 2023 às 11h07.
Sob permanente questionamento de setores desenvolvimentistas do PT, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assume, a partir da aprovação definitiva do marco fiscal, sua tarefa mais complexa de validação no núcleo político do Palácio do Planalto: equilibrar as ambiciosas balizas de resultado primário com o apetite por gastos do partido e aliados.
O que hoje mais distancia Haddad do petista "raiz" é a concepção de que o investimento público não pode ser comprimido, mesmo com as contas no vermelho, sob o pretexto de comprometer o crescimento econômico.
O chefe da equipe econômica de Lula já sobreviveu a quatro testes mais agudos de resistência diante da ala mais desenvolvimentista do PT: a pressão pela revisão da meta de inflação, em fevereiro, o enfrentamento à prorrogação do subsídio dos combustíveis, no final de março, o vaivém do texto final do arcabouço fiscal, em meados de maio, e agora com o ataque especulativo à mudança da meta de déficit zero nas contas públicas em 2024.
Em todas as ocasiões, Haddad foi respaldado pelo presidente, o que é condição essencial para autorizar a credibilidade do ajuste conduzido por ele, ainda que amplamente ancorado em números pouco críveis da arrecadação federal.
Guindado ao comando da pasta sob forte desconfiança do mercado, o ministro da Fazenda atingiu no final do primeiro semestre o pico de sua popularidade no sistema financeiro.
Os vetos apresentados por Lula ao texto final do arcabouço, eliminando gatilhos de contenção de despesas, trazem à tona, contudo, um sinal amarelo quanto aos plenos poderes de Haddad para controlar o furor do QG lulista, que faz planos ousados para as eleições municipais de 2024 e enxerga no PAC um ativo relevante de mobilização de prefeitos e suporte às siglas governistas nas principais cidades do país. A resolução recém-publicada pelo PT sublinha o caráter estratégico do pleito do próximo ano e o trata como essencial para pavimentar a candidatura de Lula à reeleição.
Alvo do fogo amigo constante da direção petista e de integrantes da Casa Civil e outras instâncias de poder palacianas, Haddad tem conseguido driblar as adversidades com um cenário macro favorável –inflação baixa, câmbio estabilizado e juros em queda. São fatores que empurram a popularidade do governo e atenuam a censura interna.
Ainda que o PIB do segundo trimestre tenha surpreendido positivamente, a variável da atividade econômica tende a produzir mais notícias negativas até o final do ano, o que diminui o cacife do ministro nessa queda-de-braço com os estrategistas políticos de Lula, que desejam ver índices expressivos de crescimento para a segunda metade do mandato.
Embora Haddad venha se empenhando em abraçar a causa social de algumas das medidas adotadas por sua pasta, como a taxação dos fundos exclusivos e offshores, direcionada aos "super-ricos", seu capital político sofreu algum desgaste com a recente contenda com o presidente da Câmara, Arthur Lira.
E caberá a Lira modular os esforços para obtenção de novas receitas, previstas em quase R$ 170 bilhões, sustentando um discurso reformista e assegurando à sua numerosa base parlamentar o acesso a recursos do Orçamento num ano em que as atenções do “baixo clero” da Congresso se voltam para os redutos territoriais.
"Foi uma semana importante para esse segmento do PT. O ato de sanção do novo salário mínimo e da ampliação de isenção do imposto de renda foi o principal feito do governo até agora para a nossa base. E ainda veio a cereja do bolo de taxar os ricos para enfrentar a desigualdade", analisa um grãopetista ouvido pela coluna. "Agora, o que não pode acontecer é o governo ficar refém da agenda do arrocho. Não foi isso que Lula prometeu na campanha", completa esse dirigente.
O diagnóstico da cúpula partidária é um recado a Haddad, que ainda conta com o respaldo inconteste de Lula. A dúvida que persiste é se a resiliência do ministro na defesa do equilíbrio fiscal sobreviverá a um governo em frenética busca de marcas populares que tornem o presidente imbatível nas urnas em 2026. Quadro que deve ser agravado diante de um horizonte de PIBs modestos e entraves de governabilidade no Legislativo, dada a hesitação do núcleo de lulista de ceder superpoderes ao centrão.