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Articulações no governo indicam aperto tributário e regulatório em 2024

Medidas do final do ano reforçam mobilização do Executivo para aumentar arrecadação e regulação, com impacto ainda a ser medido nos investimentos privados

Análise: Articulações no governo indicam aperto tributário e regulatório em 2024 (Ricardo Stuckert/ PR/Divulgação)
Fábio Zambeli

Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos

Publicado em 29 de dezembro de 2023 às 09h41.

Última atualização em 9 de janeiro de 2024 às 14h33.

Enquanto os números positivos da economia brasileira e o cenário externo favorável animam o mercado na virada do ano , as últimas medidas anunciadas pelo governo federal ou em fase de gestação indicam que segmentos expressivos do empresariado terão um 2024 de aperto tributário e regulatório.

É o que se vê no pacote divulgado pelo Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação e também nas articulações que rondam o Planalto em favor da regulamentação de plataformas e sinalizam mudanças em agências reguladoras.

A comemoração ruidosa pela aprovação da reforma tributária no Congresso eclipsou a apreensão que domina setores econômicos graúdos na composição do PIB nacional: o texto promulgado pelos parlamentares, embora virtuoso conceitualmente, trará ao ambiente legislativo uma verdadeira guerra na tramitação dos projetos de leis complementares . São eles que vão definir alíquotas, regras de exceção, regimes diferenciados e outros itens fundamentais para a previsibilidade jurídica de operação empresarial no país.

Somada a essa insegurança, que tem potencial para abalar programas de investimentos de curto e médio prazos, a equipe de Fernando Haddad confirmou as expectativas de que fará esforço adicional para recolher recursos na iniciativa privada para fazer frente à expansão dos gastos sociais e tentar manter o orçamento perto da meta estabelecida no arcabouço fiscal.

Muitas dessas medidas estão consignadas na rubrica de “subsídios” e “privilégios” pelo time da Fazenda, mas devem enfrentar forte resistência política e de instâncias empresariais influentes em Brasília.

Entre os exemplos mais tangíveis deste final de ano estão os limites estabelecidos para compensações de créditos devidos pela União e reconhecidos judicialmente, a reoneração da folha de pagamento de 18 setores ( tema recém-debatido e barrado pelos deputados e senadores ) e a revogação gradativa do programa de incentivo à área de eventos (implementada no pós-pandemia e que interessa muito ao centrão, em especial na região Nordeste).

Todas as iniciativas passarão pelo crivo da classe política. É bastante provável que parte delas seja desidratada já na largada das atividades parlamentares em 2024.

Congresso revisará e tende a desidratar medidas anunciadas pela equipe econômica do governo no começo de 2024 - Crédito: Leandro Fonseca/EXAME (Leandro Fonseca/Exame)

Efeito colateral

O empenho pelo equilíbrio fiscal de Haddad, celebrado pelos agentes financeiros, atesta que o ajuste que se pretende adotar no ano que se aproxima continuará tendo o aumento de receitas como foco e não o corte de despesas.

Trata-se de uma conduta que pode impactar investimentos que estão sendo preparados para o país e têm potencial de geração de emprego e renda, visto que empreendedores devem iniciar mais um exercício financeiro com dúvidas sobre o tamanho da mordida dos impostos, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Para muitos deles, é melhor ter previsibilidade sobre um aumento de carga que a imprecisão sobre o montante que será recolhido pelo Fisco.

Na mesma esteira, ajustes no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas devem ser endereçados pelo Ministério da Fazenda em 2024, com vistas a profissionais liberais e contribuintes que teriam excessivos abatimentos em suas declarações ou adotariam manobras contábeis legais para escapar das garras da Receita Federal.

Mutirão digital

Se a convicção de que novas medidas arrecadatórias virão sobre a iniciativa privada vem sendo ratificada no crepúsculo de 2023, outras evidências sobre o apetite regulatório do Executivo federal ganharam tração nas últimas semanas.

Usando episódios que envolvem invasão de contas de autoridades, ameaças a governantes no ambiente virtual e tragédias associadas ao mau uso das redes sociais, articuladores de Lula se lançaram numa ofensiva para retomar o mais rapidamente possível quaisquer iniciativas que possam regular as plataformas digitais e adotar normas ditas de “cibersegurança”.

Aliados do presidente não escondem a frustração com as dificuldades para aprovar novas regras de controle no primeiro ano de mandato e prometem um mutirão já a partir de janeiro para envolver a sociedade civil, formadores de opinião e enfrentar a resistência dos congressistas de oposição.

O movimento tende a se espraiar por outras searas da nova economia, sobretudo os aplicativos e plataformas de transporte e de entrega, que hoje dão emprego a milhões de brasileiros. É aguardado para o início do ano o envio de um projeto do Executivo para disciplinar as atividades e estabelecer parâmetros e obrigações sociais para as empresas do segmento.

Ainda no âmbito regulatório, alas numerosas do Congresso Nacional, em consórcio com o núcleo político do governo, planejam acelerar trocas nas agências, encurtando os mandatos de conselheiros indicados por gestões anteriores. A operação pode ser validada inclusive pelo Tribunal de Contas da União, órgão de assessoramento do Legislativo, mirando mudançasna Anatel, Aneel, Anvisa, ANS e Ancine.

Promessa é dívida

Nada disso, registre-se, é surpreendente para quem acompanhou a campanha de 2022. Todo esse pacote de arrecadação e regulação foi amplamente defendido na disputa eleitoral pela equipe de Lula, que venceu com 51% dos votos válidos no segundo turno mais equilibrado pós-redemocratização. Também foi tema de discussão na fase transição de governos e esteve onipresente nos discursos do presidente desde sua posse.

As promessas de colocar os mais pobres no orçamento público e os ricos no imposto de renda e fechar o cerco ao que se convencionou chamar de “discurso de ódio” nas redes sociais são verdadeiros mantras da nova gestão petista e foram, de alguma forma, referendadas nas urnas.

Com o governo usufruindo de mais apoio político e robusta retaguarda institucional, a tendência é de que saiam do campo retórico para a prática no segundo ano de mandato.

O alcance das providências desejadas por Lula e seu entorno, contudo, dependerá do arranjo político a ser amadurecido com o Congresso de centro-direita, agora mais pragmático que ideológico.

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É o que se vê no pacote divulgado pelo Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação e também nas articulações que rondam o Planalto em favor da regulamentação de plataformas e sinalizam mudanças em agências reguladoras.

A comemoração ruidosa pela aprovação da reforma tributária no Congresso eclipsou a apreensão que domina setores econômicos graúdos na composição do PIB nacional: o texto promulgado pelos parlamentares, embora virtuoso conceitualmente, trará ao ambiente legislativo uma verdadeira guerra na tramitação dos projetos de leis complementares . São eles que vão definir alíquotas, regras de exceção, regimes diferenciados e outros itens fundamentais para a previsibilidade jurídica de operação empresarial no país.

Somada a essa insegurança, que tem potencial para abalar programas de investimentos de curto e médio prazos, a equipe de Fernando Haddad confirmou as expectativas de que fará esforço adicional para recolher recursos na iniciativa privada para fazer frente à expansão dos gastos sociais e tentar manter o orçamento perto da meta estabelecida no arcabouço fiscal.

Muitas dessas medidas estão consignadas na rubrica de “subsídios” e “privilégios” pelo time da Fazenda, mas devem enfrentar forte resistência política e de instâncias empresariais influentes em Brasília.

Entre os exemplos mais tangíveis deste final de ano estão os limites estabelecidos para compensações de créditos devidos pela União e reconhecidos judicialmente, a reoneração da folha de pagamento de 18 setores ( tema recém-debatido e barrado pelos deputados e senadores ) e a revogação gradativa do programa de incentivo à área de eventos (implementada no pós-pandemia e que interessa muito ao centrão, em especial na região Nordeste).

Todas as iniciativas passarão pelo crivo da classe política. É bastante provável que parte delas seja desidratada já na largada das atividades parlamentares em 2024.

Congresso revisará e tende a desidratar medidas anunciadas pela equipe econômica do governo no começo de 2024 - Crédito: Leandro Fonseca/EXAME (Leandro Fonseca/Exame)

Efeito colateral

O empenho pelo equilíbrio fiscal de Haddad, celebrado pelos agentes financeiros, atesta que o ajuste que se pretende adotar no ano que se aproxima continuará tendo o aumento de receitas como foco e não o corte de despesas.

Trata-se de uma conduta que pode impactar investimentos que estão sendo preparados para o país e têm potencial de geração de emprego e renda, visto que empreendedores devem iniciar mais um exercício financeiro com dúvidas sobre o tamanho da mordida dos impostos, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Para muitos deles, é melhor ter previsibilidade sobre um aumento de carga que a imprecisão sobre o montante que será recolhido pelo Fisco.

Na mesma esteira, ajustes no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas devem ser endereçados pelo Ministério da Fazenda em 2024, com vistas a profissionais liberais e contribuintes que teriam excessivos abatimentos em suas declarações ou adotariam manobras contábeis legais para escapar das garras da Receita Federal.

Mutirão digital

Se a convicção de que novas medidas arrecadatórias virão sobre a iniciativa privada vem sendo ratificada no crepúsculo de 2023, outras evidências sobre o apetite regulatório do Executivo federal ganharam tração nas últimas semanas.

Usando episódios que envolvem invasão de contas de autoridades, ameaças a governantes no ambiente virtual e tragédias associadas ao mau uso das redes sociais, articuladores de Lula se lançaram numa ofensiva para retomar o mais rapidamente possível quaisquer iniciativas que possam regular as plataformas digitais e adotar normas ditas de “cibersegurança”.

Aliados do presidente não escondem a frustração com as dificuldades para aprovar novas regras de controle no primeiro ano de mandato e prometem um mutirão já a partir de janeiro para envolver a sociedade civil, formadores de opinião e enfrentar a resistência dos congressistas de oposição.

O movimento tende a se espraiar por outras searas da nova economia, sobretudo os aplicativos e plataformas de transporte e de entrega, que hoje dão emprego a milhões de brasileiros. É aguardado para o início do ano o envio de um projeto do Executivo para disciplinar as atividades e estabelecer parâmetros e obrigações sociais para as empresas do segmento.

Ainda no âmbito regulatório, alas numerosas do Congresso Nacional, em consórcio com o núcleo político do governo, planejam acelerar trocas nas agências, encurtando os mandatos de conselheiros indicados por gestões anteriores. A operação pode ser validada inclusive pelo Tribunal de Contas da União, órgão de assessoramento do Legislativo, mirando mudançasna Anatel, Aneel, Anvisa, ANS e Ancine.

Promessa é dívida

Nada disso, registre-se, é surpreendente para quem acompanhou a campanha de 2022. Todo esse pacote de arrecadação e regulação foi amplamente defendido na disputa eleitoral pela equipe de Lula, que venceu com 51% dos votos válidos no segundo turno mais equilibrado pós-redemocratização. Também foi tema de discussão na fase transição de governos e esteve onipresente nos discursos do presidente desde sua posse.

As promessas de colocar os mais pobres no orçamento público e os ricos no imposto de renda e fechar o cerco ao que se convencionou chamar de “discurso de ódio” nas redes sociais são verdadeiros mantras da nova gestão petista e foram, de alguma forma, referendadas nas urnas.

Com o governo usufruindo de mais apoio político e robusta retaguarda institucional, a tendência é de que saiam do campo retórico para a prática no segundo ano de mandato.

O alcance das providências desejadas por Lula e seu entorno, contudo, dependerá do arranjo político a ser amadurecido com o Congresso de centro-direita, agora mais pragmático que ideológico.

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