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Análise: ‘Operação-padrão’ do Congresso visa ampliar poder de Lira no Orçamento

Com a pauta econômica congelada desde o fim do recesso, presidente da Câmara aumenta mobilização por mais emendas e nova rodada de cargos

(Saulo Cruz/Agência Câmara)
Fábio Zambeli

Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos

Publicado em 20 de outubro de 2023 às 14h31.

Última atualização em 20 de outubro de 2023 às 14h35.


Passados dois meses do fim do recesso parlamentar, o Congresso Nacional só deve sair da paralisia na reta final do semestre com a mão forte de Arthur Lira, que retorna à ativa na próxima semana depois de uma pausa estratégica, que coincidiu com o retiro de Lula após cirurgia ortopédica.

O presidente da Câmara promete liderar um mutirão até o final do ano com o objetivo de destravar a pauta econômica, mas usará esse "esforço de cooperação" para concentrar ainda mais poderes na correlação de forças com o Planalto.

Lira tem demonstrado até aqui rara habilidade para conciliar seus interesses imediatos e de longo prazo com a agenda do governo, sempre recorrendo ao controle quase absoluto dos votos em plenário para ditar o ritmo do engajamento dos parlamentares às causas da gestão de Lula. O que se sucedeu na Casa comandada por ele desde o mês de agosto é o retrato do modus operandi do expoente máximo do centrão.

Depois de alimentar a expectativa de que as mudanças pontuais no primeiro escalão apressariam o embarque dos partidos alinhados a Lira na base governista, o Planalto e a equipe econômica convivem desde então com uma série de pequenas derrotas no Legislativo.

Ainda que não exista sinalização concreta de que os reveses se multipliquem, agosto e setembro foram dois meses consumidos por boicote ideológico interno, por meio das CPIs, e confronto externo, sobretudo na queda-de-braço com o Supremo Tribunal Federal. Tal ambiente deixou praticamente engavetadas as matérias que são vitais para a saúde das contas públicas.

Em suma, o governo perdeu um bimestre no já apertado calendário de votações para fazer valer o esforço de arrecadação que pode diminuir o rombo no orçamento para 2024, já que o déficit zero, prometido pelo ministro da Fazenda, é hoje uma abstração.

As duas tentativas malsucedidas de votar na Câmara uma medida pontual, que ajuda no caixa da União, como a taxação de fundos exclusivos, mostraram aos interlocutores do Executivo que as bancadas recém-contempladas com mais espaço na Esplanada, como União Brasil, Progressistas e Republicanos, não apenas estão longe de entregar o apoio planejado para ampliar o placar pró-governo como vão subir a fatura na medida em que as premências do Planalto se avolumam.

O caminho das pedras

Em paralelo, o grupo de Lira acredita que o momento político e a importância do centrão para a governabilidade criam condições para a retomada do controle de um naco maior do orçamento, com vistas à sucessão na Mesa Diretora, em 2025.
Desde que entraram em vigor as mudanças de repasse nas emendas de relator, que somavam R$ 20 bilhões e eram discricionárias para seus aliados, o presidente da Câmara se movimenta nos bastidores para ampliar a quantidade de aditivos de execução obrigatória, esvaziando ainda mais a caneta dos ministros. Uma das teses advogadas pelo entorno de Lira é a de tornar compulsórias as emendas de comissão já para o ano que vem, o que demandaria aprovação até dezembro.

O descontentamento do centrão também envolve a liberação de recursos avalizados pelos auxiliares de primeiro escalão de Lula, que estariam privilegiando seus redutos eleitorais, sem a participação de parlamentares. Diante das adversidades, Lula precisará antecipar medidas que só pretendia tomar na virada do ano. Uma delas deve ser a acomodação de mais nomes indicados do centrão para postos de relevo no governo. A sucessão de Maria Rita Serrano na Caixa Econômica Federal, por exemplo, está no radar de Lira. Se o preferido do deputado, Carlos Antônio Vieira Fernandes, servidor de carreira do banco, for instalado na presidência, o humor dos parlamentares liristas melhorará.

Onde mora o perigo

Mesmo com uma nova rodada de trocas no primeiro escalão no horizonte, o cenário de votações em ritmo acelerado e sem debate técnico preliminar, evidenciado na assoberbada discussão da reforma tributária, tende a ser dominante até o Natal.
Com isso, aumenta exponencialmente o risco de aprovação de textos redigidos e relatados de forma expressa, diretamente no plenário e sob as orientações de Lira aos líderes de seu bloco, hoje com quase 350 votos.

A simultânea tramitação da reforma tributária no Senado cria ainda mais embaraços para o governo no avanço de sua pauta arrecadatória. Isso porque o texto da PEC 45, sob o escrutínio de senadores que estão fortemente impactados pelos lobbies corporativos e pela ostensiva movimentação de governadores e prefeitos, tornou-se um obstáculo para a convergência das duas Casas.

Mudança de tom

A instabilidade persistente nas relações com o Legislativo é um dos fatores que levaram Haddad a um recuo na narrativa de boas notícias para a economia.
O ministro tem se ocupado de reuniões e entrevistas nas quais fala com mais moderação sobre as expectativas e dá sinais (ainda tímidos) de que uma revisão da meta de déficit zero pode entrar na mesa de negociações para aliviar a tensão política e viabilizar um texto orçamentário mais factível para o ano que vem.
Com a crescente percepção de que a execução do arcabouço fiscal será tarefa complexa diante do estresse nas relações com o Legislativo e a demanda por gastos do núcleo político do Planalto, Haddad passará por seu teste mais difícil até agora desde que assumiu o cargo. A credibilidade do ministro da Fazenda depende da sua capacidade de administrar pressões do mercado financeiro e do QG político lulista e modular o risco fiscal com o apetite por crescimento da ala desenvolvimentista do governo.

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Passados dois meses do fim do recesso parlamentar, o Congresso Nacional só deve sair da paralisia na reta final do semestre com a mão forte de Arthur Lira, que retorna à ativa na próxima semana depois de uma pausa estratégica, que coincidiu com o retiro de Lula após cirurgia ortopédica.

O presidente da Câmara promete liderar um mutirão até o final do ano com o objetivo de destravar a pauta econômica, mas usará esse "esforço de cooperação" para concentrar ainda mais poderes na correlação de forças com o Planalto.

Lira tem demonstrado até aqui rara habilidade para conciliar seus interesses imediatos e de longo prazo com a agenda do governo, sempre recorrendo ao controle quase absoluto dos votos em plenário para ditar o ritmo do engajamento dos parlamentares às causas da gestão de Lula. O que se sucedeu na Casa comandada por ele desde o mês de agosto é o retrato do modus operandi do expoente máximo do centrão.

Depois de alimentar a expectativa de que as mudanças pontuais no primeiro escalão apressariam o embarque dos partidos alinhados a Lira na base governista, o Planalto e a equipe econômica convivem desde então com uma série de pequenas derrotas no Legislativo.

Ainda que não exista sinalização concreta de que os reveses se multipliquem, agosto e setembro foram dois meses consumidos por boicote ideológico interno, por meio das CPIs, e confronto externo, sobretudo na queda-de-braço com o Supremo Tribunal Federal. Tal ambiente deixou praticamente engavetadas as matérias que são vitais para a saúde das contas públicas.

Em suma, o governo perdeu um bimestre no já apertado calendário de votações para fazer valer o esforço de arrecadação que pode diminuir o rombo no orçamento para 2024, já que o déficit zero, prometido pelo ministro da Fazenda, é hoje uma abstração.

As duas tentativas malsucedidas de votar na Câmara uma medida pontual, que ajuda no caixa da União, como a taxação de fundos exclusivos, mostraram aos interlocutores do Executivo que as bancadas recém-contempladas com mais espaço na Esplanada, como União Brasil, Progressistas e Republicanos, não apenas estão longe de entregar o apoio planejado para ampliar o placar pró-governo como vão subir a fatura na medida em que as premências do Planalto se avolumam.

O caminho das pedras

Em paralelo, o grupo de Lira acredita que o momento político e a importância do centrão para a governabilidade criam condições para a retomada do controle de um naco maior do orçamento, com vistas à sucessão na Mesa Diretora, em 2025.
Desde que entraram em vigor as mudanças de repasse nas emendas de relator, que somavam R$ 20 bilhões e eram discricionárias para seus aliados, o presidente da Câmara se movimenta nos bastidores para ampliar a quantidade de aditivos de execução obrigatória, esvaziando ainda mais a caneta dos ministros. Uma das teses advogadas pelo entorno de Lira é a de tornar compulsórias as emendas de comissão já para o ano que vem, o que demandaria aprovação até dezembro.

O descontentamento do centrão também envolve a liberação de recursos avalizados pelos auxiliares de primeiro escalão de Lula, que estariam privilegiando seus redutos eleitorais, sem a participação de parlamentares. Diante das adversidades, Lula precisará antecipar medidas que só pretendia tomar na virada do ano. Uma delas deve ser a acomodação de mais nomes indicados do centrão para postos de relevo no governo. A sucessão de Maria Rita Serrano na Caixa Econômica Federal, por exemplo, está no radar de Lira. Se o preferido do deputado, Carlos Antônio Vieira Fernandes, servidor de carreira do banco, for instalado na presidência, o humor dos parlamentares liristas melhorará.

Onde mora o perigo

Mesmo com uma nova rodada de trocas no primeiro escalão no horizonte, o cenário de votações em ritmo acelerado e sem debate técnico preliminar, evidenciado na assoberbada discussão da reforma tributária, tende a ser dominante até o Natal.
Com isso, aumenta exponencialmente o risco de aprovação de textos redigidos e relatados de forma expressa, diretamente no plenário e sob as orientações de Lira aos líderes de seu bloco, hoje com quase 350 votos.

A simultânea tramitação da reforma tributária no Senado cria ainda mais embaraços para o governo no avanço de sua pauta arrecadatória. Isso porque o texto da PEC 45, sob o escrutínio de senadores que estão fortemente impactados pelos lobbies corporativos e pela ostensiva movimentação de governadores e prefeitos, tornou-se um obstáculo para a convergência das duas Casas.

Mudança de tom

A instabilidade persistente nas relações com o Legislativo é um dos fatores que levaram Haddad a um recuo na narrativa de boas notícias para a economia.
O ministro tem se ocupado de reuniões e entrevistas nas quais fala com mais moderação sobre as expectativas e dá sinais (ainda tímidos) de que uma revisão da meta de déficit zero pode entrar na mesa de negociações para aliviar a tensão política e viabilizar um texto orçamentário mais factível para o ano que vem.
Com a crescente percepção de que a execução do arcabouço fiscal será tarefa complexa diante do estresse nas relações com o Legislativo e a demanda por gastos do núcleo político do Planalto, Haddad passará por seu teste mais difícil até agora desde que assumiu o cargo. A credibilidade do ministro da Fazenda depende da sua capacidade de administrar pressões do mercado financeiro e do QG político lulista e modular o risco fiscal com o apetite por crescimento da ala desenvolvimentista do governo.

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