O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Evaristo Sá/AFP)
Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos
Publicado em 25 de abril de 2025 às 10h10.
A recusa do deputado federal Pedro Lucas Fernandes (União Brasil-MA) ao convite para assumir o Ministério das Comunicações transcende o caráter circunstancial de uma decisão individual. Trata-se de um episódio emblemático que ilumina a nova lógica das forças gravitacionais no sistema político brasileiro. O parlamentar, líder da bancada de uma legenda estruturalmente fragmentada e proveniente de um estado onde Lula obteve expressivos 71% dos votos válidos na última eleição presidencial – seu terceiro melhor desempenho nacional –, preferiu abdicar da tradicional vitrine ministerial em favor da penumbra estratégica e lucrativa da liderança parlamentar.
O gesto de Pedro Lucas não é trivial nem isolado. Revela uma tendência mais ampla entre partidos historicamente pendulares, como União Brasil, PSD e MDB, de manter uma equidistância do Palácio do Planalto num momento delicado para o Executivo. Se antes a oferta de um ministério era praticamente irresistível, hoje a resposta mais comum é uma prudente negativa. Isso ocorre num contexto de crescente desgaste da popularidade presidencial, agravado por um cenário econômico ainda instável, com crescimento tímido, inflação persistente e dificuldades notórias na articulação política governamental.
Ao optar por permanecer à frente da bancada na Câmara, Pedro Lucas Fernandes fez um cálculo meticuloso e pragmático. A Esplanada, especialmente em pastas como a das Comunicações – tradicionalmente cobiçada pela relevância estratégica e pelo enorme potencial de influência política e econômica, envolvendo regulação bilionária das telecomunicações, concessões de rádio e televisão, e decisões sobre banda larga e telefonia móvel –, perdeu parte significativa de sua atratividade prática. Tornou-se um espaço politicamente vulnerável, com orçamento reduzido e obrigações administrativas que ofuscam o brilho simbólico do cargo ministerial.
Deputado federal em segundo mandato, Pedro Lucas, de 45 anos, assumiu a liderança do União Brasil neste ano (Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados)
A passagem turbulenta de Juscelino Filho pelo ministério ilustra bem esse cenário. Alçado à condição de ministro, Juscelino converteu-se rapidamente em alvo prioritário da Procuradoria-Geral da República, sob acusações envolvendo justamente emendas parlamentares, expediente que dificilmente teria gerado o mesmo escrutínio caso permanecesse na segurança discreta do baixo clero parlamentar. Pedro Lucas evitou repetir tal erro. Preferiu a segurança operacional da liderança parlamentar, de onde pode distribuir recursos generosos – cifras que chegam a atingir R$ 40 milhões anuais –, garantindo relevância política efetiva, além da possibilidade de atuação discreta, longe do risco do rigor dos órgãos de controle.
Esse fenômeno evidencia uma transformação profunda nas regras informais do jogo político. As emendas impositivas, instituídas pela Emenda Constitucional nº 86 de 2015, durante o governo Dilma Rousseff, alteraram radicalmente as relações entre Executivo e Legislativo, conferindo aos parlamentares uma autonomia inédita. O governo, privado da capacidade de usar o orçamento como moeda política, agora enfrenta dificuldades para formar maiorias sólidas, expondo ainda mais sua fragilidade institucional.
O impacto dessa nova realidade sobre a governabilidade é evidente. O governo Lula, mesmo diante do potencial simbólico e estratégico do Ministério das Comunicações, não conseguiu evitar o constrangimento político de ver sua oferta recusada publicamente. Uma falha que explicita problemas de articulação interna e ausência de coordenação prévia com o União Brasil, partido marcado por disputas internas, carência de lideranças nacionais sólidas e uma dinâmica estadual complexa que inviabiliza compromissos consistentes com o Planalto.
Essa situação se agrava ainda mais pela postura semelhante adotada por PSD e MDB. Ambos têm mantido uma neutralidade estratégica em relação ao governo federal, avaliando cuidadosamente os riscos políticos de vincular-se a um presidente cuja popularidade está em queda e cuja gestão econômica desperta desconfiança junto ao mercado e às bases eleitorais. Manter uma distância prudente do Executivo tornou-se, portanto, estratégia comum entre as principais legendas centristas, que já projetam cenários eleitorais para 2026.
O União Brasil, por exemplo, lançou Ronaldo Caiado como candidato à Presidência, sinalizando claramente uma alternativa ao atual governo. O PSD tem como presidente nacional Gilberto Kassab, que atua como secretário e aliado próximo de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e potencial candidato da direita ao Palácio do Planalto. O MDB, tradicionalmente fragmentado em alas regionais, apresenta posições divergentes: setores nacionais defendem uma candidatura distinta do presidente Lula, enquanto lideranças do Norte e Nordeste ainda almejam integrar a chapa petista como vice em 2026. Esse panorama complexo, no qual partidos teoricamente alinhados ao lulismo optam por uma equidistância estratégica, reflete diretamente as expectativas futuras de poder que moldam as atuais relações políticas.
Arthur Lira, presidente da Câmara e figura-chave nesse tabuleiro, compreendeu rapidamente essa dinâmica. Ao assumir pessoalmente a relatória do projeto de reforma do Imposto de Renda, indicou claramente que a agenda econômica do governo enfrentará negociações difíceis e contrapartidas custosas. O Congresso, empoderado pela autonomia financeira das emendas, exige cada vez mais do Executivo sem necessariamente entregar fidelidade parlamentar.
A posição adotada por Pedro Lucas Fernandes é, portanto, um indicador sintomático desse contexto. O deputado maranhense, representante de um estado historicamente alinhado ao lulismo, rejeita a oferta ministerial justamente porque identifica, com clareza estratégica, os riscos políticos e a nova lógica de poder no Congresso. Ao fazê-lo, antecipa tendências que, provavelmente, irão nortear o comportamento de outros atores políticos centrais nos próximos meses.
Em síntese, a rejeição ao convite ministerial não é um episódio pontual. É um diagnóstico revelador sobre os limites da influência presidencial na atual conjuntura, sobre a racionalidade pragmática que guia as escolhas do Centrão, e sobre as dificuldades estruturais que o governo Lula enfrentará para recompor maiorias em um Congresso cada vez mais autônomo, seletivo e refratário à histórica atratividade gravitacional do Palácio do Planalto.