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Análise: Lula em caravana e os riscos para a economia

O governo Lula inicia 2025 com um movimento calculado para reverter a erosão da sua popularidade e reaquecer sua base social

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em visita à Estação de Tratamento de Água de Paramirim, na Bahia, em fevereiro de 2025 (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em visita à Estação de Tratamento de Água de Paramirim, na Bahia, em fevereiro de 2025 (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

Fábio Zambeli
Fábio Zambeli

Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos

Publicado em 11 de fevereiro de 2025 às 14h34.

O governo Lula inicia 2025 com um movimento calculado para reverter a erosão da sua popularidade e reaquecer sua base social. Sob a batuta de Sidônio Palmeira, ex-marqueteiro da campanha de 2022 e novo comandante da Secom, o presidente embarca em uma maratona de viagens pelo Norte e Nordeste.

O movimento, que se ampara na justificativa administrativa de aproximação com a população, tem claro caráter eleitoral.

A antecipação da disputa de 2026, já admitida pelo próprio Lula, ganha contornos explícitos com a presença de Sidônio à frente da comunicação do governo — um sinal inequívoco de que a máquina pública será instrumentalizada para sustentar a narrativa política do presidente.

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A estratégia busca resgatar a fórmula que historicamente deu certo para o petismo: um presidente próximo do povo, rodeado por aliados locais, discursando de maneira direta e popular, sem filtros da mídia tradicional.

O formato se assemelha às caravanas que marcaram a trajetória de Lula desde os anos 1980 e que, em diferentes momentos, serviram como ferramenta para reposicioná-lo junto ao eleitorado.

Desta vez, no entanto, o contexto impõe desafios que vão além da simples reconstrução da conexão emocional com a população.

Reaproximação com a base social

Diferentemente de outros momentos da história política de Lula, a atual perda de popularidade não decorre apenas de uma disputa narrativa. O desgaste do governo se dá, essencialmente, na economia cotidiana do eleitorado de menor renda.

O lulismo sempre foi sustentado por um pragmatismo econômico centrado na transferência de renda e no aumento do poder de compra da população mais pobre. O problema é que, agora, esse mecanismo parece insuficiente.

O programa Bolsa Família foi retomado e expandido, mas não produziu o mesmo efeito anestésico de ciclos anteriores. O encarecimento dos alimentos, o impacto da crise do PIX no final do ano passado e a sensação geral de perda do poder aquisitivo corroeram a percepção de bem-estar entre os eleitores que tradicionalmente garantiram ao PT sua hegemonia no Nordeste e entre os eleitores de menor renda.

O governo enfrenta um dilema: a classe trabalhadora e os beneficiários de programas sociais já não enxergam no aumento do auxílio financeiro uma solução para suas dificuldades diárias, pois os preços seguem subindo e o crédito segue escasso.

As pesquisas divulgadas no início do ano escancararam esse problema. Pela primeira vez desde a eleição, Lula perdeu popularidade justamente entre os eleitores mais carentes, que começam a demonstrar impaciência com as dificuldades econômicas.

Isso acendeu um alerta no Planalto, que, ao contrário de tentar enfrentar o problema estrutural, optou por uma resposta política: intensificar o contato direto do presidente com essa parcela do eleitorado, reforçando a promessa de tempos melhores.

O discurso da esperança

É nesse contexto que se insere a estratégia das caravanas. As viagens priorizam os estados onde o PT tem estrutura política consolidada e governadores aliados capazes de mobilizar público e dar tom épico aos eventos. O roteiro, cuidadosamente desenhado, inclui atos públicos em cidades-chave, comícios em tom de festa e eventos que simulam entregas de políticas públicas — mesmo quando elas ainda não saíram do papel.

O modelo já foi testado na Bahia na semana passada, onde Lula prometeu mais crédito, garantiu comida no prato dos brasileiros e voltou a falar de expansão do consumo, tentando reacender o imaginário da era de bonança dos primeiros governos petistas.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de anúncios relativos à segurança hídrica da Bahia (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

O uso da imprensa regional valida esse esforço. A estratégia de Lula sempre foi se comunicar diretamente com o eleitor sem os filtros da mídia tradicional, que ecoa preocupações fiscais e econômicas impopulares entre o público-alvo do governo.

Conversar com rádios locais e jornais do interior permite ao Planalto moldar a narrativa sem a intermediação de analistas políticos e economistas que predominam nos veículos do Sudeste.

A estratégia tem sua lógica: a população nordestina, por exemplo, consome majoritariamente informações de meios de comunicação locais que são potencializados digitalmente, tornando essa abordagem um caminho natural para reforçar a mensagem oficial.

Exposição e impacto econômico

A aplicação ostensiva dessa estratégia também implica riscos consideráveis. O primeiro deles é a superexposição do presidente. O Lula de 2025 não é o mesmo de 2003 ou 2010. Sua retórica de palanque, antes calibrada para dialogar com diferentes segmentos da sociedade, hoje resvala em falas desconectadas da realidade econômica do país e da vida cotidiana do eleitor.

O episódio da semana passada, quando setores do governo admitiram reajustar o Bolsa Família sem qualquer articulação prévia com a equipe econômica, gerou instabilidade. A notícia foi rapidamente rebatida pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda, que temem os impactos fiscais de medidas sem lastro orçamentário.

O mercado reagiu, a percepção de risco aumentou, e o governo precisou desmentir a promessa feita pelo próprio presidente. Esse tipo de ruído pode se tornar frequente caso Lula continue adotando um tom de campanha sem considerar as implicações institucionais de suas falas.

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Além disso, o Planalto precisa lidar com um Congresso Nacional cada vez mais inclinado à centro-direita.

Líderes como Davi Alcolumbre e Hugo Motta já demonstram menos disposição para seguir o governo e buscam aproximação com pautas mais conservadoras. O núcleo político de Lula sabe que, sem apoio no Legislativo, a capacidade de entregar resultados concretos será limitada.

A aposta na comunicação direta pode funcionar no curto prazo, mas, se não for acompanhada por medidas econômicas concretas, tende a gerar frustração na base social.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro com o Presidente do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre, e Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Hugo Motta, no Palácio do Planalto, em Brasília (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

Dilema da governabilidade

O governo parece ter optado por um caminho que, se bem-sucedido, pode reverter a tendência de desgaste popular. Mas a execução tem de ser precisa.

Se Lula conseguir resgatar a conexão emocional com sua base sem comprometer a estabilidade econômica e institucional, o Planalto pode ganhar tempo e fôlego para enfrentar o ciclo eleitoral de 2026.

Contudo, a repetição de falas improvisadas, a insistência em promessas de difícil concretização e a ausência de medidas estruturais para combater a perda de poder aquisitivo da população podem fazer com que essa estratégia se volte contra o próprio governo.

Em política, a linha entre a mobilização eficaz e o desgaste irreversível é tênue. E, no caso de Lula, cada fala e cada gesto precisam ser milimetricamente calculados para evitar que o remédio da comunicação acabe intoxicando o próprio governo.

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