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Análise: Guerra às emendas visa cacifar Lula nas negociações com o Congresso no próximo biênio

Deflagrada em sintonia com o STF, investida do presidente mira sucessão de Lira e formação de base mais leal com vistas ao projeto de reeleição em 2026

Presidente Lula com os presidentes do Senado (à esq.), Rodrigo Pacheco, e da Câmara (à dir.), Arthur Lira  (Jefferson Rudy/Agência Senado/Flickr)
Presidente Lula com os presidentes do Senado (à esq.), Rodrigo Pacheco, e da Câmara (à dir.), Arthur Lira (Jefferson Rudy/Agência Senado/Flickr)

Em aliança tácita com setores influentes do STF, o governo federal aguardou o término do recesso parlamentar para lançar uma ofensiva de alto risco destinada a restringir o poder do Centrão no Congresso Nacional.

Sem uma base parlamentar sólida para aprovar votações que exigem quórum qualificado e confrontando um legislativo majoritariamente de centro-direita, portanto desfavorável ao Planalto, o núcleo estratégico de Lula confronta o principal instrumento de governabilidade da Câmara dos Deputados: a distribuição de recursos aos parlamentares.

O sinal veio da mais alta instância do Judiciário. O ministro Flávio Dino, ex-ministro da Justiça de Lula, concedeu nas últimas semanas duas liminares que constrangem o bloco liderado por Arthur Lira.

No dia 8 de agosto, Dino suspendeu os pagamentos das chamadas "emendas Pix", transferências diretas para as bases eleitorais dos políticos, até que fossem implementadas medidas de transparência e controle.

Em seguida, atendendo a um pedido do PSOL, integrante da base governista, o ministro do Supremo estendeu a proibição a todas as emendas impositivas, aquelas de execução obrigatória – a maior conquista dos parlamentares em sua busca por autonomia frente ao Executivo. Em decisão unânime na última sexta-feira, 16, os ministros endossaram a decisão de Dino.

Em decisão unânime, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) endossaram liminar do ministro Flávio Dino para suspender as chamadas "emendas PIX". Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

O cerne da questão

Sob o legítimo e nobre argumento de promover mais transparência e rastreabilidade no uso dos recursos públicos, o governo inaugura sua mais ambiciosa investida para tentar reaver o controle sobre o Orçamento da União, atualmente partilhado com o Legislativo.

Essa movimentação, que vinha sendo arquitetada nos bastidores, ganhou visibilidade com as declarações do presidente da República na quinta-feira, 15, em total consonância com as decisões monocráticas de Dino.

Entre os pronunciamentos de Lula sobre o tema, destacam-se suas observações de que "o Congresso sequestrou o orçamento" e a necessidade de devolver ao Planalto a prerrogativa de negociar a liberação de verbas com os parlamentares.

Nos governos Lula 1 e 2, cabia ao chefe da articulação política do Executivo costurar esse pacto, baseado, em grande medida, na lealdade dos deputados e senadores à agenda do governo.

Esse arranjo sofreu uma profunda mudança com as reformas capitaneadas pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, figura-chave no impeachment de Dilma Rousseff e feroz adversário do PT.

Agora, enfrentando dificuldades para consolidar uma base parlamentar robusta e com a corrida pela sucessão de Arthur Lira já em curso, Lula busca retomar as rédeas das negociações, com o objetivo de formar, de maneira gradual, um bloco mais coeso e fiel ao seu projeto de reeleição em 2026.

Riscos e Oportunidades

Apesar de contar com o respaldo de setores significativos do STF, a estratégia do governo não está isenta de riscos consideráveis. Um embate judicial é iminente, já que as lideranças da Câmara e do Senado devem recorrer das decisões de Dino e do plenário.

Além disso, a previsível retaliação dos congressistas pode resultar em uma "operação tartaruga" nas pautas de interesse da equipe econômica. Concomitantemente, essa mobilização contra o "baixo clero" tende a aproximar o bloco de Lira, mais pragmático, da direita ideológica, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, criando uma coalizão mais competitiva na disputa pela presidência da Câmara.

Entretanto, entre os aliados do governo, a manobra em curso é vista como um potencial "game-changer" na corrida para um quarto mandato de Lula. Se bem-sucedida no ambiente institucional, pode estabelecer novos paradigmas de governabilidade, com maior conforto político para o presidente e menor dependência das engrenagens tradicionais do Congresso.

É provável que o desenlace dessa disputa ocorra apenas após as eleições municipais, quando o Congresso se dedicará à análise do Orçamento de 2025. Até lá, Lula e Lira testarão seus recursos e suas reconhecidas habilidades como negociadores estratégicos.