Warren contra os patéticos plutocratas
A pré-candidata democrata disputa com Joe Biden o favoritismo para se lançar como opção à presidência
Publicado em 10 de outubro de 2019 às, 12h14.
Se lembram de quando os especialistas costumavam dizer que a senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, não era agradável o bastante para ser presidente? Sempre foi uma leitura rasa, com um forte elemento de sexismo. E é uma avaliação que parece ridícula agora, vendo Warren em campanha. Não faz diferença se ela é alguém com quem você gostaria de tomar uma cerveja ou não; milhares de pessoas querem posar para uma selfie com ela.
Mas algumas pessoas realmente, realmente, não gostam de Warren: os ultrarricos, especialmente os de Wall Street. Eles odeiam ela tanto que alguns doadores de longa data dos democratas supostamente estão cogitando apoiar o presidente Trump, com corrupção, com complô, com tudo, se Warren for mesmo a candidata democrata à Presidência.
E o sucesso dela é uma possibilidade séria, porque a ascensão constante de Warren a torna uma candidata real, e talvez até capaz de tomar a dianteira. Embora ela ainda esteja um pouco atrás do ex-vice-presidente Joe Biden nas pesquisas, as bolsas de apostas dão hoje a ela uma chance de quase 50% de conseguir a indicação.
Mas por que Warren inspira um nível de medo e ódio entre os muito ricos que eu não creio que tenhamos visto dirigido a um candidato a presidente desde os tempos de Franklin Delano Roosevelt?
À primeira vista, a resposta pode parecer óbvia. Ela está propondo políticas econômicas – a mais notável delas é um imposto sobre fortunas acima de US$ 50 milhões – que deixaria os extremamente ricos um pouco menos ricos. Porém, quando se aprofunda um pouco mais na questão, o ódio a Warren se torna consideravelmente mais enigmático.
Já que as únicas pessoas que seriam atingidas diretamente pelas propostas de impostos dela são aquelas que já têm mais dinheiro do que ideia do que fazer com ele. Ter um milhão ou dois a mais não atrapalharia os estilos de vida deles; a maioria sequer notaria a diferença.
Ao mesmo tempo, mesmo os muito ricos deveriam ter muito medo de um cenário de reeleição de Trump. Qualquer dúvida que alguém pudesse ter sobre seus instintos autoritários deveria ter sumido diante da reação dele à possibilidade de impeachment; ameaças implícitas de morte a delatores, alertas de uma guerra civil e afirmações de que integrantes do Congresso que o investigam são culpados de traição.
Fora isso, qualquer um que pense que uma grande fortuna o colocaria a salvo da fúria de um ditador deveria dar uma olhada na lista de oligarcas russos que cruzaram o caminho de Vladimir Putin e hoje estão arruinados, ou mortos.
Assim, o que faria os muito ricos – até mesmo alguns bilionários judeus, que deveriam ter uma boa noção das prováveis consequências de um predomínio da direita – apoiarem Trump em lugar de alguém como Warren?
Eu diria que há uma pista importante no Ódio a Obama que varreu Wall Street em meados de 2010. Em termos objetivos, o governo Obama foi muito bom para o setor financeiro, ainda que aquele setor tivesse acabado de nos levar à pior crise econômica desde a década de 30. Os maiores atores financeiros foram resgatados com condições lenientes, e embora os banqueiros há tempos estivessem precisando de um aumento na regulamentação, as novas regras se mostraram relativamente fáceis de administrar para as empresas com boa reputação.
No entanto, os magnatas das finanças ficaram furiosos com o presidente Obama porque se sentiram desrespeitados. Na verdade, a retórica de Obama foi bastante moderada; tudo que ele fez foi sugerir que alguns banqueiros tinham se comportado mal, o que ninguém razoável podia negar. Porém, com grande riqueza, vem grande ganância; a censura gentil de Obama provocou fúria – além de uma grande virada nas contribuições políticas do setor financeiro para os republicanos.
O ponto é que muitos dos super-ricos não se contentam apenas em viver como reis, o que eles vão continuar fazendo não importa quem ganhe a eleição do ano que vem. Eles também esperam ser tratados como reis e idolatrados como criadores de empregos e heróis da prosperidade, além de interpretarem qualquer crítica como um imperdoável ato de lesa-majestade.
Para gente assim, a possibilidade de uma presidência de Warren é uma ameaça saída de um pesadelo – não para as carteiras deles, mas para os egos. Eles podem tentar tachar alguém como o senador Bernie Sanders de demagogo. Porém, quando Warren critica os malfeitores de grandes fortunas e sugere pôr rédeas nos excessos deles, a evidente sofisticação política que ela demonstra – algum outro candidato já conseguiu transformar seu domínio do assunto em um tipo de carisma? – torna a crítica dela muito mais difícil de deixar pra lá.
Se Warren for a candidata, então, sem dúvida um número significativo de magnatas irá para o lado de Trump; para eles, é melhor colocar a democracia em risco do que tolerar um desafio à autoestima imperial. Mas será que isso vai fazer diferença?
Talvez não. Hoje em dia, as eleições presidenciais americanas estão tão repletas de dinheiro que os dois lados podem contar que terão recursos o bastante para fazer campanha onde quer que seja.
Sem dúvida, às vezes ataques exagerados dos ricos podem se tornar um ativo político. Esse certamente foi o caso de Franklin Roosevelt, que se divertia com sua oposição aos plutocratas: “Eles são unânimes em demonstrar ódio por mim – ódio que eu acolho”.
Até aqui Warren parece seguir a mesma cartilha, tuitando artigos sobre a hostilidade de Wall Street como se fossem declarações de apoio, o que de certa forma são. É bom ter os inimigos certos.
Me preocupa, porém, como o povo de Wall Street vai reagir se apostar tudo na derrota de Warren e ela ganhar do mesmo jeito. Washington pode resgatar os balancetes deles, mas quem pode restaurar o dano nas psiques deles?