Por que o Trumpcare pode virar um desastre político
O Partido Republicano moderno troca a cobertura de saúde pública para cerca de 20 milhões de pessoas por cortes tributários, que privilegiam os milionários
Publicado em 20 de junho de 2017 às, 19h41.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h54.
Eu estou tão fascinado pela situação Trump/Rússia quanto qualquer outra pessoa. Enquanto isso, o Trumpcare — que tem efetivamente muito pouca coisa a ver com o presidente Trump, a não ser pelo fato de que ele irá assinar a legislação da saúde dos republicanos — parece estar encaminhado apesar da terrível avaliação do Departamento Orçamentário do Congresso sobre a versão da Câmara e da quase certeza de que, se o Senado aprovar alguma coisa, vai ser algo só um pouco melhor, se é que chegará a tanto.
Isso diz muito sobre os valores do Partido Republicano moderno, que alegremente troca cobertura de saúde pública para cerca de 20 milhões de pessoas por cortes tributários que entregam quase metade desses benefícios para gente com renda acima de US$ 1 milhão.
Mas, prioridades à parte, pense no processo. A Lei da Saúde Pública Americana dos republicanos foi deliberadamente apressada pela Câmara antes que o Departamento Orçamentário do Congresso pudesse se pronunciar sobre ela; republicanos no Senado estão trabalhando em sigilo absoluto, sem audiências; e qualquer coisa que eles passem certamente tentará se antecipar ao departamento orçamentário.
Você deve imaginar que isso reflete em parte as análises conservadoras que chegam a uma conclusão diferente. Mas não existem tais análises. Lembre-se, o Departamento de Administração e Orçamento trabalha para o Sr. Trump; ele não ofereceu nada. Nem mesmo a Heritage Foundation, que costumava ser a referência quando se trata de contabilidade criativa conservadora, produziu um relatório implausível que seja sobre como a mágica dos mercados vai fazer tudo funcionar.
Isto é novidade. Você pode dizer que, assim como o Partido Republicano decidiu se livrar das preocupações convencionais sobre ética, ele também decidiu deixar pra lá as preocupações convencionais sobre se as políticas vão efetivamente, você sabe, funcionar.
Sem dúvida, os republicanos desistiram da política baseada em evidências há muito tempo. Quando o porta-voz da Câmara Paul Ryan fingia ser um especialista em política, ele sempre começava pela resposta, depois inventava algumas hipóteses e asteriscos mágicos para justificar aquela resposta. E a Heritage Foundation tem sido uma operação desleixada há muitos anos.
Mas eles costumavam pelo menos fingir. Pessoas como o Sr. Ryan não eram verdadeiras experts em política, mas interpretavam esse papel na TV, e os centristas crédulos se alegravam em ajudá-las a manter essa pretensão. Agora essa gente sequer se preocupa em fingir isso.
E é difícil dizer com algum grau de certeza que eles vão pagar um preço político. Afinal, o Obamacare foi, de fato, o resultado de um planejamento sério — e promoveu um volume imenso de melhorias em lugares como, digamos, a Virgínia Ocidental, onde a expansão do Medicaid (essencialmente) reduziu o número de pessoas sem cobertura pela metade. E, como recompensa por essa conquista, a boa gente da Virgínia Ocidental votou no Sr. Trump com 40 pontos de vantagem.
Talvez as perdas significativas nas eleições do meio de mandato convençam os republicanos de que pensar sobre as consequências políticas é uma boa ideia. Ou talvez haja mais situações como a do Kansas, em que os republicanos estejam tão horrorizados com um desastre político que eles mudam de rumo. Mesmo assim, ainda que essas coisas eventualmente aconteçam, o que nós estamos vendo hoje é horripilante.