Trump: a mídia finalmente está aprendendo sua lição
Eu desconfio que Donald Trump esteja se sentindo um tanto sacaneado. O tempo todo ele tratou a imprensa com desprezo e foi recompensado com uma deferência obsequiosa – suas mentiras amenizadas, descritas como “contestadas””ou “distantes da verdade”, ao mesmo tempo em que qualquer aspecto da vida de Hillary Clinton é descrito como algo que “causa […]
Publicado em 27 de setembro de 2016 às, 11h25.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h30.
Eu desconfio que Donald Trump esteja se sentindo um tanto sacaneado. O tempo todo ele tratou a imprensa com desprezo e foi recompensado com uma deferência obsequiosa – suas mentiras amenizadas, descritas como “contestadas””ou “distantes da verdade”, ao mesmo tempo em que qualquer aspecto da vida de Hillary Clinton é descrito como algo que “causa questionamentos” e “lança sombras”, apesar da falta de provas de que ela tenha feito algo de errado.
Mas a mídia impressa parece ter finalmente encontrado sua voz (o que pode eventualmente refletir na cobertura das TVs a cabo). Quanto à afirmação recente do Sr. Trump de que foi a campanha de Clinton que começou com as alegações do movimento “birther” sobre o local de nascimento do presidente Obama, tanto o The New York Times quanto a Associated Press, em particular, soltaram histórias fortes que diziam a que vieram logo no primeiro parágrafo, não no parágrafo 25.
O que é tão bom nessas histórias? O fato de que elas têm reportagem simples e que vão diretamente ao ponto.
Em primeiro lugar, confrontadas com mentiras óbvias, elas não fingem que o candidato disse algo menos descarado; tampouco elas tentam uma abordagem equilibrada no estilo ainda-há-controvérsias-sobre-se-a-Terra-é-redonda. Elas simplesmente afirmam que o que o Sr. Trump disse é inverídico, e que sua repetição dessas inverdades deixa claro que ele está mentindo deliberadamente.
Segundo, as matérias são notáveis pela ausência do que eu chamo reportagem política do segundo-momento: elas são sobre o que o Sr. Trump disse e fez, e não especulações sobre como isso será recebido pelos eleitores. Fazer essas coisas não parece muito difícil – e no entanto, temos visto muito pouco material desse tipo até agora. Por que a mudança?
Você poderia argumentar que as mentiras foram tão deslavadas que fazer a coisa certa se tornou inevitável. Mas havia um monte de mentiras anteriores – por exemplo, o Sr. Trump mentiu sobre sua posição contrária à Guerra do Iraque, sobre suas doações a caridade e sobre muito mais. Já havia o desprezo sem precedentes pela imprensa que ele demonstrou quando se recusou a divulgar sua declaração de imposto de renda. E tudo isso foi relevado, com a mídia dedicando o grosso de sua energia a artigos críticos sobre os e-mails da Sra. Clinton e da Fundação Clinton.
Então, por que é que a imprensa chegou ao seu limite?
Uma resposta pode ser a enxurrada de críticas sobre a cobertura da eleição, com, por exemplo, a página editorial do The Washington Post essencialmente questionando seu próprio trabalho de reportagem. O desastre do debate dos candidatos com Marc Lauer também pode ter ajudado a colocar as coisas em foco. E as pesquisas mais apertadas provavelmente têm seu peso também, não porque os jornalistas estejam sendo parciais, mas porque agora eles estão se defrontando com o que sua zombaria sem provas da Sra. Clinton e a adulação do Sr. Trump pode produzir.
Existem agora duas questões. Isso irá durar, e, caso afirmativo, será que a virada chegou a tempo? Nos dois casos, ninguém sabe. Mas imagine só quão diferente essa eleição seria hoje se nós tivéssemos visto este tipo de cobertura simples, factual e de fato equilibrada (em lugar do todo-mundo-faz-isso) desde o começo.