DONALD TRUMP: as tarifas impostas aos produtos chineses não estão alcançando um dos objetivos do presidente: concessões evidentes da China que ele pudesse apresentar como vitórias nos EUA / REUTERS/Mike Theiler/File Photo
Paul Krugman
Publicado em 15 de agosto de 2019 às 15h13.
Alguém se lembra do atoleiro do Vietnã? (Na verdade, espero que meus leitores sejam jovens o bastante para não se lembrarem, mas é razoável presumir que já ouviram falar sobre a expressão.) Em termos de discurso político, “atoleiro” veio a ter um significado bastante específico. É o que acontece quando um governo se comprometeu com uma política que não está funcionando, mas que ele não pode admitir que fracassou e assim evitar um prejuízo maior. De modo que ele continua a promover uma escalada da situação, e as coisas continuam a piorar.
A guerra comercial do presidente Trump está se parecendo cada vez mais com um atoleiro para a política econômica. Ela não está dando certo – isto é, não está trazendo os resultados que Trump quer de maneira nenhuma. Porém, como Trump está ainda menos disposto a admitir um erro do que o político médio, ele continua fazendo mais do que não está funcionando. Se você pegar esse caso e extrapolar para outras áreas, as consequências disso para os Estados Unidos e para as economias do mundo estão começando a ficar um tanto assustadoras.
Para dar uma ideia do que pode acontecer, vou apresentar cinco argumentos:
Eu posso estar errado. Mas é o que parece, com base no que sabemos hoje.
Ok, vamos começar com a magnitude da política econômica. A indispensável equipe do Instituto Peterson de Economia Internacional preparou um belo gráfico ilustrando a escalada das tarifas sobre os produtos chineses no governo Trump.
A grosso modo, nós temos visto uma tributação de 20% imposta aos US$ 500 bilhões de mercadorias que importamos da China todo ano. Embora Trump continue a insistir que os chineses estão pagando essa conta, eles não estão. Quando você compara o que vem acontecendo aos preços das importações sujeitas a novas tarifas com aquelas de outras importações, fica esmagadoramente claro que o fardo está recaindo sobre as empresas e consumidores americanos.
Portanto, trata-se de um aumento de impostos de 100 bilhões de dólares ao ano. Entretanto, nós não estamos recolhendo nada próximo disso com a receita extra dos impostos.
Em parte isso é porque os números da receita ainda não incluem o alcance total das tarifas de Trump. Mas também é porque um grande efeito das taxas de Trump sobre a China foi mudar a rotina de aquisição de importados americanos – por exemplo, em vez de importar da China, nós passamos a comprar coisas de fontes mais caras, como o Vietnã. Quando essa “diversificação comercial” acontece, é um aumento de impostos de fato para os consumidores americanos, que estão pagando mais, mas que não traz nem mesmo a vantagem de gerar novas receitas.
Ou seja, é um aumento de taxas muito grande, que significa uma política fiscal contracionista. Além disso, vale acrescentar dois outros efeitos: retaliação de outros países, que prejudica as exportações americanas, e incerteza. Por que construir uma fábrica nova se até onde você sabe Trump pode decidir de uma hora para outra limar você do mercado, da cadeia de fornecedores ou das duas coisas?
Não acho muito absurdo sugerir que o anti-estímulo geral das taxas de Trump é comparável em termos de escala ao estímulo provocado pelo corte de impostos de Trump, que em grande parte foi para as empresas, que só usaram o dinheiro extra para comprar de volta as ações delas. Além disso, esse estímulo já ficou para trás, enquanto o arrasto da guerra comercial de Trump mal começou.
Por que Trump está fazendo isso? Muitos defensores dele na centro-direita costumavam afirmar que Trump não tinha uma fixação em balanças comerciais bilaterais de verdade, que na realidade a questão era propriedade intelectual ou coisa do tipo. Não tenho mais escutado esse pessoal falar; está cada vez mais claro que Trump, de fato, tem uma obsessão com balanças comerciais, e que ele acredita que a América tem déficits comerciais porque outros países não jogam limpo.
No entanto, mesmo com todas essas novas tarifas o déficit comercial dos Estados Unidos está ficando maior, e não menor, na gestão dele. Fora que, quando se ajusta o valor para a inflação, as importações continuam a crescer com força, enquanto as exportações americanas têm murchado.
Por que as tarifas não estão fazendo o déficit comercial encolher? Em grande parte, a resposta é que a teoria de Trump sobre o problema está totalmente errada. Balanças comerciais têm a ver em grande medida com macroeconomia, não com política tributária. Em particular, a fraqueza persistente das economias japonesa e europeia, provavelmente muito dela resultante de uma mão de obra apta a trabalhar cada vez menor, mantém o iene e o euro baixos e torna os Estados Unidos um país menos competitivo.
Quando o assunto são as recentes tendências de importação e exportação, também pode estar havendo um efeito assimétrico das próprias tarifas. Como eu mencionei, as taxas impostas pelos Estados Unidos sobre os produtos chineses não fazem muita coisa para reduzir as importações de modo geral, porque nós simplesmente mudamos para produtos de outras economias asiáticas. Por outro lado, quando os chineses param de comprar nossos grãos de soja, não há muitos mercados alternativos de grande porte.
Qualquer que seja a explicação, as tarifas de Trump não estão produzindo os resultados que ele queria. Muito menos conseguindo a outra coisa que ele queria: concessões evidentes da China que ele possa apresentar como vitórias. Como diz Gavyn Davies no Financial Times, a China parece “cada vez mais confiante de que consegue sobreviver às guerras comerciais”, e não tem demonstrando nenhuma vontade de saciar os Estados Unidos.
Logo, talvez agora seja uma boa hora para apertar o botão de pausa e repensar a estratégia. Em vez disso, Trump seguiu em frente e mandou bala em uma nova rodada de tarifas. Por quê?
Bem, supostamente os investidores pensam que Trump se sentiu encorajado pelo corte de juros do Fed, que ele imagina que significa que o Fed irá isolar a economia americana de qualquer efeito negativo provocado pela guerra comercial dele. Não temos como saber se isso é verdade. Porém, se Trump pensa assim, ele está quase com certeza errado.
Por um lado, o Fed provavelmente não tem toda essa influência: As taxas de juros já são bastante baixas. Além disso, o setor mais influenciado pelas taxas de juros, o imobiliário, não tem mostrado muita resposta ao que já era uma queda drástica nas taxas das hipotecas.
Além disso, o próprio Fed deve estar se perguntando se o corte na taxa de juros foi interpretado por Trump como uma promessa implícita de assinar embaixo da guerra comercial dele, o que tornará o Fed menos disposto a repetir a medida – um jeito novo de perigo moral.
Por sinal, há um grande contraste aqui com a China, que, por mais problemas que possa ter, ainda mantém a capacidade de buscar estímulos monetários e fiscais coordenados em um nível inimaginável nos Estados Unidos. Trump provavelmente não consegue apavorar o Fed para compensar o estrago que ele está causando (e tentem só imaginar Trump convencendo Nacy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, a tirá-lo dessa); já o presidente Xi Jinping está em posição de fazer o que for preciso.
Assim, o que será que Trump fará agora? Meu palpite é que, em vez de pensar, ele vai promover outra escalada, o que ele pode fazer em várias frentes. Ele pode aumentar ainda mais essas tarifas impostas à China. Ele pode tentar lidar com a diversificação comercial expandindo a guerra comercial para incluir ainda mais países (bom dia, Vietnã!).
Ele também pode vender dólares em mercados de câmbio, em uma tentativa de depreciar nossa moeda. O Fed poderia efetivamente levar adiante essa intervenção, mas a política cambial normalmente fica a cargo do Departamento do Tesouro e, em junho, Jerome Powell, o presidente do Fed, reiterou que ainda é o Fed quem decide. Ou seja, pode ser que nós vejamos uma decisão unilateral de Trump para tentar enfraquecer o dólar.
Mas uma tentativa deliberada de enfraquecer o dólar, ganhando vantagem competitiva em um período em que as outras economias estão passando por dificuldades, seria enormemente – e corretamente – interpretada como parte de uma “guerra cambial” para incomodar os pobres vizinhos. E levaria a uma retaliação ampla, mesmo que provavelmente fosse ineficaz. Além disso, os Estados Unidos abriram mão do direito a qualquer afirmação que poderiam fazer sobre serem uma potência global benevolente.