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Mídia faz escândalos em cima de exageros, mas subestima mentiras descaradas

Caso Donald Trump se torne presidente, a mídia levará grande parte da culpa. Eu sei que alguns jornalistas estão ocupados negando essa responsabilidade, mas isso é absurdo, e creio que eles sabem. Como Nick Kristof apontou em um artigo recente no New York Times, pesquisas mostrando que o público considera Hillary Clinton – uma exagerada, […]

DONALD TRUMP: republicano pode ganhar a eleição se a imprensa continuar a jogar dúvidas sobre pequenos deslizes de HIllary, opina Krugman / Mike Segar/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 3 de outubro de 2016 às 11h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

Caso Donald Trump se torne presidente, a mídia levará grande parte da culpa. Eu sei que alguns jornalistas estão ocupados negando essa responsabilidade, mas isso é absurdo, e creio que eles sabem.

Como Nick Kristof apontou em um artigo recente no New York Times, pesquisas mostrando que o público considera Hillary Clinton – uma exagerada, na pior das hipóteses – menos confiável que um mentiroso patológico são a prova prima facie de um enorme fracasso da mídia.

Na verdade, é emblemático que este debate seja normalmente concebido como sendo sobre falsa equivalência, e se isso é um problema. Claro, é muito melhor ter essa discussão do que a ofensiva sem provas da mídia contra a Sra. Clinton continuar – mas as coisas na verdade são muito piores do que parecem.

A mídia não tratou os exageros da Sra. Clinton como as mentiras deslavadas do Sr. Trump; ela tratou clintonismos mais ou menos inócuos como enormes escândalos, enquanto encobria as inverdades do Sr. Trump. Em outras palavras, até bem recentemente, a mídia estava até aqui com a Sra. Clinton. Só agora, no último minuto, ou possivelmente depois do último minuto, a grandiosidade do pecado começou a bater.

Pense no desastre que foi o encontro com Matt Lauer. Aquilo não foi um caso de dois pesos e duas medidas: Um breve resumo de sua performance poderia ser “E-mails, e-mails, e-mails; sim, Sr. Trump, o que quer que você esteja dizendo, Sr. Trump.” Uma candidata foi repetidas vezes assediada sobre algo trivial enquanto ao outro foi permitido surfar na onda de inverdades grotescas.

Ou, como escreveu recentemente Jonathan Chait, da revista New York, o problema não foi só a normalização do Sr. Trump, mas sim a anormalização da Sra. Clinton (leia o artigo aqui: nym.ag/2cOXWpY ).

Considere a recente reportagem da Associated Press sobre a Fundação Clinton. Uma matéria honesta teria dito que “A fundação discutivelmente cria a possibilidade de autonegociação e abuso de influência, mas nós analisamos a fundo e não encontramos nada substancial.” Em vez disso, a reportagem enfatiza encontros com um ganhador do Nobel da Paz como sendo escandaloso de alguma maneira.

Isso ainda está acontecendo, embora não seja mais algo tão persitente. Ainda vemos artigos dizendo como algo que a Sra. Clinton fez “causa questionamentos”, “lança sombras”, etc – jogos de palavras que permitem aos repórteres escrever histórias negativas independentemente dos fatos.

Eu tenho comparado isso ao que aconteceu na campanha presidencial de 2000. O Sr. Kristof compara ao que houve no período anterior à Guerra do Iraque. Escolha sua analogia. Mas vamos usar o exemplo do Sr. Kristof: Na verdade, a mídia não era culpada de usar dois pesos e duas medidas em 2002. O que os veículos de imprensa – inclusive o The New York Times, infelizmente – fizeram foi alardear sem descanso os argumentos para uma guerra, reportando como furo de fontes do governo qualquer coisa que o ex-vice-presidente Dick Cheney lhes jogasse, ao mesmo tempo em que botavam na geladeira os críticos e céticos.

O outro lado ficou de fora – McClatchy descobriu diversas fontes do governo dispostas a afirmar que estavam nos vendendo castelos de areia. Mas os céticos não conseguiam ser ouvidos se eram deixados de lado. Efetivamente, a imprensa foi pró-guerra.

E desta vez ela tem sido efetivamente pró-Trump – na verdade, anti-Clinton, o que no fim dá no mesmo. Eu duvido que os repórteres ou editores se enxerguem como alguém que tenta eleger o Sr. Trump; muitos deles ficarão horrorizados se ele ganhar. Mas eles foram com tudo na Lei de Clinton, que estabelece que menosprezar e ridicularizar um Clinton é visto como bom para sua carreira. É algo que na verdade lembra mais uma coisa de escolinha que jornalismo de qualidade, mas que pode ter consequências terríveis.

Muito disso depende de se o mesmo comportamento vai se manter na reta final da campanha. Caso a mídia aja nos últimos debates do mesmo modo como fez em 2000 – se a substância for substituída pelas descrições da expressão facial da Sra. Clinton ou em como ela “passa a impressão de ser”, enquanto as mentiras em estado bruto do Sr. Trump são relativizadas – digam alô à Casa Branca de Trump.

E a História não perdoará as pessoas que tornaram isso possível.

ficha_krugmann

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Caso Donald Trump se torne presidente, a mídia levará grande parte da culpa. Eu sei que alguns jornalistas estão ocupados negando essa responsabilidade, mas isso é absurdo, e creio que eles sabem.

Como Nick Kristof apontou em um artigo recente no New York Times, pesquisas mostrando que o público considera Hillary Clinton – uma exagerada, na pior das hipóteses – menos confiável que um mentiroso patológico são a prova prima facie de um enorme fracasso da mídia.

Na verdade, é emblemático que este debate seja normalmente concebido como sendo sobre falsa equivalência, e se isso é um problema. Claro, é muito melhor ter essa discussão do que a ofensiva sem provas da mídia contra a Sra. Clinton continuar – mas as coisas na verdade são muito piores do que parecem.

A mídia não tratou os exageros da Sra. Clinton como as mentiras deslavadas do Sr. Trump; ela tratou clintonismos mais ou menos inócuos como enormes escândalos, enquanto encobria as inverdades do Sr. Trump. Em outras palavras, até bem recentemente, a mídia estava até aqui com a Sra. Clinton. Só agora, no último minuto, ou possivelmente depois do último minuto, a grandiosidade do pecado começou a bater.

Pense no desastre que foi o encontro com Matt Lauer. Aquilo não foi um caso de dois pesos e duas medidas: Um breve resumo de sua performance poderia ser “E-mails, e-mails, e-mails; sim, Sr. Trump, o que quer que você esteja dizendo, Sr. Trump.” Uma candidata foi repetidas vezes assediada sobre algo trivial enquanto ao outro foi permitido surfar na onda de inverdades grotescas.

Ou, como escreveu recentemente Jonathan Chait, da revista New York, o problema não foi só a normalização do Sr. Trump, mas sim a anormalização da Sra. Clinton (leia o artigo aqui: nym.ag/2cOXWpY ).

Considere a recente reportagem da Associated Press sobre a Fundação Clinton. Uma matéria honesta teria dito que “A fundação discutivelmente cria a possibilidade de autonegociação e abuso de influência, mas nós analisamos a fundo e não encontramos nada substancial.” Em vez disso, a reportagem enfatiza encontros com um ganhador do Nobel da Paz como sendo escandaloso de alguma maneira.

Isso ainda está acontecendo, embora não seja mais algo tão persitente. Ainda vemos artigos dizendo como algo que a Sra. Clinton fez “causa questionamentos”, “lança sombras”, etc – jogos de palavras que permitem aos repórteres escrever histórias negativas independentemente dos fatos.

Eu tenho comparado isso ao que aconteceu na campanha presidencial de 2000. O Sr. Kristof compara ao que houve no período anterior à Guerra do Iraque. Escolha sua analogia. Mas vamos usar o exemplo do Sr. Kristof: Na verdade, a mídia não era culpada de usar dois pesos e duas medidas em 2002. O que os veículos de imprensa – inclusive o The New York Times, infelizmente – fizeram foi alardear sem descanso os argumentos para uma guerra, reportando como furo de fontes do governo qualquer coisa que o ex-vice-presidente Dick Cheney lhes jogasse, ao mesmo tempo em que botavam na geladeira os críticos e céticos.

O outro lado ficou de fora – McClatchy descobriu diversas fontes do governo dispostas a afirmar que estavam nos vendendo castelos de areia. Mas os céticos não conseguiam ser ouvidos se eram deixados de lado. Efetivamente, a imprensa foi pró-guerra.

E desta vez ela tem sido efetivamente pró-Trump – na verdade, anti-Clinton, o que no fim dá no mesmo. Eu duvido que os repórteres ou editores se enxerguem como alguém que tenta eleger o Sr. Trump; muitos deles ficarão horrorizados se ele ganhar. Mas eles foram com tudo na Lei de Clinton, que estabelece que menosprezar e ridicularizar um Clinton é visto como bom para sua carreira. É algo que na verdade lembra mais uma coisa de escolinha que jornalismo de qualidade, mas que pode ter consequências terríveis.

Muito disso depende de se o mesmo comportamento vai se manter na reta final da campanha. Caso a mídia aja nos últimos debates do mesmo modo como fez em 2000 – se a substância for substituída pelas descrições da expressão facial da Sra. Clinton ou em como ela “passa a impressão de ser”, enquanto as mentiras em estado bruto do Sr. Trump são relativizadas – digam alô à Casa Branca de Trump.

E a História não perdoará as pessoas que tornaram isso possível.

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