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A lenda do desempregado preguiçoso

Os auxílios-desemprego mantiveram os rendimentos de muitos trabalhadores, evitando uma nova depressão

DESEMPREGO: o auxílio emergencial do governo americano evitou um quadro ainda pior. (Nick Oxford/Reuters)
JR

Janaína Ribeiro

Publicado em 12 de agosto de 2020 às 15h09.

“Com certeza, qualquer um que quer trabalhar e é sério vai encontrar emprego. A única ressalva é que você não deve se dirigir ao homem que diz isso a você, pois ele não tem trabalho para oferecer e não conhece ninguém que saiba de vaga. É exatamente este o motivo de ele dar a você um conselho tão generoso, fruto de amor fraterno, e para mostrar quão pouco ele conhece o mundo.”

Assim começa a história de aventura de 1927 de B. Traven “O Tesouro de Sierra Madre”, que se tornou a base do clássico filme de John Huston. Traven, ao que parece, entendia mais de economia dos que os integrantes da convenção do Partido Republicano contemporâneo - grupo cujos membros creem que cortar auxílios para desempregados, forçando assim as pessoas a procurar trabalho a todo custo de algum modo irá fazer mais empregos surgirem.

Recentemente eu escrevi sobre o fracasso dos republicanos no Senado e do governo Trump de aparecer com qualquer plano significativo para lidar com o término do auxílio pandêmico especial para os desempregados. Muitos estudos econômicos recentes têm investigado quanto efeito este auxílio teve nos incentivos para os trabalhadores irem atrás de emprego, com a aparente resposta sendo que não ajudou muito. Como eu disse, porém, esta questão é largamente irrelevante: Não importa quanto e onde os trabalhadores possam procurar, eles não conseguem aceitar empregos que não estão lá.

Porém, alguém pode apresentar a seguinte objeção: o número de empregos em oferta não é uma quantidade fixa. Alguém poderia imaginar que trabalhadores desesperados estariam dispostos a aceitar cortes salariais, e que os salários reduzidos poderiam incentivar as empresas a ampliar suas forças de trabalho. Dificilmente este é um argumento que os políticos fariam em público - “Votem Trump! Ele vai cortar seus salários!” -, mas será que ele poderia ter alguma validade?

Bem...não. E o economista britânico John Maynard Keynes explicou por que. (A propósito, eu não recomendo ler Keynes no original. A “Teoria Geral” escrita por ele é um feito intelectual extraordinário, indescritivelmente brilhante, mas muito, muito difícil.)

O que Keynes indicou foi que, embora um trabalhador individual possa de fato conseguir arrumar trabalho aceitando um corte salarial - porque ou o trabalhador supera rivais pelo emprego, ou porque torna possível para o empregador superar o preço de seus concorrentes -, a história é muito diferente se todo mundo aceitar um corte salarial. Como ninguém adquire uma vantagem competitiva, de onde se espera que vão vir os benefícios trabalhistas?

É verdade que, quando uma economia vem sofrendo com inflação persistente, benefícios generosos podem estimular uma espiral salário-preço até mesmo em um cenário de desemprego elevado; este pode ter sido um fator que contribuiu para a “euroesclerose” que afligiu alguns países europeus na década de 80. Mas não é relevante para a América em 2020.

De fato, no melhor dos casos, cortes de benefícios que obrigam os trabalhadores a competir por posições de trabalho escassas podem prejudicar o índice de emprego, causando uma deflação que piora o encargo da dívida - um fenômeno que meu colega e coautor Gauti Eggertsson, professor de economia na Brown, chamou de “o paradoxo do trabalho.”

Mas calma, que ainda tem mais. A recessão da covid-19,criada pelo lockdown necessário de atividades econômicas de alto contato, está sendo terrível. Mas poderia ter sido muito pior. Dezenas de milhões de trabalhadores perderam seus empregos e sua renda salarial regular, sendo que os recém-desempregados eram desproporcionalmente trabalhadores de baixos salários com poucas opções de recursos financeiros ou reservas para pagar suas contas. Ou seja, sem o auxílio do governo eles teriam sido forçados a cortar gastos, levando a uma nova segunda rodada de perdas de empregos em toda a economia.

Os auxílios-desemprego, porém, mantiveram os rendimentos de muitos trabalhadores, evitando esta depressão da segunda rodada. Portanto, “pagar as pessoas para ficarem sem trabalhar”, como os direitistas gostam de descrever, na prática salvou milhões de empregos americanos.

Em resumo, as coisas poderiam ter sido muito piores. E sem dúvida, está parecendo que elas estão mesmo prestes a ficar ruins.

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“Com certeza, qualquer um que quer trabalhar e é sério vai encontrar emprego. A única ressalva é que você não deve se dirigir ao homem que diz isso a você, pois ele não tem trabalho para oferecer e não conhece ninguém que saiba de vaga. É exatamente este o motivo de ele dar a você um conselho tão generoso, fruto de amor fraterno, e para mostrar quão pouco ele conhece o mundo.”

Assim começa a história de aventura de 1927 de B. Traven “O Tesouro de Sierra Madre”, que se tornou a base do clássico filme de John Huston. Traven, ao que parece, entendia mais de economia dos que os integrantes da convenção do Partido Republicano contemporâneo - grupo cujos membros creem que cortar auxílios para desempregados, forçando assim as pessoas a procurar trabalho a todo custo de algum modo irá fazer mais empregos surgirem.

Recentemente eu escrevi sobre o fracasso dos republicanos no Senado e do governo Trump de aparecer com qualquer plano significativo para lidar com o término do auxílio pandêmico especial para os desempregados. Muitos estudos econômicos recentes têm investigado quanto efeito este auxílio teve nos incentivos para os trabalhadores irem atrás de emprego, com a aparente resposta sendo que não ajudou muito. Como eu disse, porém, esta questão é largamente irrelevante: Não importa quanto e onde os trabalhadores possam procurar, eles não conseguem aceitar empregos que não estão lá.

Porém, alguém pode apresentar a seguinte objeção: o número de empregos em oferta não é uma quantidade fixa. Alguém poderia imaginar que trabalhadores desesperados estariam dispostos a aceitar cortes salariais, e que os salários reduzidos poderiam incentivar as empresas a ampliar suas forças de trabalho. Dificilmente este é um argumento que os políticos fariam em público - “Votem Trump! Ele vai cortar seus salários!” -, mas será que ele poderia ter alguma validade?

Bem...não. E o economista britânico John Maynard Keynes explicou por que. (A propósito, eu não recomendo ler Keynes no original. A “Teoria Geral” escrita por ele é um feito intelectual extraordinário, indescritivelmente brilhante, mas muito, muito difícil.)

O que Keynes indicou foi que, embora um trabalhador individual possa de fato conseguir arrumar trabalho aceitando um corte salarial - porque ou o trabalhador supera rivais pelo emprego, ou porque torna possível para o empregador superar o preço de seus concorrentes -, a história é muito diferente se todo mundo aceitar um corte salarial. Como ninguém adquire uma vantagem competitiva, de onde se espera que vão vir os benefícios trabalhistas?

É verdade que, quando uma economia vem sofrendo com inflação persistente, benefícios generosos podem estimular uma espiral salário-preço até mesmo em um cenário de desemprego elevado; este pode ter sido um fator que contribuiu para a “euroesclerose” que afligiu alguns países europeus na década de 80. Mas não é relevante para a América em 2020.

De fato, no melhor dos casos, cortes de benefícios que obrigam os trabalhadores a competir por posições de trabalho escassas podem prejudicar o índice de emprego, causando uma deflação que piora o encargo da dívida - um fenômeno que meu colega e coautor Gauti Eggertsson, professor de economia na Brown, chamou de “o paradoxo do trabalho.”

Mas calma, que ainda tem mais. A recessão da covid-19,criada pelo lockdown necessário de atividades econômicas de alto contato, está sendo terrível. Mas poderia ter sido muito pior. Dezenas de milhões de trabalhadores perderam seus empregos e sua renda salarial regular, sendo que os recém-desempregados eram desproporcionalmente trabalhadores de baixos salários com poucas opções de recursos financeiros ou reservas para pagar suas contas. Ou seja, sem o auxílio do governo eles teriam sido forçados a cortar gastos, levando a uma nova segunda rodada de perdas de empregos em toda a economia.

Os auxílios-desemprego, porém, mantiveram os rendimentos de muitos trabalhadores, evitando esta depressão da segunda rodada. Portanto, “pagar as pessoas para ficarem sem trabalhar”, como os direitistas gostam de descrever, na prática salvou milhões de empregos americanos.

Em resumo, as coisas poderiam ter sido muito piores. E sem dúvida, está parecendo que elas estão mesmo prestes a ficar ruins.

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