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As 10 mentiras que os conservadores contam sobre impostos

Trump e seus aliados conversadores mentem: os impostos não são os maiores inimigos dos EUA

DONALD TRUMP: presidente e conservadores mentem (Isaac Brekken/Getty Images)
DONALD TRUMP: presidente e conservadores mentem (Isaac Brekken/Getty Images)
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Paul Krugman

Publicado em 31 de outubro de 2017 às, 14h26.

Última atualização em 31 de outubro de 2017 às, 14h39.

Os conservadores modernos têm mentido sobre impostos praticamente desde o início de seu movimento. Histórias tristes inventadas, sobre fazendas familiares falidas por terem de pagar impostos sobre heranças, afirmações mágicas sobre cortes de impostos autofinanciados, e por aí vai, têm origem lá atrás, na década de 70.

Mas a patifaria dos cortes de impostos na gestão do presidente Trump levou as coisas a um outro patamar, tanto em termos de descaramento das mentiras quanto em sua quantidade elevada.

A profundidade e a abrangência da desonestidade tornam a vida difícil até mesmo daqueles que ganham dinheiro acompanhando tudo isso.

De fato, quando eu decidi fazer uma lista das maiores mentiras, eu pensava que seriam seis ou sete, e fiquei surpreso em aparecer com dez.

Assim, eu imaginei que fosse útil, tanto para mim quanto para outros, bolar uma cola: uma descrição razoavelmente longa das 10 maiores mentiras que o Sr. Trump e seus aliados estão contando, o que é que eles têm afirmado e como nós sabemos que são mentiras. Provavelmente eu estou deixando algumas coisas de fora, e até onde eu sei alguma mentira grande e nova foi tuitada enquanto este texto era postado. Mas nós fazemos o que podemos. Sendo assim, aí vamos nós.

Mentira 1: A América é o país mais tributado do mundo

Esse é um Prato Especial de Trump: Ele tem dito isso muitas, muitas vezes. Toda vez, os checadores têm se juntado para apontar que isso é falso. Segundo dados da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento, a média tributária como porcentagem do produto interno bruto nos países desenvolvidos é de 34,3%. Nos Estados Unidos, ela é de 26,4%.

Por que o Sr. Trump continua a repetir o que até mesmo ele, a essa altura, tem de saber que é uma mentira deslavada? Eu desconfio que tenha a ver com o poder: Ele gosta de demonstrar que pode mentir repetidamente na cara das pessoas, ser pego de calças curtas na mentira repetidas vezes, e ainda assim seus seguidores continuarão a acreditar nele em vez de na imprensa “fake news”.

Mentira 2: O imposto sobre a propriedade está destruindo as vidas de fazendeiros

Histórias sobre fazendas familiares em dificuldades, desmanteladas porque os sobrevientes não podem pagar os impostos quando o patriarca morre, têm proliferado há décadas, apesar da ausência de muitos exemplos.

Não quero dizer que os exemplos sejam simplesmente raros: Eu quero afirmar que os defensores da revogação do imposto sobre propriedade não foram capazes de produzir um único caso desde pelo menos o fim da década de 70, quando os níveis de isenção foram elevados ao equivalente a cerca de US$ 2 milhões pelo valor atual do dólar.

Mais recentemente o Sr. Trump acrescentou um novo toque à história, retratando o imposto sobre a propriedade como um fardo terrível para os caminhoneiros que trabalham duro. Afinal, quem de nós não tem uma frota de caminhões de US$ 11 milhões?

A realidade, segundo os dados do Centro de Políticas Orçamentárias e de Política, é que apenas um número pequeno de imóveis muito grandes paga qualquer imposto que seja, e somente uma pequena parcela dessas propriedades contribuintes é de pequenas empresas ou fazendas familiares.

De fato, uma vez que transportes e armazenagem representam só 3% do PIB e a agricultura contribui com menos de 1%, parece bastante possível que neste ano apenas dois ou três caminhoneiros, e nenhum fazendeiro, irão pagar impostos sobre propriedades.

Mentira 3: A taxação das empresas intermediárias é um fardo para as pequenas empresas

A maioria dos negócios nos Estados Unidos, pelo menos para fins tributários, não são o que nós normalmente consideramos empresas sujeitas a impostos sobre lucros. Em vez disso, elas são sociedades, empresas individuais e “Empresas S”, cujos lucros são simplesmente “intermediados”, o que significa que eles são contados como parte da renda pessoal de seus donos e tributados de acordo.

O Sr. Trump quer mudar isso, e deixar que os proprietários simplesmente paguem um imposto de 25% sobre os lucros de empresas intermediárias, sem outras taxas devidas posteriormente. Isso está sendo vendido como uma redução no fardo dos esforçados donos das pequenas empresas.

Contudo, como o Centro de Políticas Tributárias havia explicado, muitos lares de classe média que têm empresas intermediárias não estão tocando os negócios; geralmente eles tiram apenas uma parcela pequena de sua renda dessas empresas. “Preferivelmente, eles poderão obter uma renda ocasional do aluguel de uma casa de férias, ou da venda de quinquilharias no eBay, que eles registram como renda do negócio”, segundo um relatório de Frank Sammartino, pesquisador-sênio no Centro de Políticas Tributárias.

Proprietários de alta renda de entidades assim, em contrapartida, recebem um bocado de dinheiro delas – mas eles não são trabalhadores esforçados de pequenas empresas em dificuldades. Segundo o Sr. Sammartino: “Este grupo de alta renda é formado por médicos, advogados, consultores e outros profissionais e, do lado mais alto, parceiros em fundos de risco ou outras empresas de investimentos.”

E essas são, sem dúvida, as pessoas que se beneficiariam em grande escala da proposta de Trump. A grande maioria dos americanos está em uma faixa tributária de 15% ou menos, ou seja, mesmo que eles operem uma empresa intermediária, o alívio fiscal de Trump não tem utilidade alguma para eles.

Indivíduos com alta renda, contudo, ganhariam muito pagando 25% em vez dos impostos muito maiores que eles pagam no teto, atualmente em 39,6%. Além disso, eles teriam um incentivo grande para reorganizar seus negócios de modo que mais da renda deles apareça em suas intermediárias. Isso não seria uma proliferação de pequenas empresas; e também não geraria empregos; seria simplesmente evasão fiscal. Foi o que aconteceu quando o Kansas tentou algo semelhante, e teve um grande papel no desastre fiscal do estado.

Assim, isso não é um alívio fiscal para as pequenas empresas, é um alívio fiscal para – surpresa – indivíduos ricos.

Mentira 4: Cortar impostos sobre os lucros realmente beneficia os trabalhadores

A carga tributária é um tema que causa dor de cabeça na melhor das hipóteses, e minha impressão é que mesmo os especialistas em política tributária ficaram para trás nas reflexões sobre as consequências do mercado global de capitais nessa questão. Mas creio que haja uma maneira de enxergar através de pelo menos uma parte da confusão.

Pense no que acontece se você cortar os impostos sobre os lucros corporativos. O efeito imediato é que as empresas têm mais dinheiro. Por que elas gastariam esse dinheiro a mais contratando mais funcionários ou aumentando os salários deles?

Não seria, certamente, fruto da bondade dos corações deles, e muito menos em resposta às demandas dos funcionários, porque hoje em dia ninguém liga para o que os empregados pensam.

Claro, eles podem estar propensos a investir mais, ampliando a demanda por mão de obra e consequentemente aumentando indiretamente os salários à medida em que reduzem os impostos antes dos lucros. Entretanto, há alguns deslizes nessa história.

Primeiro, uma série de rendimentos corporativos não são um retorno do capital material e não serão reduzidos se o capital ficar mais barato. Apple, Google, Microsoft e outras empresas obtêm seus lucros das vantagens tecnológicas, além das reputações de suas marcas e poder de mercado; cortar os impostos sobre esses lucros apenas deixa seus donos com mais dinheiro.

Segundo, para aumentar salários um corte tributário é necessário elevar o conjunto global do capital, o que significa que ele precisa levar a uma despesa de investimento total maior. De onde vem o dinheiro para esse aumento no investimento? É improvável que os cortes de impostos aumentem a economia federal.

O dinheiro pode vir do exterior, por meio de fluxos de capital. Porém, o lado ruim desses fluxos de capital seria um déficit comercial maior – dificilmente o que os defensores dos cortes tributários estão propondo – e, de qualquer modo, administrar déficits comerciais no volume exigido é uma coisa muito mais problemática do que as pessoas parecem compreender. O dólar teria de subir drasticamente – e a força do dólar por si só barraria investimentos do exterior, praticamente desacelerando o processo de aumentos salariais.

Ou seja, por um período extenso, de no mínimo cinco anos, provavelmente muito mais, cortar os impostos sobre os lucros é bom para os donos de empresas. Para os empregados, não muito.

Mentira 5: Repatriar lucros no exterior gerará empregos

Por motivação fiscal, empresas mantém bastante dinheiro em abrigos no exterior. Os redutores de impostos sempre afirmam que tributos menores ou uma anistia tributária irão trazer esse dinheiro para casa e criar um grande volume de empregos.

Para começo de conversa, não existe realmente uma pilha de dinheiro à la Tio Patinhas escondida no exterior, pronta para ser aplicada e só à espera da autorização do coletor de impostos. Essas contas no exterior são meros mecanismos contábeis, que têm pouco efeito no mundo real. Muitas das empresas com grandes quantias acumuladas também possuem um bocado de dinheiro parado na sede. O que as está segurando é uma ausência de oportunidades percebidas, e não de fluxo de caixa. E mesmo aquelas empresas que não têm um excedente de liquidez podem facilmente conseguir empréstimos a taxas de juros quase recorde de tão baixas. Lembrem-se, essas empresas sempre podem usar o dinheiro lá fora para assegurar os empréstimos concedidos.

Além disso, aqui nós temos evidências empíricas concretas. Em 2004, os Estados Unidos decretou a Lei de Investimento Interno, que oferecia isenção de impostos para a repatriação de lucros no exterior de multinacionais americanas. Um estudo cuidadoso dos efeitos da lei nos diz que “as repatriações não levaram a um aumento do investimento doméstico, do emprego ou de P&D – nem mesmo para as empresas que fizeram lobby pela isenção fiscal declarando essas intenções ou para as empresas que pareciam financeiramente limitadas”, conforme um estudo do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica. “Em vez disso, um aumento de U$ 1 em repatriações foi associado a um aumento de quase US$ 1 de bônus aos acionistas.” (Leia o estudo aqui)

Mentira 6: Este não é um corte de imposto para os ricos

O Sr. Trump afirma que não é, logo, é isso aí, certo? Opa, calma aí.

Na verdade, se você observar as principais medidas da proposta, os grandes itens são cortes em impostos empresariais, um corte fiscal para empresas intermediárias, eliminação do imposto sobre propriedade e um corte na taxa marginal máxima. Tudo isso favorece fortemente as rendas muito altas – e todo o resto consiste em mudanças pequenas. (Confira a estimativa do Centro de Políticas Tributárias aqui)

Críticos e defensores do governo estão acusando o Centro de Políticas Tributárias de chegar a conclusões sem as devidas informações, mas o governo está fazendo várias afirmações sobre o que o plano dele irá fazer, munido de aparentemente não muito mais informações que as do Centro. Além do mais, dado o formato geral do plano, não tem como ele ser algo muito diferente de um presente para os já muito ricos.

Mentira 7: É um grande corte fiscal para a classe média

Veja a Mentira 6 acima. Todas as grandes medidas beneficiam os ricos, não a classe média. O que sobra são basicamente migalhas, e muitas delas, como acabar com a possibilidade de deduzir impostos estaduais e locais, entre outros tributos dedutíveis, na verdade aumentam os impostos para uma quantidade significativa de americanos de classe média.

Ao todo, em 2027, segundo o Centro de Políticas Tributárias, 80% do corte de impostos terá ido para o topo do 1%; somente 12%, para os três quintos do meio.

Mentira 8: Não vai aumentar o déficit

Ok, estamos falando em grandes cortes de impostos empresariais, eliminação do imposto sobre propriedades, impostos menores para indivíduos com alta renda e uma brecha enorme para sonegação fiscal. Como isso pode não aumentar o déficit orçamentário?

A única resposta seria se a proposta tributária extinguisse grandes extensões do conjunto atual de deduções fiscais, ampliando maciçamente a base de tributação. Ela não faz isso. Isso é uma grande bola de demolição orçamentária, a menos que invoque um vudu profundo. Mas…

Mentira 9: Cortar impostos vai acender o crescimento acelerado

A insistência no poder mágico dos cortes de impostos é a mentira zumbi definitiva nas discussões sobre política nos Estados Unidos. Nada consegue matá-la. E nós sabemos o porquê: Existe muito dinheiro por trás da proposta de que grandes coisas acontecerão se você reduzir os impostos dos doadores. É difícil fazer um homem entender alguma coisa quando seu salário depende dele não entendê-la.

Ainda assim, para registro: O presidente Reagan cortou impostos, e ainda que o governo dele tivesse começado com uma recessão terrível, houve uma recuperação rápida logo depois. Alguns de nós acreditam que Paul Volcker, o ex-presidente do Federal Reserve, teve mais a ver com a recessão e com a retomada do que qualquer coisa que tivesse vindo da Casa Branca, mas, de todo modo, nós temos mais evidências.

Mais adiante, o presidente Clinton aumentou impostos, entre os lamúrios da direita de que ele destruiria a economia. Em vez disso, ele governou em meio a um crescimento que superou o do Sr. Reagan em quase todos os aspectos. Até onde eu entendo, não acho que essa expansão seja obra do Sr. Clinton. Mas ela certamente refutou a ideia de que cortar impostos é tanto necessário quanto suficiente para a prosperidade.

O então presidente Bush filho cortou impostos, e vimos aleluias quanto ao crescimento de Bush. O que ele conseguiu efetivamente foi uma recuperação apagada, seguida de um crash épico.

Finalmente, o presidente Obama herdou o rescaldo daquela quebra, e apesar da oposição de terra arrasada dos republicanos, a economia gradualmente se recuperou. Então, em 2013, o Sr. Obama primeiro aumentou os impostos substancialmente, depois implementou a Lei da Saúde Acessível, de novo entre gritos de desastre da direita. A economia se saiu bem.

Mentira 10: Os cortes de impostos vão se pagar

Se os cortes de impostos não gerarem um milagre econômico, é difícil para eles causarem uma disparada na receita que compense os impostos menores. É verdade, algum dinheiro escondido pode sair da floresta e aparecer como renda tributável, ainda que o PIB não cresça. Porém, esse efeito historicamente nunca chegou perto de ser grande o bastante para compensar as perdas diretas de impostos menores. Os cortes de impostos do Sr. Reagan levaram a déficits, e os aumentos de impostos do Sr. Clinton, a superávits.

Enfim, aqui estamos: as 10 maiores mentiras sobre o corte de impostos. Como eu disse, provavelmente eu deixei algumas de fora e/ou o Sr. Trump vai inventar outras novas. Mas eu espero que isso sirva como uma referência útil.