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Um convite à reflexão: tirando o ESG da caixinha

Os desafios em inserir essa prática para os clientes

Sustentabilidade afeta decisão dos consumidores, mas ainda há confusões sobre o tema, mostra pesquisa (Galeanu Mihai/Getty Images)
Sustentabilidade afeta decisão dos consumidores, mas ainda há confusões sobre o tema, mostra pesquisa (Galeanu Mihai/Getty Images)
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Panorama Econômico

Publicado em 12 de dezembro de 2022 às, 13h06.

Por Roberta Goulart, sócia e CSO da Turim MFO

Em 2022, diante de uma mesa redonda com gestores de recursos de famílias de diversos países, tive a oportunidade de discutir “o que estamos fazendo para atender aos nossos clientes que buscam ter ESG em suas carteiras”.

  • Os gestores norte-americanos, que optaram por desinvestir de posições apresentadas por seus clientes como não alinhadas aos princípios das famílias, principalmente das novas gerações, mostraram-se preocupados com a limitação de ativos disponíveis para atender a essas restrições e pelo impacto no retorno das carteiras.
  • Os europeus, que por questões culturais e legislativas já estão mais adiantados na discussão com os clientes, ainda buscam se adaptar-se ao grande número de ações e regulações que, na velocidade em que estão sendo propostas, trouxeram complexidade adicional ao tema.  

A polêmica criada sobre o fato de a Tesla ter sido retirada do Índice de Sustentabilidade do S&P, enquanto a Exxon Mobil se manteve, foi usada extensivamente para exemplificar a dificuldade de nivelamento de conhecimento e compreensão no mercado. Algumas casas ainda discutiam conceitos fundamentais que permeiam investimentos sustentáveis, como a diferença entre ESG, Investimento de Impacto e Filantropia.

A crescente demanda por produtos sustentáveis e novas regulações para organizar esse novo mercado criaram uma corrida para que gestores e instituições financeiras conseguissem integrar em suas análises os critérios ambientais, sociais e de governança. Mas, fica evidente durante a conversa que ainda estamos pensando no processo de forma reativa às pressões de investidores mais conscientes e órgãos reguladores.    

Longe de ter a pretensão de apresentar uma solução que atenda a todos, faço um convite na direção oposta: uma reflexão para tirar o ESG das caixas que o limitam a números, listas e classificações. Vamos pensar no amplo espectro da sustentabilidade aplicada a investimentos, exercitando nosso olhar sobre relações sociais e econômicas, e nos tornando capazes de identificar novos mercados, soluções para problemas globais e prevenção para possíveis riscos. 

Visão Macro, Riscos e Oportunidades

Vivemos um momento crucial e desafiador em muitos aspectos, com conflitos geopolíticos, disputas ideológicas, pressão da iminência de movimentos irreversíveis causados pelas mudanças climáticas, desigualdade econômica potencializada pela pandemia, crescimento e envelhecimento populacional. Dado esse cenário, riscos e oportunidades para o setor privado, são identificados no enfrentamento dessas questões, como transição energética, segurança alimentar, conservação dos ecossistemas, educação e saúde.

A transição energética é ponto central de discussão e está movimentando diversos setores em busca de soluções para uma matriz de energia limpa, visto que este consumo é responsável por 73% das emissões globais de GEE*. Com o desenvolvimento e barateamento das modalidades solar e eólica, os desafios agora se concentram em eliminar a sua intermitência, estocando energia de forma segura. Uma solução é a utilização de baterias que, além de resolver a intermitência na geração de energia, também proporcionam uma maior autonomia dos carros elétricos que, por sua vez, são a principal aposta do setor automotivo para endereçar a transição para uma economia de baixo carbono.

O mercado de baterias apresenta oportunidades de investimentos em toda a sua cadeia de produção, como o lítio (mineral utilizado na produção das baterias), e até mesmo no pós-consumo, diante do crescimento de soluções para descarte correto do material após o seu ciclo de vida. 

Por outro lado, é previsto que essas mudanças venham acompanhadas de um aumento dos preços de diversos produtos e serviços, seja por um aumento da demanda (como no caso do lítio), seja pela velocidade em que fontes de energias fósseis estão sendo substituídas por energias renováveis ou, até mesmo, pelo fato da sociedade estar se tornando mais ativa e firme em apontar situações que não podem mais ser aceitas. Apesar disso, as projeções apontam para um cenário de inflação muito mais severo caso nada seja feito e o aumento da temperatura global passe dos 2ºC.

Ferramenta de transformação e geração de valor

Observar esses movimentos através das lentes do ESG nos ajuda a identificar quais fatores são de fato materiais para cada indústria e os riscos e oportunidades que ainda não foram precificados. É uma maneira de identificar novas fontes de receita, possibilidades para redução de custos no longo prazo e novas teses de investimentos.

O ESG é um framework que precisa ser pensado como forma de nos prepararmos para os desafios de um futuro com mais incertezas e que exigirá do mercado participação ativa no enfrentamento às mudanças climáticas e adaptação ao novo clima. É preciso que haja um alinhamento entre os agentes do mercado e que os investimentos sustentáveis não sejam limitados a notas e rótulos que, muitas vezes, não refletem as expectativas dos investidores.

*Fonte: Climate Watch, the World Resources Institute (2020)