Revisões difíceis
"O ambiente político brasileiro está dificultando a construção de confiança em uma reforma aprovada meia década atrás"
Publicado em 9 de agosto de 2021 às, 17h28.
Última atualização em 11 de agosto de 2021 às, 14h18.
Por Marcelo Petersen Cypriano
O ambiente político brasileiro está dificultando a construção de confiança em uma reforma aprovada meia década atrás. Como se sabe, o Congresso Nacional estabeleceu em 2016 que os gastos federais podem crescer somente para repor a inflação anual, medida até meados do ano anterior.
Um período de inflação passada sempre acima da corrente permitiu um pequeno crescimento em termos reais nos primeiros anos, o qual somado ao crescimento pífio do produto interno, manteve o tamanho do gasto federal em 19,5% do PIB, praticamente, a mesma proporção vigente no ano base de 2016.
O primeiro teste do teto constitucional foi exatamente durante a pandemia, pois a necessidade de gastos elevados para tratar dos 8 milhões de infectados no ano passado e outros 12 milhões neste ano, além complementar a renda das 8 milhões de pessoas menos escolarizadas que perderam a ocupação, exigiu um orçamento extra-teto de R$ 525 bilhões em 2020 (7,0% do PIB) e, aproximadamente, mais R$ 150 bilhões este ano (1,8% do PIB).
Essa sequência de orçamentos extra-teto e a disputa política que se espera para a eleição no ano que vem desvia a atenção de dois fatos.
O primeiro é a queda dos gastos sujeitos ao teto, como proporção do PIB, em 2021 e 2022 (e nos anos seguintes). O choque da pandemia provocou grandes mudanças de preços relativos, como a forte e persistente desvalorização do real e uma alta expressiva do preço de exportação brasileiro.
Há duas consequências, a primeira delas, a elevação expressiva do nível de preços no Brasil. A inflação ao consumidor se aproxima de 7,0% este ano e, sujeito a mais incertezas, se aproxima de 4,0% no ano que vem. Os preços no atacado subiram 32% no ano passado, devem subir cerca de 25% este ano e podemos contar com uma alta em torno de 5,0% no próximo ano.
Como resultado, o valor do PIB a preços correntes brasileiro passou de R$ 7,45 trilhões no ano passado para algo como R$ 8,5 trilhões neste ano, e deve se aproximar de R$ 9,35 trilhões no próximo ano. Os valores dos tetos de gasto de R$ 1,49 trilhão e R$ 1,59 trilhão equivalem a 17,5% e 17,0% do PIB, respectivamente.
A segunda consequência combina a alta do nível de preços com a queda expressiva da ocupação e dos rendimentos do trabalho. O aumento do PIB em reais correntes se traduziu em grande medida no aumento do excedente bruto da produção, uma medida aproximada do total de lucros da economia. O Brasil taxa o lucro das empresas acima da média internacional, ao mesmo tempo que a arrecadação sobre o valor agregado acompanha a expansão do produto em valores correntes.
A arrecadação tributária líquida federal atingiu 17,8% do PIB no primeiro semestre do ano. O valor supera 17,3% do PIB registrados em 2019, antes da pandemia, quando a arrecadação encerrou o ano em 18,2%. Não se trata apenas de impostos postergados do ano passado devido a pandemia, pois o ganho de arrecadação sobre 2019 aumentou em junho.
Há várias arrecadações em queda, como proporção do PIB, como PIS/Cofins, e a previdência social, mas há várias em elevação, como o imposto de importação, IPI e, em especial, o imposto de renda da pessoa jurídica e a CSLL. A arrecadação líquida federal terminar o ano em 18,0% do PIB não é nenhum disparate e sim, na verdade, uma espécie de normalização parcial de entre o seu nível médio de 18,8% entre 2005 e 2013 (exceto 2010) e a média 17,5% entre 2014 e 2018 (recessão e pós-recessão).
De volta ao ano que vem, há realmente incertezas. De um lado, a PEC emergencial determina a revisão de parte das desonerações tributárias. De outro, a proposta de mudança no imposto de renda sobre as empresas pode gerar resultados e perdas inesperadas.
Da mesma forma, o ano eleitoral disputado por dois extremos e o desejo de aumentar as transferências de complementação de renda, reajustar os salários dos servidores e outros desejos de maiores gastos, em meio ao que se chama agora de “meteoro”, cria expectativas sobre um terceiro orçamento extra-teto consecutivo.
Na ausência de certezas sobre 2022, o melhor número para a arrecadação líquida federal é 18,0% do PIB, bem acima, portanto, do valor do teto de gastos (mais o Fundeb, fundo eleitoral etc) como proporção do PIB a preços correntes, previsto para o próximo ano.
É claro que há incertezas sobre os números previstos aqui para um ano e meio a frente, mas os resultados fiscais primários em 2021 e 2022 não parecem próximos de atingir déficits de -1,95% do PIB e -1,50% do PIB, como é hoje a mediana das expectativas coletadas no mercado financeiro pelo Banco Central.
Além do desempenho da arrecadação líquida em relação ao valor do teto de gastos, descrito acima, os governos regionais registraram nos últimos 12 meses um superávit primário de 0,92% do PIB, um superávit que dificilmente será revertido desta magnitude, mesmo em um ano eleitoral.
Quanto vale um superávit primário do governo consolidado, em 2022, em termos de “reprecificação” dos ativos brasileiros?
Marcelo Petersen Cypriano é estrategista de investimentos da Mont Capital Asset e economista-chefe. É autor de inúmeros relatórios sobre a economia brasileira e internacional e palestrante em seminários. Entre seus interesses e temas de pesquisa estão política monetária no Brasil, finanças, estratégias de investimento, crescimento econômico, investimento estrangeiro, economia internacional, commodities, América Latina, Behavioral Economics e gestão de portfólio.