(Patricia Monteiro/Bloomberg)
Panorama Econômico
Publicado em 17 de fevereiro de 2025 às 20h32.
Por Ângelo Belitardo*
Desde o primeiro ciclo de alta nos juros, iniciado em 2021, vimos diversas ações perderem até 99% do seu valor de mercado. Dentre as maiores desvalorizações, destacamos as ações de empresas dos setores cíclicos e de commodities. O termo "cíclico" contempla empresas cuja atividade principal não reflete um consumo obrigatório e constante, podendo ser evitada pela população em momentos de dificuldade financeira, como os setores de eletrodomésticos (Magalu e Casas Bahia), cuidados pessoais (Natura), educação (Cogna), companhias aéreas (Azul e Gol), shoppings, construção civil, dentre outros. Do lado das commodities, os destaques negativos do ano ficaram nos setores de minério de ferro, papel e celulose, grãos e insumos agrícolas.
Além desses dois grupos mencionados acima – ações cíclicas e de commodities –, observamos um terceiro grupo que sofreu bastante com os ciclos de alta de juros em 2021 e 2024, cujos preços das ações se reduziram de forma agressiva, ficando bem abaixo do valor intrínseco das companhias. Refiro-me às empresas classificadas como resilientes, intensivas em capital e bastante alavancadas. Entre os meses de janeiro e fevereiro de 2025, o preço dessas ações havia reduzido em um nível tão baixo quando comparado ao real valor atual dessas companhias.
As companhias em destaque:
Dentre as companhias que se enquadram nessa classificação, destacam-se:
1. Simpar – Holding e maior companhia do setor de logística e transporte do Brasil.
2. Vamos – Líder com 80% de participação de mercado no setor de aluguel de caminhões e máquinas agrícolas.
3. JSL Simões – Maior transportadora rodoviária de cargas da América Latina.
4. Movida – Segunda maior locadora de veículos leves.
5. Ânima – Holding e uma das maiores no setor de educação no Brasil.
6. Dasa – Um dos maiores grupos hospitalares e de laboratórios do país.
Explicando a classificação: resilientes, intensivas em capital e alavancadas. Por que são resilientes?
Dizemos que essas empresas são resilientes devido à elevada consistência na geração de receita, sendo quase totalmente recorrente. Elas possuem uma base de clientes bastante pulverizada, com alta diversificação na exposição setorial. Ou seja, a fonte de receita dessas companhias deriva de mais de 50 setores da nossa economia, o que mitiga riscos de perda em cenários de estresse econômico, como o que vivenciamos entre 2019 e 2025.
Mesmo em quarentena e em meio a uma crise de juros altos ao redor do globo, essas empresas foram capazes de multiplicar seu tamanho e ganhar escala com esse crescimento. Além disso, tratam-se de companhias com margem operacional elevada, apresentando rentabilidade (ROIC) superior ao CDI, mesmo em tempos de crise. São grandes geradoras consistentes de caixa, com uma ampla avenida de crescimento no curto e médio prazo e baixíssimo risco de competição, devido às sólidas vantagens competitivas que possuem.
Se são empresas resilientes, bastante lucrativas e líderes de mercado, qual a razão para essas empresas terem desvalorizado entre -70% e -80% desde agosto de 2021?
Essa performance negativa ocorreu por conta do atual ciclo de vida das companhias, que estão gastando enormes quantias de recursos para financiar seu crescimento (CAPEX de expansão), além de já gastarem uma quantia considerável apenas para a manutenção de seus ativos (capital de giro e CAPEX de renovação).
Devido a essa fase, classificamos essas empresas como intensivas em capital, pois o modelo de negócios e o estágio atual exigem um gasto significativo de capital, reduzindo os recursos disponíveis para os acionistas. A prioridade da companhia é expandir sua base de ativos. O risco aumenta quando a companhia decide acelerar o próprio crescimento e, para isso, recorre a altos volumes de dívidas.
De modo geral, empresas intensivas em capital, como as dos setores de logística, transporte, educação e hospitais, tornam-se mais lucrativas e criam maiores vantagens competitivas conforme crescem. Elas diluem seus custos e reduzem o impacto negativo dos gastos com renovação e manutenção de ativos.
Não obstante, as companhias intensivas em capital conseguem criar fortes barreiras competitivas conforme crescem de tamanho, criando um maior poder de barganha com clientes e fornecedores.
Ao acelerar o crescimento, essas empresas podem se consolidar no mercado como líderes de atuação. Desse modo, dizemos que elas possuem um maior incentivo a se endividarem, seja por motivos inerentes ao seu modelo de negócios (necessidade recorrente de reinvestir para manutenção da atividade – capital de giro e capex renovação), seja para financiar seus planos de crescimento.
Ao nos deparamos com novos ciclos de alta nas taxas de juros, tanto no Brasil como ao redor do mundo, observamos como reflexo um aumento nas despesas financeiras (juros da dívida) incorridas pelas empresas mencionadas no início desse artigo e, como consequência, tivemos uma queda agressiva no principal indicador utilizado para avaliar ações: o rendimento do fluxo de caixa livre ao acionista (FCFE Yield, na sigla em inglês), suficiente para derreter o valor de mercado dessas ações. Dizemos que, de modo geral, as ações tendem a acompanhar o comportamento desse
indicador, sendo de extrema importância que o investidor busque entender o cálculo e conferir o nível atual desse indicador, sempre comparando ao CDI atual e ao CDI de médio prazo.
A oportunidade nasce quando o rendimento do fluxo de caixa livre ao acionista (FCFE Yield), atual e projetado para o curto prazo, em termos percentuais, supera em larga escala o CDI atual. Quanto maior for o rendimento do FCFE atual e projetado, em comparação ao CDI, maior tende a ser o potencial de valorização do papel, mantendo as demais variáveis constantes. A oportunidade nasce quando essas companhias alavancadas são capazes de gerar um ROIC superior ao custo de suas dívidas, o que aumenta o potencial de geração de FCFE.
O mercado de aluguel de caminhões é bastante pequeno no Brasil quando comparado a países desenvolvidos. Em 2021, cerca de 1% dos caminhões que rodam no Brasil e que sejam vinculados a empresas eram alugados, ao invés de adquiridos via frota própria por parte das companhias em geral, enquanto nos Estados Unidos esse indicador se aproxima de 25%, o que demonstra uma forte avenida de crescimento para o setor. O Brasil é bastante dependente do transporte rodoviário, e a volatilidade nas taxas de juros desestimula as empresas a adquirirem sua frota própria, sendo mais vantajoso para elas locar os caminhões, terceirizando o serviço, sendo possível focar em seu negócio principal.
Em 2019, a Vamos, líder no segmento de aluguel de caminhões e máquinas agrícolas, possuía uma receita de R$ 1,2 bilhão e lucro operacional (EBIT) de R$ 292 milhões, e uma margem operacional de 24%. Ao longo dos últimos 12 meses findo em setembro de 2024, a receita da Vamos já havia avançado para R$ 7 bilhões, enquanto o lucro operacional cresceu para R$ 2,4 bilhões. Sua margem avançou para 34%, um ganho de 10 pontos percentuais, como reflexo do ganho de escala com seu crescimento. No entanto, sua margem líquida e sua geração de caixa entrou em declínio desde agosto de 2021. Ao final de 2024, houve o spin-off da Vamos separando o negócio de concessionárias do segmento de aluguel, o que deve favorecer a companhia, dado que o segmento de concessionárias é bastante cíclico, e reduzia o resultado da empresa como um todo.
Os principais riscos ao se investir em ações de empresas alavancadas são:
1. Rompimento dos covenants
2. Risco da diluição
3. Risco da conversão de dívidas em ações.
Caso a empresa não seja capaz de pagar as suas dívidas, ou caso as taxas de juros permaneçam altas por um longo período de tempo, é comum que elas precisem de um reforço de caixa e, dessa forma, passam a realizar sucessivos follow ons (emissão de novas ações) para reduzir o nível de endividamento, respeitando os seus covenants (acordo feito com os seus credores para limitar o seu nível de
alavancagem). Essas novas emissões de ações tendem a diluir a participação dos minoritários e, em pior caso, novas ações são criadas pelas empresas alavancadas para serem entregues aos credores, em troca da quitação de suas dívidas não pagas. Após receberem as ações, é comum que os credores vendam parte de sua posição, o que força o preço das ações para baixo, podendo até zerar o patrimônio do investidor. Em 2024 vimos algumas empresas realizando a conversão de dívidas em ações como a Lojas Americanas, a Gol, OI, Azul, Infracommerce dentre outras.
Aplicar em ações de empresas alavancadas pode ser uma estratégia de altíssimo risco, mas com ganhos bastante agressivos caso o investidor adquira ações de empresas resilientes, em cenários onde o preço delas estão em mínimas históricas e as taxas de juros estejam próximas a caírem para níveis abaixo de 10%. Como nesse artigo tratamos das empresas resilientes e lucrativas, o processo de desalavancagem (redução do endividamento) poderá ocorrer de 3 formas:
- Desaceleração no crescimento para ganhar escala via crescimento das margens de lucro. - Antecipação da dívida via emissão de novas ações.
- Queda nas taxas de juros, tornando suas dívidas mais baratas.
Como são ações de empresas alavancadas, estarão mais expostas ao comportamento dos juros, e, nesse caso, essas ações apresentam uma oscilação bastante superior quando comparadas as empresas resilientes, mas com baixa alavancagem. É imprescindível que o investidor conheça os riscos ao se investir em empresas que estejam em crescimento acelerado com dívidas, e se enquadra com o seu perfil.
*Ângelo Belitardo é Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV), com ênfase em finanças, avaliação de empresas e gestão de portfólios. Atuou na área de equity research no Banco Safra, responsável pela elaboração de valuation e teses de investimento em bancos, seguradoras, adquirentes e sistemas de negociação de ativos (B3). Na GOW Capital, fez gestão de carteiras administradas e fundos exclusivos. Na CVPAR, atuou na gestão de FIDCs, FIPs e FIIs.