2. Gestão de tributos (Thinkstock/Thinkstock)
Panorama Econômico
Publicado em 24 de fevereiro de 2025 às 16h53.
Por Victória M. V. Tenório de Siqueira*
Em tempos de TikTok, quem não sabe o que significa POV certamente não é da geração Alfa ou Z. Para esse público, explicamos: POV é uma sigla em inglês que significa point of view ou “ponto de vista”, em sua tradução literal para o português. É uma expressão especialmente utilizada em redes sociais para indicar a visão do usuário em relação a um determinado assunto.
Como advogadas de planejamento patrimonial de um Multi Family Office, nos apropriamos da expressão para apresentarmos a nossa perspectiva sobre governança familiar, um assunto que faz parte do nosso dia a dia e que sempre atrai o interesse de famílias investidoras e empresárias.
De forma bastante simples, governança familiar refere-se à definição de regras sobre como administrar, usar ou tomar decisões a respeito de um determinado ativo detido por pessoas que possuem vínculo familiar. O termo costuma ser associado a grandes empresas familiares e a trabalhos sofisticados, desenvolvidos por consultorias especializadas.
No entanto, para além dessa referência tradicional, há também exemplos mais simples no cotidiano de famílias empresárias ou investidoras. São casos que demandam certo nível de planejamento e organização, mesmo sem estar em um estágio tão profissionalizado.
Imagine que um casal fundou uma empresa nos anos 1980. A empresa prosperou, passaram-se mais de 40 anos e o casal decidiu se afastar do dia a dia do negócio. Eles têm três filhos, na faixa dos 35 a 40 anos, mas nenhum deles tem interesse ou vocação profissional para assumir a empresa.
Como não há ninguém na família para suceder os fundadores, o casal decide vender o negócio. Recebem R$ 70 milhões, líquidos de impostos. Desse valor, decidem destinar aos filhos R$ 35 milhões. Cada um receberá imediatamente R$ 5 milhões (totalizando R$ 15 milhões) e poderá utilizar como quiser, sem qualquer restrição. Os outros R$ 20 milhões, os pais enxergam como "legado" e querem que os filhos invistam juntos e poupem para o futuro, de forma que as decisões sejam sempre conjuntas. Há uma preocupação específica com o filho mais novo, que ainda tem pouca maturidade financeira e que gasta dinheiro de forma irresponsável.
A necessidade principal de governança nesse exemplo é simples: controle sobre o uso do dinheiro. E com escuta ativa e algumas boas conversas junto ao casal, os objetivos, preocupações e prioridades dos "donos do dinheiro" (ou do patrimônio em questão) aparecem de forma clara.
Para casos como esse, uma alternativa seria a criação de um fundo de investimento fechado, em que os três irmãos são cotistas, um terço das cotas para cada.
Em fundos de investimento fechados há assembleias gerais de cotistas em que as principais decisões são tomadas em conjunto, por meio de votações e observando quóruns específicos de aprovação. Alguns exemplos são: a escolha do gestor profissional para as decisões de investimentos financeiros e a definição do perfil de risco das aplicações (perfil conservador, moderado ou agressivo). Os três cotistas deverão deliberar juntos.
A retirada de recursos funciona da mesma forma: os cotistas precisam votar em assembleia se querem que parte do dinheiro investido no fundo seja transferido para as pessoas físicas. Para essa votação, é possível definir qual o quórum (ou maioria) necessário para aprovar a retirada. Além disso, no fundo fechado não existe retirada individual ou desproporcional. Todos os cotistas recebem recursos juntos, conforme a proporção das cotas que possuem.
No exemplo acima do casal que deseja doar recursos aos três filhos para que eles invistam juntos, se houver um fundo de investimento e se o quórum necessário para retirar recursos do fundo for de 75%, sempre será necessário que os três filhos estejam de acordo.
Mecanismos como esse dos fundos de investimento são simples e atendem, em boa medida, ao objetivo de governança familiar de controle do dinheiro. Além disso, na parte tributária, o fundo de investimento é mais eficiente do que uma empresa. O fundo pode ser isento de imposto de renda ou pagar uma alíquota média de 15% sobre os rendimentos financeiros, enquanto os investimentos feitos por uma empresa estarão sujeitos à tributação regular de pessoas jurídicas, com carga tributária total de, no mínimo, 34%.
Vejamos mais um exemplo. Imagine uma outra família em que uma mulher de 65 anos tem um filho de 40 anos do primeiro casamento. Ela se divorciou há muitos anos e possui um segundo relacionamento, uma união estável. Dessa união, ela tem um segundo filho, que hoje tem 30 anos.
O filho do primeiro casamento não tem uma boa relação com o padrasto e com o "meio-irmão". Uma situação comum nesse formato familiar. A mãe possui alguns imóveis em seu nome e está preocupada com possíveis conflitos na divisão de bens entre companheiro e filhos, caso ela faleça.
Esse é um caso que demanda uma análise ampla e, provavelmente, uma combinação de instrumentos e estratégias sucessórias. Para esse exemplo, entretanto, vamos focar na doação em vida. A mãe poderia doar 100% de um imóvel para o primeiro filho, garantindo que ele não seja coproprietário junto ao padrasto e ao "meio-irmão". Em paralelo, outros bens podem ser doados ao companheiro e ao segundo filho, pois eles possuem um bom relacionamento (como pai e filho) e poderiam ser cotitulares de um ativo.
A doação nesse caso é uma estratégia simples que evita conflitos e questões de governança no futuro. Na sucessão, no futuro, o bem doado não entra em inventário, pois a titularidade já foi transferida aos herdeiros. Além disso, ao individualizar ativos para herdeiros específicos, evitamos que familiares que não se relacionam bem precisem tomar decisões juntos sobre o patrimônio.
Por fim, atos em vida também possuem a vantagem de o "dono do patrimônio" estar presente. Há um peso moral importante e, pela hierarquia da família, se houver qualquer conflito ou descontentamento entre os envolvidos, essa pessoa, que é o "elo" entre os demais membros familiares, está presente para resolver.
Os casos acima retratam a nossa experiência prática sobre as necessidades mais comuns das famílias investidoras. O papel do Multi Family Office é ajudar a família a identificar demandas de governança, as alternativas de soluções disponíveis e os profissionais necessários para definir e executar um plano de ação. A atuação preventiva, antes que ocorram problemas e conflitos, é fundamental para a manutenção e crescimento do patrimônio.
Seja em casos simples ou em necessidades mais complexas, estamos sempre próximos e disponíveis para ajudar as famílias no que for necessário. Existe, sim, uma "receita de bolo" para governança dos ativos, e ela é a customização. Ter o apoio de um Multi Family Office na organização e condução do processo garante ritmo constante nos trabalhos e melhor organização da família.
*Victória M. V. Tenório de Siqueira é Head de Wealth Planning na Portofino MFO, advogada formada pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Possui certificação CPA-20 e pós-graduação em General Business pela University of California de Los Angeles (UCLA).