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Por que o gringo está investindo no Brasil?

"Lá fora, o investidor olha o Brasil e todos os demais países com distanciamento [...] em busca da melhor relação retorno/risco possível"

(Leonidas Santana/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 14 de fevereiro de 2022 às 14h25.

Por Maria Cláudia Guimarães*

Para entender o fluxo de capitais é preciso se desvencilhar um pouco das questões internas e olhar o quadro global. Isso porque, lá fora, o investidor olha o Brasil e todos os demais países com distanciamento, sempre dentro de um contexto global, sempre em termos relativos, e em busca da melhor relação retorno/risco possível.

O planeta movimenta cerca de USD 1 trilhão por dia. É tudo muito fluido. A entrada no Brasil de R$ 40.8 bilhões nos primeiros 39 dias do ano é uma migalha que, dada a nossa vulnerabilidade, faz muita diferença por aqui. Basta meia dúzia de hedge funds pesados, com time especializado no Brasil, decidirem mandar dinheiro para cá, que já temos um grande efeito interno. Mas assim como entra com facilidade, sai com facilidade. O tempo de permanência desse capital dependerá do reposicionamento do mercado financeiro global ao longo do tempo.

Essa entrada de recursos que já ocorre desde o 2º semestre de 2021 e está ocorrendo mais fortemente neste início de ano, se dá porque o Brasil está relativamente adiantado na execução de uma política monetária contracionista. Iniciamos o processo de subida de juros em março/2021, saindo de 2%, chegando hoje a 10,75% e ainda com perspectiva de ir a 11,75%/12,5%. Alta colossal, vertiginosa. Enquanto isso, os principais mercados financeiros do mundo estão para subir suas taxas de juros e fazer o dever de casa que aqui no Brasil já estamos terminando. Ainda não domamos a inflação porque a transmissão da política monetária aos preços leva um tempo. Mas já derrubamos a nossa bolsa e já desvalorizamos a nossa moeda alguns meses.

O Reino Unido iniciou o movimento de alta em dezembro/21 e até a presente data subiu módicos 0,40%; os Estados Unidos estão para iniciar em março e o Canadá ainda nada. E os nossos pares emergentes? Esses, além de atrasados no processo, estão, por questões diversas, bem pior posicionados que o Brasil. A Rússia na iminência de uma guerra, a Turquia um navio sem rumo, a China ainda equacionando a crise do setor imobiliário. O México começou a subir juros em junho/21, mas está no patamar de 6%.

É aí que chega a vez do Brasil. Nós, brasileiros, ficamos contaminados pelo noticiário local, que nos chama a atenção para as reais idiossincrasias do dia-a-dia político de Brasília. Crise entre os três poderes, precatórios, mudança do cálculo do teto de gastos, orçamento fantasma, greves, eleições, negociatas parlamentares, corrupção e, mais recentemente, a PEC kamikaze. Mas, a despeito de tudo que temos de ruim na frente política, é fato que o Brasil está com superávit fiscal, possui elevadas reservas internacionais e conseguiu reduzir um pouco o peso do funcionalismo público. Temos um sistema financeiro saudável e as grandes empresas brasileiras estão bem capitalizadas e baratas. Nossa bolsa é fortemente vinculada a commodities que estão em alta, e nesse momento global de troca de Growth por Value, o Brasil oferece boas opções de investimento. Somos um país com possibilidade de bom posicionamento em ESG e a eleição que teremos este ano, ao que tudo indica, se dará entre dois candidatos já conhecidos pelo mercado. Sem querer aqui fazer qualquer juízo de valor, o mercado de uma forma geral prefere o conhecido ao desconhecido.

Isso tudo quer dizer que estávamos todos muito enganados quando em dezembro projetávamos um ano difícil para Brasil, que perderia capital para os países desenvolvidos quando estes começassem a subir suas taxas de juros? O que mudou nos fundamentos brasileiros de dezembro para cá? Nada, absolutamente nada. Mas lá fora, algumas coisas importantes aconteceram, sendo a principal delas a mudança de postura do FED, cada vez mais hawkish, e a crença do mercado de que, diferentemente de períodos anteriores de subida de juros, desta vez o processo não será suave.

Mas se um FED mais Hawkish significa mais aumento de juros lá fora e enxugamento da liquidez global, isso não significaria fuga de capitais do Brasil?  Ainda não, porque o diferencial de juros está enorme. Ainda que o FED aumente a taxa básica para 2.5%, estaremos com diferencial de 10% na renda fixa e com uma bolsa muito desvalorizada. Sem falar que, nesse processo de alta de juros, tanto a renda fixa quanto o equity lá fora terão forte volatilidade. Enquanto esses diferenciais existirem, o capital que entrou vai ficando e ainda se beneficia da valorização do Real. Mas, assim que houver outro movimento mais adequado a fazer, esse capital sai. Há anos assistimos a esse entra e sai. E a dúvida é sempre o tempo de permanência.

Apesar de estarmos adiantados no aperto monetário global e melhor posicionados que nossos pares para atrair capital, estamos longe de estar bem. O PIB deste ano será pífio, continuamos com um tamanho de Estado que corrói a economia e com estatais que emperram o desenvolvimento do país. Seguimos como um país corrupto, com uma moeda extremamente volátil e, portanto, continuaremos à mercê do entra e sai de capitais no país

*Maria Cláudia Guimarães, CGA é sócia do Multi Family Office KPC Consultoria Financeira Ltda .

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Por Maria Cláudia Guimarães*

Para entender o fluxo de capitais é preciso se desvencilhar um pouco das questões internas e olhar o quadro global. Isso porque, lá fora, o investidor olha o Brasil e todos os demais países com distanciamento, sempre dentro de um contexto global, sempre em termos relativos, e em busca da melhor relação retorno/risco possível.

O planeta movimenta cerca de USD 1 trilhão por dia. É tudo muito fluido. A entrada no Brasil de R$ 40.8 bilhões nos primeiros 39 dias do ano é uma migalha que, dada a nossa vulnerabilidade, faz muita diferença por aqui. Basta meia dúzia de hedge funds pesados, com time especializado no Brasil, decidirem mandar dinheiro para cá, que já temos um grande efeito interno. Mas assim como entra com facilidade, sai com facilidade. O tempo de permanência desse capital dependerá do reposicionamento do mercado financeiro global ao longo do tempo.

Essa entrada de recursos que já ocorre desde o 2º semestre de 2021 e está ocorrendo mais fortemente neste início de ano, se dá porque o Brasil está relativamente adiantado na execução de uma política monetária contracionista. Iniciamos o processo de subida de juros em março/2021, saindo de 2%, chegando hoje a 10,75% e ainda com perspectiva de ir a 11,75%/12,5%. Alta colossal, vertiginosa. Enquanto isso, os principais mercados financeiros do mundo estão para subir suas taxas de juros e fazer o dever de casa que aqui no Brasil já estamos terminando. Ainda não domamos a inflação porque a transmissão da política monetária aos preços leva um tempo. Mas já derrubamos a nossa bolsa e já desvalorizamos a nossa moeda alguns meses.

O Reino Unido iniciou o movimento de alta em dezembro/21 e até a presente data subiu módicos 0,40%; os Estados Unidos estão para iniciar em março e o Canadá ainda nada. E os nossos pares emergentes? Esses, além de atrasados no processo, estão, por questões diversas, bem pior posicionados que o Brasil. A Rússia na iminência de uma guerra, a Turquia um navio sem rumo, a China ainda equacionando a crise do setor imobiliário. O México começou a subir juros em junho/21, mas está no patamar de 6%.

É aí que chega a vez do Brasil. Nós, brasileiros, ficamos contaminados pelo noticiário local, que nos chama a atenção para as reais idiossincrasias do dia-a-dia político de Brasília. Crise entre os três poderes, precatórios, mudança do cálculo do teto de gastos, orçamento fantasma, greves, eleições, negociatas parlamentares, corrupção e, mais recentemente, a PEC kamikaze. Mas, a despeito de tudo que temos de ruim na frente política, é fato que o Brasil está com superávit fiscal, possui elevadas reservas internacionais e conseguiu reduzir um pouco o peso do funcionalismo público. Temos um sistema financeiro saudável e as grandes empresas brasileiras estão bem capitalizadas e baratas. Nossa bolsa é fortemente vinculada a commodities que estão em alta, e nesse momento global de troca de Growth por Value, o Brasil oferece boas opções de investimento. Somos um país com possibilidade de bom posicionamento em ESG e a eleição que teremos este ano, ao que tudo indica, se dará entre dois candidatos já conhecidos pelo mercado. Sem querer aqui fazer qualquer juízo de valor, o mercado de uma forma geral prefere o conhecido ao desconhecido.

Isso tudo quer dizer que estávamos todos muito enganados quando em dezembro projetávamos um ano difícil para Brasil, que perderia capital para os países desenvolvidos quando estes começassem a subir suas taxas de juros? O que mudou nos fundamentos brasileiros de dezembro para cá? Nada, absolutamente nada. Mas lá fora, algumas coisas importantes aconteceram, sendo a principal delas a mudança de postura do FED, cada vez mais hawkish, e a crença do mercado de que, diferentemente de períodos anteriores de subida de juros, desta vez o processo não será suave.

Mas se um FED mais Hawkish significa mais aumento de juros lá fora e enxugamento da liquidez global, isso não significaria fuga de capitais do Brasil?  Ainda não, porque o diferencial de juros está enorme. Ainda que o FED aumente a taxa básica para 2.5%, estaremos com diferencial de 10% na renda fixa e com uma bolsa muito desvalorizada. Sem falar que, nesse processo de alta de juros, tanto a renda fixa quanto o equity lá fora terão forte volatilidade. Enquanto esses diferenciais existirem, o capital que entrou vai ficando e ainda se beneficia da valorização do Real. Mas, assim que houver outro movimento mais adequado a fazer, esse capital sai. Há anos assistimos a esse entra e sai. E a dúvida é sempre o tempo de permanência.

Apesar de estarmos adiantados no aperto monetário global e melhor posicionados que nossos pares para atrair capital, estamos longe de estar bem. O PIB deste ano será pífio, continuamos com um tamanho de Estado que corrói a economia e com estatais que emperram o desenvolvimento do país. Seguimos como um país corrupto, com uma moeda extremamente volátil e, portanto, continuaremos à mercê do entra e sai de capitais no país

*Maria Cláudia Guimarães, CGA é sócia do Multi Family Office KPC Consultoria Financeira Ltda .

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