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O impacto do custo energético na inflação

"Como sabemos, a energia permeia toda a economia, é o motor do mundo. Hoje, essa energia é predominantemente fóssil"

 (./Getty Images)
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Panorama Econômico

Publicado em 16 de novembro de 2021 às, 18h29.

Última atualização em 17 de novembro de 2021 às, 14h18.

Por Maria Cláudia Guimarães*

A semana passada foi repleta de dados preocupantes sobre a inflação no mundo. Nos Estados Unidos, o CPI de 0,88%, em outubro, acumulou alta de 6,24% no ano. Na China, o PPI de 2,53%, em outubro, acumulou alta de 7,3% no ano. Na Europa, o CPI de 0,9% acumulou alta de 4,1% no ano. E no Brasil, o IPCA de 1,25% acumulou alta de 8,24% no ano.

Inflação é sempre um assunto que gera temor, principalmente nos países que já experimentaram o descontrole inflacionário, como a Alemanha após a 1ª Guerra Mundial (21% ao dia), os Estados Unidos em 1979 (13,29% aa) e o Brasil durante a década de 80 e início da década de 90, chegando ao pico em 1993 (2.477%). Mas cada descontrole teve suas particularidades. Afinal, a história normalmente se repete, mas nunca integralmente.

Muitos se perguntam se essa inflação de agora será parecida com a dos anos 70 nos Estados Unidos, quando o preço do petróleo disparou de USD1,80/barril em 1970 a USD10/barril em 1974, chegando a USD20 em 1979 e a USD39 no início de 1981. Bem diferente, por enquanto, do que está acontecendo hoje. O preço do petróleo, que estava em USD66 antes da pandemia, hoje está em USD84. Podemos ver o petróleo subir muito mais agora? Podemos, mas isso só acontecerá se governos, órgãos multilaterais e líderes empresariais globais não tiverem competência para administrar a transição energética das energias fósseis para as energias limpas, uma mudança necessária e complexa.

Como sabemos, a energia permeia toda a economia, é o motor do mundo. Hoje, essa energia é predominantemente fóssil, simplesmente porque, entre as fontes disponíveis, é a mais mais eficiente, a mais barata. Como diz Bill Gates em seu excelente livro "How to Avoid a Climate Disaster", petróleo custa bem menos que Coca-Cola. É barato assim porque a degradação do meio ambiente nunca foi precificada. Não fosse a questão climática, o petróleo – que foi o sustentáculo do crescimento espetacular que vivemos do final do século XIX até os dias de hoje – se perpetuaria até que surgisse uma fonte alternativa mais barata. Mas a questão climática, que já é debatida há décadas, precipitou, com mais força agora, a necessidade de se computar o custo ambiental e buscar uma alternativa, ainda que mais cara.

A humanidade já passou por várias transformações e uma certeza que temos é que o mundo muda o tempo todo. Mas essa transição energética que temos pela frente é diferente. Ela começou de forma sutil. O tempo foi passando sem que muito tenha sido feito e agora devemos compulsoriamente buscar soluções muito complexas em um contexto emergencial. Não tenho conhecimento de nenhuma mudança global e urgente dessa magnitude.

O desafio já começa na própria coordenação, já que não existe hoje um coordenador, um presidente global. O capital (vilão para uns, admirado por outros) terá que fazer esse papel, apoiando a pesquisa, o desenvolvimento e a implementação das novas tecnologias, exigindo dos governos uma regulamentação adequada e coordenada entre todos os países, demandando das empresas e dos indivíduos condutas consistentes com a transição pretendida e, sobretudo, garantindo a perenidade do fornecimento energético durante a transição.

Neste último ponto, é fundamental que as empresas petroleiras não sejam rejeitadas pelos defensores do meio ambiente, mas sim inseridas como principais parceiras nesse processo. Será caro, demandará investimento vultoso (alguns trilhões de dólares por ano), deverá ser financiado por governos, empresas e indivíduos e, provavelmente, aumentará o déficit público e o endividamento do setor privado.

Nessa transição, a inflação global que hoje vivemos pode ser aliviada no que tange à normalização das cadeias de suprimento, mas o déficit público e o custo da energia vão continuar pressionando até que se descubra uma alternativa energética mais barata que o petróleo. Essa pressão inflacionária será tão maior quanto mais displicente for o tal coordenador (o capital) em relação às fontes baratas hoje disponíveis. Assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra, é melhor que o uso do petróleo e carvão não acabe por falta de petróleo e carvão. O que temos experimentado nos últimos meses dá uma boa ideia do quão caótico isso seria.

Não temos como saber o que o futuro nos reserva. Outro dia, assisti novamente ao filme Blade Runner (lançado em 1981, projetando o mundo em 2019). Carros voadores, pessoas folheando jornais, nenhuma internet, nenhum smartphone. Então, sem ousar prever o futuro, chuto que a transição energética será longa, difícil e cara (pelo menos na sua fase inicial), mas com resultado muito positivo para a humanidade.

Com base no exposto, é preciso ter muita atenção com a inflação durante o processo de alocação dos portfólios no Brasil e no exterior. Papéis indexados aos índices de preço, imóveis, assim como ativos diretamente atrelados à transição energética, como ações de empresas líderes nesse processo de transição, e commodities ligadas ao green capex, ganham importância.

*Maria Cláudia Guimarães, CGA, é sócia do multi-family office KPC Consultoria Financeira Ltda.