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O pico do petróleo e a transição energética

O petróleo e a humanidade tiveram um casamento longevo e (não tão) feliz, mas talvez esteja na hora de pensar em divórcio

The Finding of Moses, pintura de Lawrence Alma-Tadema, de 1904. Domínio Público. O cesto no qual Moisés foi depositado no Nilo também foi coberto por betume e piche (Wikimedia/Reprodução)
The Finding of Moses, pintura de Lawrence Alma-Tadema, de 1904. Domínio Público. O cesto no qual Moisés foi depositado no Nilo também foi coberto por betume e piche (Wikimedia/Reprodução)

Por Guilherme Lisbão*

O MELHOR AMIGO DO HOMEM

Há mais de quatro mil anos, as paredes e torres da Babilônia foram construídas com um asfalto natural, que os habitantes daquele lugar encontraram nos bancos de um dos rios tributários do Eufrates. Foi assim que narrou Heródoto, o famoso historiador grego.

A relação da humanidade com o petróleo e outros combustíveis fósseis, portanto, não é de hoje. Os chineses também, à mesma época, já utilizavam petróleo bruto como combustível para suas lâmpadas de bronze. Séculos depois, eles construíram os primeiros gasodutos – de bambu (!) – para conectar poços de gás natural com campos de salmoura, para a produção de sal.

Se não é recente a descoberta do petróleo e seus derivados pela sociedade, não podemos dizer o mesmo da dependência que criamos destas moléculas. Esse ciclo começou por volta de 1850, quando um químico inglês descobriu um vertedouro de óleo bruto em uma antiga mina de carvão. A primeira refinaria petrolífera seria construída seis anos mais tarde, e o emprego do petróleo passaria a ampliar vertiginosamente desde então.

Seu consumo é destinado aos mais diversos usos: produção de combustíveis, plásticos, asfaltos, lubrificantes, ceras, entre muitos outros subprodutos. No mundo moderno, a presença dos derivados do petróleo é universal.

Paralelamente à constatação de nossa dependência total do petróleo, veio a ansiedade: se as reservas fósseis são finitas, será que um dia elas não estarão esgotadas?

“PEAK OIL”

Em 1919, o geólogo chefe do Serviço Geológico dos Estados Unidos apontou: “...o pico de produção logo será atingido, possivelmente em até três anos”. Compartilhando de um sentimento com o qual qualquer observador dos mercados poderá se identificar, sua previsão provou-se equivocada. Os alertas quanto ao “pico do petróleo” – o temido momento a partir do qual a produção de petróleo iria começar a declinar – foram feitos inúmeras vezes nas décadas subsequentes.

Predição de Hubbert sobre a produção de petróleo nos Estados Unidos, feita em 1956 (em vermelho), contra a produção realizada (em verde), até 2016. (Wikimedia/Reprodução)

“Fazer previsões é muito difícil, particularmente se forem sobre o futuro”. (Niels Bohr)

As previsões de declínio no uso dos derivados fósseis sempre foram feitas pela ótica da oferta. Afinal de contas, conforme o mundo se enriqueceu, a demanda por petróleo nunca deixou de crescer. Os geólogos analisavam as reservas de petróleo disponível, seu gradual esgotamento e estimavam uma

data para o fim: ou quando as reservas fossem esvaziadas, ou a partir de quando a extração se tornaria tão custosa que ficaria economicamente inviável.

O desenvolvimento de tecnologias inovadoras, no entanto, assim como a descoberta de novas reservas, acabou frustrando paulatinamente os mais céticos. A produção de petróleo não caiu e nem estagnou, mas cresceu. A descoberta do Pré-Sal no Brasil, assim como a revolução do óleo de xisto, nos Estados Unidos, são exemplos claros de reservas relevantes – e economicamente viáveis – que foram introduzidas nos últimos quinze anos.

Se parece que o “pico do petróleo” não será introduzido pela ótica da oferta, cabe analisarmos o mercado pela ótica da demanda. A busca por tecnologias mais limpas e menos carbono-intensivas vêm, há anos, alterando as perspectivas para o consumo de combustíveis fósseis. Considerando os programas atuais de incentivo a tecnologias de baixo carbono, a Agência Internacional de Energia (AIE) já prevê que a demanda por petróleo irá atingir seu pico ainda nesta década. Com metas de redução de emissões mais agressivas, isso poderia até acontecer mais cedo, ou mais velozmente.

Talvez desta vez os analistas estejam otimistas demais. Uma queda na demanda de petróleo provocada pelo uso de outras tecnologias em países desenvolvidos poderia provocar uma queda de preço suficiente para interromper a adoção de tecnologias mais limpas – e mais caras – por países menos desenvolvidos. O espaço para queda nos preços, afinal de contas, é muito grande. Enquanto o preço do barril de petróleo está hoje por volta de 90 USD, o custo marginal de extração do petróleo do Pré-Sal, por exemplo, é de menos de 4 USD, desconsiderando frete e royalties governamentais.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E OPORTUNIDADES

Para além das consequências ambientais e climáticas, reduzir a dependência dos derivados de petróleo é salutar e estratégico para a maior parte dos países. Esse movimento é comumente chamado de “transição energética”. Mais recentemente, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo tem conseguido demonstrar sua capacidade de controlar a produção e elevar os preços, prejudicando o combate à inflação. No ano passado, a Europa também teve sua resiliência testada diante dos cortes de oferta de gás russo para o velho continente.

O Brasil está em um momento favorável. Para além da robusta produção de petróleo – a AIE estima que a produção marginal brasileira nos próximos anos apresentará o segundo maior crescimento, com 1 milhão de barris de petróleo por dia a mais, logo atrás dos Estados Unidos – o país detém reservas importantes de minerais essenciais para a transição energética, como cobre, lítio e níquel.

Algumas empresas têm se provado capazes de abraçar a oportunidade, e estão abertas aos investidores brasileiros. A Aura Minerals (AURA32), listada há alguns anos na B3, explora cobre (e ouro) no Brasil. A Sigma Lithium (S2GM34), cuja BDR passou a ser negociada há algumas semanas, promoveu uma verdadeira revolução no Vale do Jequitinhonha, inaugurando o caminho para tornar a região, uma das mais pobres do país, no Vale do Lítio.

O petróleo, desde mais ou menos 1900, foi um dos melhores amigos do homem. Mas talvez a relação tenha se tornado tóxica demais e seja o momento de repensarmos essa relação.

*Guilherme Lisbão é analista da EOS Investimentos com foco em Renda Variável. Iniciou sua carreira em 2010 no Safra Asset Management. É bacharel em administração de empresas pela FEA-USP.