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O Fed e a escolha de Sofia

Carlos Henrique Chaves Pessoa traça paralelos com o bestseller e o cenário macroeconômico

Fed: bancos centrais no mundo têm uma escolha semelhante da Meryl Streep no filme “A escolha de Sofia”. (Stefani Reynolds / Bloomberg/Getty Images)
Fed: bancos centrais no mundo têm uma escolha semelhante da Meryl Streep no filme “A escolha de Sofia”. (Stefani Reynolds / Bloomberg/Getty Images)

Por Carlos Henrique Chaves Pessoa*

No fim dos anos 70, o livro “A escolha de Sofia” fez grande sucesso e recebeu o prêmio National Book Award de 1980 como melhor livro de ficção daquele ano. Dois anos depois, a obra foi gravada nos cinemas e foi vencedora de alguns prêmios importantes, como o Oscar. A premiada atriz Meryl Streep, ganhou o prêmio de melhor atriz por sua performance nessa obra. No drama, ela interpreta uma prisioneira judaica com os seus dois filhos vivendo no campo de concentração de Auschwitz. De uma forma bem resumida, o filme relata a história de um oficial nazista, que a obriga escolher pela vida de apenas um dos dois filhos. Caso ela não escolhesse um deles, os dois seriam mortos. Essa terrível escolha ficou eternizada nos cinemas como “A escolha de Sófia”.

O mundo desenvolvido vem passando por um período inflacionário muito sério. Esse problema não foi criado agora, tem origens no rescaldo da crise do subprime de 2008/2009. Os bancos centrais mundo afora praticaram uma forte política expansionista desde então. O objetivo era promover uma recuperação da crise e crescimento econômico. De um lado tínhamos um juro muito baixo e os bancos centrais, principalmente o Fed (Banco central americano), comprando ativos no mercado e inflando o seu balanço. O Ecb (Banco central europeu) também fez o mesmo, assim como os bancos centrais das demais principais economias do mundo. Nesses anos, os países desenvolvidos encararam período de grandes déficits orçamentários, na busca de se apoiar uma recuperação mundial.

Esse fenômeno global de afrouxamento monetário foi chamando de quantative easing. De lá para cá, esse forte apoio monetário, juros baixos e as compras dos bancos centrais provocaram uma forte valorização de ativos. No mundo desenvolvido, o nível de alavancagem é maior que aqui no Brasil. Se os ativos em sua carteira de investimentos valem mais, você também pode alavancar/endividar mais, gerando consumo e, consequente crescimento econômico.  Esse é um dos motivos que o mundo viu uma escalada nos preços dos ativos, principalmente imóveis e ações.

Para piorar esse quadro, em 2020, tivemos a pandemia do COVID-19. Banco centrais reduziram mais juros, compraram mais ativos e os países geraram mais déficits, expandindo os seus gastos com auxílios e bolsas. Poucas vezes na história vimos tanta expansão monetária e em tão pouco tempo. A pandemia ainda trouxe alguns agravantes como desabastecimento de vários produtos devido a paralização das cadeias de produção. A gigante asiática China ainda permaneceu o ano passado inteiro com restrições nas suas cadeias de produção, complicando a oferta de bens básicos e industriais. A gota d’água foi a guerra na Europa, iniciada no começo do ano passado a Rússia invade a Ucrânia. A Rússia como a Ucrânia são exportadoras de commodities e energia, a guerra provocou um grande choque no preço de energia na Europa e no preço de commodities no mundo.

Todos esses eventos provocaram um fenômeno que o mundo desenvolvido não via há muitos anos: inflação fora do controle. A Europa, assim como os EUA, chegou a taxas de inflação de dois dígitos ao longo do ano passado e ainda permanecem muito acima das metas de inflação estabelecidas pelos bancos centrais. Tudo isso gerou uma crescente de insatisfação popular e questionamentos dos governos atuais. No Reino Unido tivemos algumas trocas de primeiro-ministro, na França a direita conservadora quase ganhou a eleição, na Alemanha o partido conservador cristão deixou a cadeira e nos EUA, vimos o partido democrata ganhar uma eleição, que era praticamente perdida antes do COVID-19.

Ao longo do ano passado, os bancos centrais começaram a fazer o seu trabalho esperado. Tivemos um intenso aumento de juros, onde os juros saíram de 0% ao ano e já estamos próximos de 5% ao ano nos EUA e de 4% na Europa. Tivemos a reversão dos balanços dos bancos centrais. O Fed começou a vender os ativos comprados para desalavancar o seu balanço e o Ecb fez o mesmo. Todo esse movimento indicava que caminhávamos para uma taxa terminal de 6% ao ano nos EUA e 5% na Europa, além de uma venda de mais de U$ 2 trilhão de ativos. O foco era o combate contra a inflação e para o atingimento da meta inflacionária de 2% ao ano.

No começo de março desse ano, tudo corria bem, até que alguns bancos de menor porte nos EUA e o Credit Suisse na Suíça ligaram o sinal de alerta. Tivemos a quebra do Silicon Valley Bank, de outros menores nos EUA e a intervenção no Credit Suisse. O problema era as perdas da marcação à mercado dos títulos nos balanços desses bancos. Para compor os balanços, os bancos possuem títulos de tesouro americano e europeus em sua tesouraria. Os bancos americanos possuem em média 20% dos seus ativos em treasuries americanos/europeus de longo prazo. Alguns casos extremos, possuem em tesouraria mais que de 50% nessa classe de ativos. Como era o caso do Silicon Valley Bank, que possuía 60% em títulos longos da dívida americana.

O aumento de juros interfere demais quem comprou um título pré-fixado com uma taxa magra. Com o aumento de juros, esses bancos sofreram fortes perdas, vou tentar explicar de uma forma simples:

Eles possuíam títulos que pagavam apenas 2% ao ano para o prazo de 20 anos e hoje esse título paga 4%, o título que eles compraram, gerando um prejuízo de 40% em seu balanço (2% de diferença x 20 anos de prazo). Se o banco detinha 60% de seu patrimônio líquido nessa classe de ativos, eles viram acontecer uma perda de 60% x 40% de perdas, ou seja, 24% dos ativos desse banco foram pulverizados. Se justificando a corrida bancária que vimos em março.

Os bancos centrais no mundo têm uma escolha semelhante da Meryl Streep no filme “A escolha de Sofia”, de um lado uma inflação alta e persistente, de outro lado, a segurança do sistema financeiro. A percepção geral é que a escolha está feita, teremos um arrefecimento no aperto monetário. O Feb e Ecb não deverão aumentar muito mais os juros e a venda de ativos devem ser interrompidas ou fortemente diminuídas. Para compensar isso tudo, devemos ter os juros nos EUA a 5% ao ano e na Europa a 4% ao ano por mais tempo. O choque será mais brando e gradual, por outro lado, cortes nos juros só devem ser esperados no ano que vem e se acontecer a tão esperado arrefecimento da inflação.

*Carlos Henrique Chaves Pessoa é fundador, Gestor de Recursos e CEO da Vêneto Asset Management.