O desafio de investir em juros pré-fixados no Brasil
Como a política monetária e fiscal influenciam as oportunidades de investimento
Panorama Econômico
Publicado em 2 de setembro de 2024 às 08h00.
Última atualização em 3 de setembro de 2024 às 10h56.
Por Helder Bassi*
Nos últimos meses, o Banco Central do Brasil (BC) vinha seguindo um plano claro de redução das taxas de juros. As previsões indicavam uma taxa Selic em torno de 9% até o final deste ano, já que a inflação, embora lentamente, caminhava em direção ao centro da meta de 3%. A expectativa, tanto do BC quanto dos analistas de mercado, era de uma desaceleração da economia brasileira, o que permitiria uma queda consistente da Selic e, consequentemente, uma redução generalizada na curva de juros.
Contudo, dois fatores principais impediram essa trajetória de queda: o ritmo da atividade econômica e as incertezas fiscais.
A economia brasileira não desacelerou como previsto, interrompendo o ciclo de cortes na Selic e impedindo a redução da parte mais curta da curva de juros. Agora, o BC se vê diante de uma decisão crucial na próxima reunião do Comitê de Política Monetária: voltar a elevar a taxa Selic. Mas por que aumentar os juros se a inflação está "baixa", em torno de 4%, e a Selic ainda se mantém em patamares de dois dígitos, atualmente em 10,50%? Não seria isso suficiente?
Apesar do tempo de defasagem entre as ações do BC e seus efeitos na economia, se os juros fossem suficientemente altos, o ritmo da atividade já deveria estar mostrando sinais de desaceleração. O que observamos, no entanto, é o oposto. Indicadores de aquecimento econômico, como as revisões positivas do PIB, a taxa de desemprego em seu menor nível em 10 anos e o crescimento contínuo do crédito bancário, indicam que a economia segue robusta.
Esse desempenho é atribuído, em grande parte, à forte demanda interna, impulsionada pelo consumo das famílias, reforçado pelas transferências governamentais, como a Previdência, o Benefício de Prestação Continuada e o Bolsa Família. Essas políticas refletem a crença de que os gastos públicos são cruciais para promover o crescimento econômico.
No entanto, esse impulso econômico traz consigo o desafio de controlar a inflação, que, embora moderada, ainda se mantém acima da meta de 3% estipulada pelo governo. Para alinhar a inflação à meta, o BC deve considerar um aumento da Selic, que poderia moderar o crescimento econômico e ajustar as expectativas dos agentes, trazendo a inflação para mais próximo do alvo. Esse cenário de incerteza sobre os próximos passos da política monetária impacta diretamente a parte "curta" da curva de juros, tornando a vida do investidor em pré-fixados mais desafiadora.
Além das preocupações de curto prazo, as incertezas em torno da atual política fiscal também pesam nas expectativas de longo prazo. O crescimento dos gastos públicos a um ritmo superior ao do PIB resulta em uma deterioração constante da relação dívida/PIB, indicador crucial para o mercado financeiro ao avaliar a capacidade de um país em honrar suas dívidas. Como as projeções dessa relação só crescem, aumenta o risco percebido de inadimplência, forçando os credores a exigir taxas mais altas para emprestar ao Tesouro brasileiro. Essa dinâmica explica por que as taxas longas insistem em não cair.
Em resumo, acreditamos que as taxas curtas não devem cair, por enquanto, devido à provável alta da Selic, e que as taxas longas permanecerão elevadas em função das incertezas fiscais. Qual seria, então, a melhor estratégia?
A melhor abordagem é a cautela. Com um horizonte incerto para os juros, o mercado local pode enfrentar maior aversão ao risco e variações bruscas nos preços dos ativos. No entanto, esse cenário pode abrir oportunidades para investir em taxas pré-fixadas com prêmios mais ajustados aos riscos.
No mundo dos investimentos, a paciência costuma trazer bons resultados.
* Helder Bassi, administrador de empresas formado pela FGV-SP, atuou nas tesourarias do Banco Votorantim e do Banco ING, foi gestor na Votorantim e Persevera Asset Management. Possui certificação CGA e atua desde 1994 no mercado financeiro. Atualmente, Helder é Partner and Head of Investments da Est.
Por Helder Bassi*
Nos últimos meses, o Banco Central do Brasil (BC) vinha seguindo um plano claro de redução das taxas de juros. As previsões indicavam uma taxa Selic em torno de 9% até o final deste ano, já que a inflação, embora lentamente, caminhava em direção ao centro da meta de 3%. A expectativa, tanto do BC quanto dos analistas de mercado, era de uma desaceleração da economia brasileira, o que permitiria uma queda consistente da Selic e, consequentemente, uma redução generalizada na curva de juros.
Contudo, dois fatores principais impediram essa trajetória de queda: o ritmo da atividade econômica e as incertezas fiscais.
A economia brasileira não desacelerou como previsto, interrompendo o ciclo de cortes na Selic e impedindo a redução da parte mais curta da curva de juros. Agora, o BC se vê diante de uma decisão crucial na próxima reunião do Comitê de Política Monetária: voltar a elevar a taxa Selic. Mas por que aumentar os juros se a inflação está "baixa", em torno de 4%, e a Selic ainda se mantém em patamares de dois dígitos, atualmente em 10,50%? Não seria isso suficiente?
Apesar do tempo de defasagem entre as ações do BC e seus efeitos na economia, se os juros fossem suficientemente altos, o ritmo da atividade já deveria estar mostrando sinais de desaceleração. O que observamos, no entanto, é o oposto. Indicadores de aquecimento econômico, como as revisões positivas do PIB, a taxa de desemprego em seu menor nível em 10 anos e o crescimento contínuo do crédito bancário, indicam que a economia segue robusta.
Esse desempenho é atribuído, em grande parte, à forte demanda interna, impulsionada pelo consumo das famílias, reforçado pelas transferências governamentais, como a Previdência, o Benefício de Prestação Continuada e o Bolsa Família. Essas políticas refletem a crença de que os gastos públicos são cruciais para promover o crescimento econômico.
No entanto, esse impulso econômico traz consigo o desafio de controlar a inflação, que, embora moderada, ainda se mantém acima da meta de 3% estipulada pelo governo. Para alinhar a inflação à meta, o BC deve considerar um aumento da Selic, que poderia moderar o crescimento econômico e ajustar as expectativas dos agentes, trazendo a inflação para mais próximo do alvo. Esse cenário de incerteza sobre os próximos passos da política monetária impacta diretamente a parte "curta" da curva de juros, tornando a vida do investidor em pré-fixados mais desafiadora.
Além das preocupações de curto prazo, as incertezas em torno da atual política fiscal também pesam nas expectativas de longo prazo. O crescimento dos gastos públicos a um ritmo superior ao do PIB resulta em uma deterioração constante da relação dívida/PIB, indicador crucial para o mercado financeiro ao avaliar a capacidade de um país em honrar suas dívidas. Como as projeções dessa relação só crescem, aumenta o risco percebido de inadimplência, forçando os credores a exigir taxas mais altas para emprestar ao Tesouro brasileiro. Essa dinâmica explica por que as taxas longas insistem em não cair.
Em resumo, acreditamos que as taxas curtas não devem cair, por enquanto, devido à provável alta da Selic, e que as taxas longas permanecerão elevadas em função das incertezas fiscais. Qual seria, então, a melhor estratégia?
A melhor abordagem é a cautela. Com um horizonte incerto para os juros, o mercado local pode enfrentar maior aversão ao risco e variações bruscas nos preços dos ativos. No entanto, esse cenário pode abrir oportunidades para investir em taxas pré-fixadas com prêmios mais ajustados aos riscos.
No mundo dos investimentos, a paciência costuma trazer bons resultados.
* Helder Bassi, administrador de empresas formado pela FGV-SP, atuou nas tesourarias do Banco Votorantim e do Banco ING, foi gestor na Votorantim e Persevera Asset Management. Possui certificação CGA e atua desde 1994 no mercado financeiro. Atualmente, Helder é Partner and Head of Investments da Est.