Colunistas

O capital que não se repõe: o que falta ao mercado brasileiro de Wealth

Por que o verdadeiro valor do patrimônio está na preservação do que não pode ser refeito

PE
Panorama Econômico

Panorama Econômico

Publicado em 23 de julho de 2025 às 09h35.

O que aprendi com Tony Deden

No início da minha jornada profissional no mercado financeiro – entre Asset Management e Wealth Management –, fui apresentado a uma entrevista de Tony Deden, para a Real Vision. Nunca mais esqueci. A clareza com que ele falava sobre capital irreversível – ou, como ele chama, "irreplaceable capital" – moldou muito da minha visão sobre a função fiduciária que carregamos ao cuidar do patrimônio de uma família.

Tony não fala apenas sobre retorno ou performance. Ele fala de legado. De preservar aquilo que não pode ser recuperado, se perdido. É uma filosofia que vai além da gestão de ativos e que, para mim, sempre serviu como um norte: o papel do bom conselheiro não é correr atrás do melhor retorno, mas proteger aquilo que representa décadas – ou gerações – de esforço, suor, risco e sacrifício.

Asset x Wealth: onde está a diferença?

Essa é, talvez, a diferença fundamental entre Asset Management e Wealth Management. A primeira está centrada em produtos, portfólios, índices e rentabilidade. A segunda, em planejamento, preservação e sucessão. E é aí que quero propor uma reflexão: o investimento é importante, claro, mas ele não pode ser o único pilar de proteção patrimonial de famílias que acumularam riqueza ao longo do tempo.

A ilusão da sofisticação

Uma abordagem completa de Wealth envolve muito mais do que uma boa carteira de investimentos. É sobre:

  • Planejamento financeiro de longo prazo;
  • Estruturação de holdings patrimoniais;
  • Gestão de riscos (seguros e blindagem);
  • Planejamento sucessório, com eficiência tributária e respeito à vontade familiar;
  • Estratégia de investimentos internacionais (offshore) – não apenas como diversificação, mas como plataforma global de perpetuação patrimonial.

O Brasil, nesse sentido, ainda engatinha; estamos em uma transição para o foco em planejamento. Fala-se muito de classes de ativos, benchmarks e volatilidade, mas pouco de governança, legado e sucessão. Ainda há timidez quando o tema é sentar com duas ou três gerações de uma mesma família e construir, junto com elas, um plano de vida que transcenda a alocação financeira.

Wealth como necessidade – e não mais luxo

É compreensível. A indústria é jovem. Os profissionais também. Segundo a ANBIMA, o segmento de alta renda e private no Brasil já supera R$ 2,2 trilhões em patrimônio sob gestão (2024). No entanto, a maior parte desse volume ainda está alocada sob uma ótica puramente financeira, com foco em performance e produtos. Um levantamento recente da PwC aponta que apenas 27% dos clientes de alta renda no Brasil possuem um plano sucessório formalizado, e menos de 10% têm estrutura offshore operante.

Além disso, apesar da sofisticação crescente, ainda são poucos os escritórios de Wealth Management que contam com profissionais especializados em planejamento sucessório, tributário ou estruturação patrimonial. A maioria permanece centrada na alocação de ativos – uma herança da lógica de distribuição do passado.

A próxima fronteira do setor

Mas esse é o caminho natural – e inevitável. À medida que o patrimônio se torna mais complexo, ou as famílias se internacionalizam, com filhos estudando fora e pais pensando em sair do Brasil, a abordagem de Wealth deixa de ser luxo e torna-se essencial para quem busca planejamento financeiro de longo prazo.

Se há algo que aprendi com Tony Deden, é que o verdadeiro patrimônio de uma família não está só nos números da conta. Está na história que esses números contam. E proteger essa história exige mais do que gestão de portfólio. Requer visão, responsabilidade e – acima de tudo – respeito por aquilo que não tem reposição.

Sobre o autor

Saulo Godoy é sócio e fundador da Åpen Capital, empresa de Wealth Management. Administrador e consultor CVM, investidor desde 2007, atua no mercado financeiro desde 2019, após passagem por empresas multinacionais como Nestlé, Kimberly-Clark, Red Bull, Johnson & Johnson e MARS. Fundou a Åpen como um Single Family Office em 2019; hoje, atende mais de 400 famílias, com R$ 1,6 bilhão sob aconselhamento, sendo a maior consultoria financeira CVM do Norte-Nordeste, segundo rankings dos principais bancos de investimento.

Acompanhe tudo sobre:Economia