Nível de incerteza impacta os mercados para o bem
Não se pode prever a grande maioria das coisas. Mas, é possível enxergar que o nível de incerteza é relativamente alto e deverá diminuir no médio prazo
Publicado em 3 de outubro de 2022 às, 09h00.
Por Eduardo Scarceli*
A estratégia nos últimos 18 meses foi defensiva. A maioria das alocações foi na renda fixa, em títulos indexados à inflação - bom como proteção inflacionária-, e será também muito positivo (e construtivo) para o portfólio dos investidores no futuro na medida em que se travou um juro real significativamente alto para os próximos anos. Atualmente, o Brasil é um dos raros países do mundo que possui um juro real de 6% acima da inflação. Em comparação a países como Turquia, Rússia e Argentina, apresenta-se como uma das melhores alternativas para investir nessa classe de ativos.
Nos últimos três meses, em reuniões com gestores dos principais fundos de ações da indústria brasileira, percebe-se a possibilidade de reduções de algumas incertezas no cenário local. Isso combinado com excelentes empresas listadas na B3 que estão, se comparadas com seus níveis históricos, muito baratas.
Os preços já vinham sendo descontados desde 2020, quando iniciou a pandemia de COVID-19 e, ainda mais em 2021, com o ciclo de alta de juros no Brasil - o que impactou negativamente os ativos. Diante disso, entre o momento e os preços dos ativos brasileiros na bolsa, o que mudou agora é o momento em que se enxerga uma redução do nível de incertezas no cenário à frente e, portanto, oportunidades em renda variável no Brasil.
Qual era a visão antes e o que aconteceu de um ano para cá?
No início do ano, o mercado e os economistas projetavam um crescimento para o Brasil de 0%. Na realidade, o que deve acontecer é encerrar o ano com um crescimento entre 2,5% e 3% do PIB, além de uma redução significativa da taxa de desemprego (8,9% vs. 11,4% - no período pré-pandemia 2019), um aumento da arrecadação do governo federal (32% de aumento se comparado julho 2022 com julho 2021), melhora da balança comercial, crescimento do varejo e do setor de serviços, outros avanços importantes na economia.
Fora isso, os ativos financeiros vêm sendo descontados pelas três camadas de incerteza que o investidor brasileiro enfrenta, sendo elas:
Qual é o tamanho do desconto e o nível de preços?
Atualmente, o índice Ibovespa é negociado em um múltiplo (preço da ação sobre o lucro) de 7 vezes lucro, enquanto a média histórica é de 11,2 vezes lucro - um desconto de 38%. Se analisarmos por outra ótica que não seja a do índice (peso grande de empresas de commodities, estatais e bancos, que são pior avaliados historicamente), limitando a análise com somente empresas bem geridas e de excelente qualidade operacional, de acordo com o Fundo Squadra, o P/E (índice preço/lucro) da carteira de ações do fundo hoje é de 10,6 vezes lucro, enquanto a média histórica é de 17 vezes lucro. Já o fundo Brasil Capital informou que o dividendo estimado da carteira para esse ano é de 5,6% - historicamente é de 3%.
O que difere o momento atual de um ano atrás?
O momento é diferente de 12 meses atrás, pois o ciclo de alta de juros (Selic) aparentemente já encerrou. Isso no início de 2023, pode precificar um corte de juros para os próximos anos em razão da possível tendência de desaceleração da inflação (vide que o Banco Central do Brasil começou a subir juros exatamente um ano antes dos bancos centrais de países desenvolvidos e pela desaceleração das commodities no exterior). Acontecendo o ciclo de corte de juros, diante de uma política fiscal minimamente responsável, apesar da incerteza política, será muito positivo para as classes de ativos como Bolsa, fundos imobiliários e títulos de renda fixa futuros. E, claro, para a economia real.
Ademais, a partir de novembro, possivelmente terá uma redução da incerteza política com a definição das eleições, independente de quem será o próximo governo. Ao definir o governo e ele apresentar um plano de voo, o nível de incerteza cai, e os agentes financeiros, locais e internacionais, voltam a recompor algumas posições de investimentos.
Por outro lado, a incerteza internacional continua e deverá continuar, especialmente em relação à desaceleração econômica global (EUA, Europa e China). Há a expectativa da inflação global e o aperto monetário dos bancos centrais desenvolvidos (principalmente FED – Banco Central Americano), guerra e outras questões geopolíticas como Taiwan. De todo modo, se o mundo continuar em uma desaceleração e sem uma grande crise econômica, o cenário pode ser positivo para algumas economias, inclusive, para o Brasil.
E como os juros impactam a bolsa?
Disponibilizada em uma reunião com o fundo Constellation, a tabela abaixo mostra que, a cada 1,00% (ou 100bps) de corte na taxa Selic, deverá gerar de impacto positivo em diversos setores da bolsa. Isso ocorrerá por um efeito mecânico, visto que numa metodologia de calcular o valuation das ações, ao se descontar por uma taxa de juros menor (a taxa que desconta o fluxo de caixa futuro projetado), o valor presente da ação deveria ser maior - efeito contrário do que aconteceu em 2020 e 2021.
Já em 2023, com a inflação desacelerando, o BCB deverá promover alguma redução na taxa de juros, e possivelmente maior do que 1%.
*Eduardo Scarceli é sócio fundador do Multi Family Office - Aram Capital, e consultor de valores mobiliários autorizado pela CVM. Com mais de 10 anos de experiência no mercado financeiro, iniciou sua carreira na tesouraria do HSBC e foi Vice-Presidente de Private Banking do Banco Credit Suisse Hedging-Griffo até 2017, onde foi responsável pela gestão e planejamento do patrimônio de famílias clientes do banco. É bacharel em Administração de Empresas pela ESPM, com especialização em Investment Banking pelo Insper e possui certificação CFP®️.