Jerome Powell discursa durante coletiva de imprensa após uma reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) no Federal Reserve (BRENDAN SMIALOWSKI / Colaborador/Getty Images)
Panorama Econômico
Publicado em 22 de setembro de 2025 às 08h44.
Última atualização em 22 de setembro de 2025 às 08h51.
Por Felipe Tizzano*
Nos últimos meses, os mercados financeiros voltaram a encarar uma curva de juros americana mais inclinada. A taxa de juros de 30 anos se elevou, mesmo diante da perspectiva de cortes pelo Federal Reserve. O movimento é um lembrete incômodo de que o problema não está apenas na política monetária de curto prazo, mas sim, no aumento do prêmio de risco, exigido pelos investidores para financiar o governo dos Estados Unidos.
Os juros observados nas Treasuries são nominais e podem ser decompostos em dois componentes principais: Juro real, que representa a remuneração acima da inflação exigida, e a expectativa de inflação, que traduz a visão dos agentes sobre a trajetória futura dos preços. Essa distinção é crucial: quando a expectativa de inflação sobe, o juro nominal de longo prazo precisa incorporá-la
Juros Nominais = Juros Reais + expectativa de Inflação futura
Desde 2008, a meta do FED de 2%, servia como âncora para expectativas de inflação de longo prazo, tornando a fórmula anterior mais simples e menos volátil. O que permitia níveis de juros extremamente baixos.
Juros Nominais = Juros Reais + 2%
Essa ancoragem era viabilizada por uma inflação consistentemente próxima de 2% e por um banco central independente e com credibilidade. Porém , desde a pandemia tivemos uma inflação com comportamento completamente divergente do passado; ela ultrapassou 8% e ainda não conseguiu se estabilizar em níveis abaixo de 2,5%.
Volta-se para a fórmula em sua versão original.
Juros Nominais = Juros Reais + expectativa de Inflação futura
Com isso, o novo valor para a inflação passa a ser maior que 2%, pois quando estamos estimando algo, por conservadorismo, adicionamos uma margem de erro. Saímos de 2% fixo para uma estimativa + uma margem de erro. Sabemos que não existe uma única estimativa para a inflação, porém é muito improvável que os agentes não tenham uma expectativa mais elevada hoje do que tinham no passado. Se o agente estima a inflação futura como sendo a inflação corrente, por exemplo, juro nominal seria igual aos juros reais acrescido de 3%.
Outro componente estrutural é a desglobalização. Tarifas adicionais, políticas industriais nacionais e restrições a investimentos estrangeiros corroem o efeito desinflacionário das últimas décadas. O comércio internacional deixa de ser sinônimo de eficiência e passa a refletir disputas geopolíticas.
Essa transição para uma economia mundial mais fragmentada implica custos maiores e menos previsibilidade, ou seja, mais inflação estrutural e maior volatilidade de preços. Entendido a questão da expectativa de inflação futura é necessário explicar o porquê, temos hoje, uma exigência maior de prêmio, por parte dos investidores e se ela é estrutural.
Podemos separar a situação fiscal americana em três momentos:
2. Pós-crise de 2008, a dívida avançou para 80% do PIB e a equação continuava deficitária. Era de se esperar que acontecesse um aumento, no prêmio exigido pelos investidores, nessa época. Entretanto, o contexto de um mundo globalizado, com inflação controlada e produtividade crescente fez com que a regra básica de “quanto maior o endividamento, maior o aumento no prêmio de risco exigido”, não fosse aplicada aos Estados Unidos. De 2008 até a pandemia, esse cenário atípico se manteve. A dívida americana foi aumentando sem impactar no prêmio exigido pelos investidores. A dívida chegou a representar 100% do PIB, porém como o custo da mesma era muito baixo 1,5% PIB, as projeções para o futuro se mantinham constantes, passando uma falsa ideia de uma dívida controlada.
3. Pandemia em diante: a dívida ultrapassa 120% do PIB e o investidor volta a adotar a regra básica; exigir um prêmio de risco condizente com o patamar da dívida. Fazendo com que o custo da dívida quase dobrasse, atingindo o seu maior valor histórico igual a 3,2% do PIB.
Com esse novo custo, a dívida passa a ter uma projeção ascendente e não mais estável. Gerando ano após ano, uma dívida maior e por consequência, o prêmio de risco exigido também cada vez maior. Salvo uma mudança dramática na área fiscal, capaz de equilibrar gastos e receitas, as projeções não são animadoras, de acordo com o CBO a dívida chega a 156% em 2055. Diante disso, é difícil argumentar que o movimento de aumento no prêmio de risco, para os juros longos é algo transitório.
Se o fiscal está no vermelho e a inflação perdeu a âncora dos 2%, a única saída estrutural seria um choque de produtividade. Esse motor, no entanto, segue em compasso de espera. O avanço digital transformou setores específicos, mas a difusão tem sido lenta e desigual. A consequência é que o crescimento potencial dos EUA não tem sido suficiente para compensar déficits, cada vez maiores e o custo mais alto da dívida. Na prática, sem ganhos expressivos de produtividade, o peso dos juros sobre as contas públicas tende a aumentar, alimentando ainda mais a percepção de que a “conta não fecha”.
A Inteligência Artificial surge como esperança. Evidências iniciais apontam ganhos relevantes de eficiência em setores específicos. Caso esses ganhos se disseminem para toda a economia, poderemos observar uma nova onda de produtividade, com potencial de aliviar pressões inflacionárias e reduzir o prêmio exigido pelos investidores.
Mas é preciso cautela. Revoluções tecnológicas levam tempo para se refletir nos números agregados. Computador pessoal e internet demoraram quase duas décadas para transformar a produtividade de maneira visível. A IA pode ser diferente, mas não é prudente apostar todas as fichas nesse cenário.
O hedge necessário, portanto, é reconhecer: a IA pode ajudar, mas não há garantias. Até lá, os juros longos tendem a permanecer estruturalmente mais altos, refletindo a combinação de desequilíbrio fiscal, inflação persistente e um mundo menos globalizado.
* Felipe Tizzano é sócio e Chief Investment Officer (CIO) da RTS Partners. Formado em Engenharia pela PUC-Rio, possui especialização em Análise de Risco e Comércio Internacional, é capacitado como gestor pela ANBIMA e analista pleno pela APIMEC além de ser CFA® e CAIA® Charterholder. Com sólida trajetória no mercado financeiro, é responsável pela definição da estratégia de alocação patrimonial da RTS