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Juros baixos, testes de estresse e o custo da inércia

Por mais conservador que o investidor seja, não fazer nada com seus investimentos em uma época de juro baixo significa perder poder de compra

Selic: hoje a taxa está em 2%, o menor nível da história (alexsl/Getty Images)
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felipegiacomelli

Publicado em 8 de setembro de 2020 às 08h00.

O Brasil entrou para o grupo de países com taxas de juros baixas. Pode ser uma ponte para financiar o crescimento, mas a fragilidade fiscal coloca o investidor num dilema: como adicionar risco na carteira num momento de incertezas e sem que as consequências da pandemia de covid-19 sejam plenamente conhecidas?

O fato é que pela primeira vez numa crise, o Comitê de Política Monetária reduz a Selic para inéditos 2% ao ano. Se há quatro anos, com a taxa a 14,25%, a tríade retorno, liquidez e baixo risco traziam conforto com ganhos na casa de 1% ao mês, hoje, aplicações atreladas à Selic ou ao CDI não podem mais ser consideradas investimentos. São apenas o caixa.

Por mais conservador que o investidor seja, não fazer nada significa perder poder de compra. A inflação, mesmo controlada, e a tributação incidente em alguns desses ativos são suficientes para corroer todo o ganho. Isso sem contar a taxa de administração se o dinheiro estiver em fundos que compram apenas títulos públicos pós-fixados.

Taxas de juros estruturalmente baixas trazem mudanças relevantes na maneira como se constrói uma carteira. O investidor tem que abrir a mente para classes alternativas, para o alongamento de prazos e pensar em diversificação em outras moedas.

O modelo tradicional de alocação leva em conta a relação risco/retorno, além da correlação entre as classes de ativos. É a forma de se buscar um equilíbrio e o benefício do efeito dos juros compostos no tempo. É com base no perfil do investidor e nas necessidades de liquidez em diversas fases da vida que se monta uma carteira estrutural.

A teoria mostra que essa composição, com viés de longo prazo, é responsável por mais de 90% do retorno. A seleção dos gestores e o chamado “market timing”, ou seja, a escolha do melhor momento para se fazer um determinado investimento, respondem pelo restante do resultado. A questão é que o investidor gasta muito mais tempo tentando adivinhar a hora certa de comprar um ativo, do que em pensar numa carteira balanceada que resista às intempéries de economias e mercados.

Uma vez identificado o perfil de risco – a tolerância a perdas temporárias – é preciso definir os percentuais adequados a cada classe de ativos: títulos pós-fixados (o caixa), prefixados, indexados à inflação, fundos multimercados, de ações e investimentos alternativos.

Os investidores brasileiros vivenciaram um 2019 em que praticamente todos investimentos apresentaram performances extraordinárias. A Selic já baixa levou muitas famílias a deslocarem parte de suas poupanças para ativos de maior risco, em alguns casos sem medir muito as consequências.

No fim de fevereiro, quando as marchinhas de Carnaval e o samba enredo da escola do coração ainda ecoavam na memória, a Covid-19 começava a colocar o mundo do avesso.

Os mercados financeiros globais tiveram quedas sem precedentes. Os novatos na bolsa no Brasil incluíram no seu vocabulário o “circuit breaker”, paralisação temporária no pregão quando o Ibovespa bate nos 10% de desvalorização. Foram seis paradas em março.

Embora traumático, o movimento foi didático para o investidor fazer uma reflexão sobre qual a sua tolerância a risco. Portfólios mais alavancados ou concentrados sofreram perdas significativas.

No olho do furacão, uma carteira com multimercados macro, combinada com estratégias de arbitragem entre ativos em bolsa e com fundos quantitativos se defendeu muito mais do que uma apenas com fundos macro. Em renda variável, um mix de fundos de ações direcionais (“long only”) com o tipo “long biased”, que calibra a exposição em bolsa conforme o cenário, também cumpriu esse papel.

À frente, são os investimentos alternativos que tendem a ser responsáveis por boa parte de retornos de médio e longo prazos. Sem fórmula mágica: para ter mais eficiência, é preciso abrir mão de liquidez pensando em prazos de cinco a dez anos. É também uma forma de buscar retornos descorrelacionados das modalidades tradicionais.

Nesse rol, coloca-se um pé na economia real: fundos de participações em empresas (“private equity”), em novatas (“venture capital”), crédito estruturado, precatórios, imobiliários e de “special situations”, que abrangem, por exemplo, ativos com algum tipo de litígio.

O investidor que ainda não tenha mudado a chave para essas caixas, para conseguir os mesmos 1% ao mês do passado teria que correr um risco que, na maioria das vezes, seria incompatível com o seu perfil.

O trabalho de qualquer gestor de patrimônio é alinhar as expectativas de retorno e risco. Um exercício útil é mostrar o que teria acontecido com a carteira sugerida nos piores momentos do mercado. E os exemplos recentes funcionam como um teste de estresse da vida real.

Diversificar não quer dizer que tudo será um mar de rosas. Com os juros no chão, o brasileiro tem que aprender a conviver com a tal da volatilidade. No meio do caminho os preços balançam, mas o importante é preservar o capital ao longo do tempo.

*Dennis Kac foi Portfolio Manager na Zoom Asset Management, Trader de derivativos na Inlogs e fundador da DK Wealth Management (single family office) antes de integrar a equipe da Brainvest onde é sócio e atua como CIO.

A Brainvest é um multi-family que nasceu em 2003 na cidade de Genebra, na Suíça, para atender famílias brasileiras. Abrimos nosso escritório em SP em 2007 e em 2017 abrimos uma filial no Rio de Janeiro e outra em Miami. Temos também uma operação voltada para estruturas fiduciárias internacionais – a Brainvest Trust – sediada em Zurich, na Suíça. Contamos com uma equipe de 60 profissionais em 03 países. Nosso modelo de gestão é 100% independente voltado único e exclusivamente para atender famílias.

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O fato é que pela primeira vez numa crise, o Comitê de Política Monetária reduz a Selic para inéditos 2% ao ano. Se há quatro anos, com a taxa a 14,25%, a tríade retorno, liquidez e baixo risco traziam conforto com ganhos na casa de 1% ao mês, hoje, aplicações atreladas à Selic ou ao CDI não podem mais ser consideradas investimentos. São apenas o caixa.

Por mais conservador que o investidor seja, não fazer nada significa perder poder de compra. A inflação, mesmo controlada, e a tributação incidente em alguns desses ativos são suficientes para corroer todo o ganho. Isso sem contar a taxa de administração se o dinheiro estiver em fundos que compram apenas títulos públicos pós-fixados.

Taxas de juros estruturalmente baixas trazem mudanças relevantes na maneira como se constrói uma carteira. O investidor tem que abrir a mente para classes alternativas, para o alongamento de prazos e pensar em diversificação em outras moedas.

O modelo tradicional de alocação leva em conta a relação risco/retorno, além da correlação entre as classes de ativos. É a forma de se buscar um equilíbrio e o benefício do efeito dos juros compostos no tempo. É com base no perfil do investidor e nas necessidades de liquidez em diversas fases da vida que se monta uma carteira estrutural.

A teoria mostra que essa composição, com viés de longo prazo, é responsável por mais de 90% do retorno. A seleção dos gestores e o chamado “market timing”, ou seja, a escolha do melhor momento para se fazer um determinado investimento, respondem pelo restante do resultado. A questão é que o investidor gasta muito mais tempo tentando adivinhar a hora certa de comprar um ativo, do que em pensar numa carteira balanceada que resista às intempéries de economias e mercados.

Uma vez identificado o perfil de risco – a tolerância a perdas temporárias – é preciso definir os percentuais adequados a cada classe de ativos: títulos pós-fixados (o caixa), prefixados, indexados à inflação, fundos multimercados, de ações e investimentos alternativos.

Os investidores brasileiros vivenciaram um 2019 em que praticamente todos investimentos apresentaram performances extraordinárias. A Selic já baixa levou muitas famílias a deslocarem parte de suas poupanças para ativos de maior risco, em alguns casos sem medir muito as consequências.

No fim de fevereiro, quando as marchinhas de Carnaval e o samba enredo da escola do coração ainda ecoavam na memória, a Covid-19 começava a colocar o mundo do avesso.

Os mercados financeiros globais tiveram quedas sem precedentes. Os novatos na bolsa no Brasil incluíram no seu vocabulário o “circuit breaker”, paralisação temporária no pregão quando o Ibovespa bate nos 10% de desvalorização. Foram seis paradas em março.

Embora traumático, o movimento foi didático para o investidor fazer uma reflexão sobre qual a sua tolerância a risco. Portfólios mais alavancados ou concentrados sofreram perdas significativas.

No olho do furacão, uma carteira com multimercados macro, combinada com estratégias de arbitragem entre ativos em bolsa e com fundos quantitativos se defendeu muito mais do que uma apenas com fundos macro. Em renda variável, um mix de fundos de ações direcionais (“long only”) com o tipo “long biased”, que calibra a exposição em bolsa conforme o cenário, também cumpriu esse papel.

À frente, são os investimentos alternativos que tendem a ser responsáveis por boa parte de retornos de médio e longo prazos. Sem fórmula mágica: para ter mais eficiência, é preciso abrir mão de liquidez pensando em prazos de cinco a dez anos. É também uma forma de buscar retornos descorrelacionados das modalidades tradicionais.

Nesse rol, coloca-se um pé na economia real: fundos de participações em empresas (“private equity”), em novatas (“venture capital”), crédito estruturado, precatórios, imobiliários e de “special situations”, que abrangem, por exemplo, ativos com algum tipo de litígio.

O investidor que ainda não tenha mudado a chave para essas caixas, para conseguir os mesmos 1% ao mês do passado teria que correr um risco que, na maioria das vezes, seria incompatível com o seu perfil.

O trabalho de qualquer gestor de patrimônio é alinhar as expectativas de retorno e risco. Um exercício útil é mostrar o que teria acontecido com a carteira sugerida nos piores momentos do mercado. E os exemplos recentes funcionam como um teste de estresse da vida real.

Diversificar não quer dizer que tudo será um mar de rosas. Com os juros no chão, o brasileiro tem que aprender a conviver com a tal da volatilidade. No meio do caminho os preços balançam, mas o importante é preservar o capital ao longo do tempo.

*Dennis Kac foi Portfolio Manager na Zoom Asset Management, Trader de derivativos na Inlogs e fundador da DK Wealth Management (single family office) antes de integrar a equipe da Brainvest onde é sócio e atua como CIO.

A Brainvest é um multi-family que nasceu em 2003 na cidade de Genebra, na Suíça, para atender famílias brasileiras. Abrimos nosso escritório em SP em 2007 e em 2017 abrimos uma filial no Rio de Janeiro e outra em Miami. Temos também uma operação voltada para estruturas fiduciárias internacionais – a Brainvest Trust – sediada em Zurich, na Suíça. Contamos com uma equipe de 60 profissionais em 03 países. Nosso modelo de gestão é 100% independente voltado único e exclusivamente para atender famílias.

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