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Armadilhas do "curto-prazismo" nos investimentos e a falácia das médias

O apego por bater constantemente o benchmark e se contentar com pequenas superações dele pode levar o investidor a ações e conclusões equivocadas

O apego por bater constantemente o benchmark e se contentar com pequenas superações dele pode levar o investidor a ações e conclusões equivocadas (primeimages/Getty Images)
O apego por bater constantemente o benchmark e se contentar com pequenas superações dele pode levar o investidor a ações e conclusões equivocadas (primeimages/Getty Images)

O apego por bater constantemente o benchmark (por ex., o CDI) e se contentar com pequenas superações dele, pode levar o investidor a ações e conclusões equivocadas. O desvio do benchmark, mesmo que temporário, gera ansiedade aos investidores, resultando em rotação excessiva de portfólio e compras/vendas ineficazes. O contentamento, por sua vez, pode ser falacioso, pois o retorno do índice pode ser pífio e/ou negativo em termos reais (descontando a inflação). Isto é, bater 120% do CDI quando o CDI está em 10% e a inflação em 2%, é interessante; mas, 120% do CDI com CDI em 2% e a inflação em 10% é um péssimo retorno. 

Gestores de fundos e profissionais de mercado compreendem esse apego, intensificando o foco no curto prazo e no benchmark. O esforço para não desviar do benchmark faz com que muitos profissionais de gestão ativa adotem táticas que minimizam esse desvio, já que "cair quando o mercado cai" é compreensível, e subir junto com o mercado é uma obrigação. Apenas três meses de desempenho abaixo da média podem desencadear uma onda de resgates, mesmo em fundos consolidados. Adaptando a famosa frase de Keynes, podemos dizer: a sabedoria convencional ensina que é melhor, para a reputação e estabilidade de emprego, errar convencionalmente do que ter sucesso de forma não convencional.  

Para ilustrar essa dinâmica, vale analisar a fase atual da indústria de fundos multimercado no Brasil.  Neste momento, por conta do patamar elevado de juros e performance recente mediana, vemos alocadores e investidores reduzindo posições em fundos renomados por pressão comercial e/ou receio estrutural. O medo de que desta vez seja diferente e de que gestores experientes não consigam mais bater o CDI, prevalece. John Templeton dizia que as quatro palavras mais perigosas são "desta vez é diferente", mas complementava que em 20% das vezes realmente é diferente. Acreditamos que alguns fundos cresceram demais e começaram a operar estratégias diferentes para acomodar mais capital, necessitando de ajustes importantes. Outros, simplesmente, tiveram uma janela de desempenho mediano, algo que pode acontecer mesmo com os melhores gestores da história. Análises de curto prazo de estratégias de longo prazo podem induzir o investidor a conclusões equivocadas. 

A busca incessante de muitos investidores por superar o benchmark constantemente, gera retornos medianos devido à rotação contínua do portfólio e/ou "hiper indexação". Para bater um benchmark, por definição, é necessário fazer algo diferente dele. O histórico de grandes investidores, como Stanley Druckermiller, que gerou um retorno anual composto médio de 30% ao ano por 30 anos, em dólares, no Quantum Fund, demonstra que ele teve alguns anos fantásticos, nenhum ano ruim e muitos anos positivos (mas medianos). Nas palavras do próprio Druckermiller, a melhor maneira de gerar retornos acima da média é ter vários anos "sem graça" e alguns "home runs" (anos fantásticos). 

Sabemos que não existem oportunidades espetaculares toda semana, nem mesmo todo ano. Por isso, o nosso trabalho é proteger os portfólios de anos ruins, entregar retornos medianos quando não há grandes assimetrias a serem exploradas e gerar expressivos retornos quando surgem grandes oportunidades. Essa dinâmica maximiza o retorno sustentável a longo prazo. Como diria Buffett, o investidor não precisa rebater todas as bolas; ele pode esperar a bola perfeita. 

Grande parte da geração de valor vem da construção de um portfólio composto por ativos assimétricos (retorno potencial maior que a perda potencial). Construir um portfólio assim não é simples, pois o consenso está embutido no preço dos ativos. Para gerar alpha (retorno acima do benchmark), é necessário ter uma visão diferente do consenso, que eventualmente se prove correta. O "eventualmente" é chave, pois estar certo não significa que o ativo subirá amanhã. Precisamos acertar a tese e manter o investidor alocado até sua materialização. Nas palavras de Howard Marks, temos que arriscar parecer tolos por um tempo para ganhar no longo prazo. 

 "Curto-Prazismo" Estrutural 

O foco no curto prazo afeta não apenas o comportamento dos investidores, mas também o de executivos de muitas empresas. A obsessão em sempre superar os resultados trimestrais, pode fazer com que empresas deixem de investir em projetos com maior potencial de geração de valor, preterindo projetos com VPL maior e priorizando projetos com VPL menor, por conta dos efeitos de curto prazo. Esse fenômeno ocorre menos em "empresas de dono".  

Os investidores têm feito cada vez mais realocações em seus portfólios, reagindo muito aos frequentes ruídos e prestando menos atenção aos sinais. A atenção da grande maioria dos agentes de mercado está voltada para oportunidades de curto prazo, assim, ativos e estratégias menos exploradas e potencialmente mal precificadas, ficam disponíveis para quem tem visão de longo prazo. Ou seja, a grande “arbitragem” dos dias de hoje é investir com visão de longo prazo. 

Concluo este breve artigo com a reflexão e confiança de que: paciência, proteção do portfólio, visão de longo prazo e "rebater forte as bolas perfeitas", são chaves para alcançar sucesso como investidor. 

João Vitor Calegher, CGA, é sócio-fundador e gestor da Auri Capital, professor de MBA em matérias de Asset Allocation, Matemático pela UFSCar com MBA em Ações e Stock Picking pelo Ibmec, certificado em Value Investing pela Columbia Business School, e cursou diversas especializações na Harvard Business School, NYU, MIT e Wharton. É membro do CFA Society Brazil.