Afinal, qual é o risco fiscal após as eleições? Leia abaixo
Muitos no mercado financeiro estão “ancorados” no cenário de “elevado risco fiscal”.
Da Redação
Publicado em 22 de agosto de 2022 às 21h02.
Por Marcelo Petersen Cypriano
É verdade que as várias alterações das regras fiscais não têm ajudado, mas surpreende a dificuldade de os formadores de opinião perceberem o funcionamento da lógica do teto de gastos e a formação de um superávit primário com características perenes.
A Emenda Constitucional 95/2016 limitou o crescimento dos gastos federais à inflação do ano anterior. A lógica era o crescimento da economia (em termos reais) elevar a arrecadação acima do gasto federal, estabilizado em temos reais pelo teto constitucional.
Os números fiscais não eram favoráveis ao final de 2016, o que fazia crer em um ajuste bastante gradual.
A arrecadação estava em 17,5 % do PIB após 3 anos de recessão e os gastos estavam em 20,2%. Um PIB cerca de 15% maior levaria o gasto de 20,2 próximo da receita de 17,5, mas a expectativa era a saída gradual da recessão em 2017 e um crescimento médio de 2,5% nos anos seguintes.
A realidade se mostrou difícil. O crescimento nunca atingiu 2% e o gasto como proporção do PIB caiu muito pouco em um ambiente de desaceleração da alta dos preços e correção do teto pela inflação passada.
Chegamos assim à Pandemia 2020 com gastos de 19,8% do PIB, embora o fim da recessão e menos isenções fiscais tenham elevado a r eceita líquida a 18,5% em 2019.
A necessidade de uma política fiscal anti-cíclica para apoiar o sistema de saúde e transferir renda para a população sem ocupação durante a pandemia exigiu nova emenda constitucional para gastos extraordinários fora do teto em 2020 (outras duas emendas para gastos extraordinários se seguiram em 2021 e 2022).
A pandemia exigiu muitos gastos fora do teto, mas marcou também o funcionamento inusitado da lógica do teto que produziu o superávit primário atual e o debate sobre seu caráter cíclico ou perene.
Como se sabe, o aumento global do preço relativo de matérias primas, energia e manufaturados se somou à desvalorização da taxa de câmbio em 2020. O valor agregado no Brasil registrou deflatores elevados em 2020 e 2021, acima da inflação ao consumidor que corrigiu o teto de gastos no período, em especial no ano de 2021 (veja os gráficos).
A alta do deflator acima da inflação que corrige o teto funcionou como o crescimento em termos reais que levaria o gasto federal abaixo da arrecadação como proporção do PIB.
A alta do deflator deve arrefecer nos próximos anos, mas nunca se viu o retorno à média na razão entre o deflator e o IPCA. O deflator superou o IPCA em 21 dos últimos 26 anos e acumulou 620% de alta contra 390% do IPCA.
O deflator deve perder para o IPCA, mas em magnitude incapaz de desfazer o recuo do gasto federal para 17,9% do PIB em 2022 (inclui os auxílios da chamada PEC Kamikaze ).
Resta discutir a manutenção dos gastos dentro do limite constitucional em 2023 para evitar novos créditos extraordinários, ou mesmo novas regras de controle de gastos que desfaçam o superávit primário federal.
Há grandes diferenças entre os caminhos possíveis.
A regra do teto aponta para R$ 1,78 trilhão em 2023 (+7,0% de IPCA), o que significa mais R$ 120 bilhões. Um reajuste pequeno para os servidores federais permite trazer o aumento do Auxílio-Brasil para dentro do teto em 2023, com o aperto de outras despesas, embora os demais auxílios não tenham espaço. A manutenção do teto atual marcaria o 3º ano de estabilidade do limite constitucional de gastos em 16,8% do PIB.
O caminho de mudança na regra do teto só é necessário para aumentar a folha dos servidores.
A última questão é a sustentação da arrecadação líquida em torno de 19% do PIB, patamar previsto para este ano. Há o argumento que o aumento de receita é cíclico e dependente de preços elevados de commodities.
O aumento é pouco cíclico e bastante perene. A expansão do valor agregado entre 2020 e 2022 superou o crescimento do total de rendimentos do trabalho. Valor agregado após o pagamento dos custos do trabalho é lucro.
A participação dos lucros na renda nacional voltou ao patamar entre 2005 e 2012, quando a arrecadação líquida era 18,9% do PIB. O lucro é muito tributado no Brasil e não é rápido valorizar salários acima da produtividade até apertar os lucros na renda.
A receita líquida de 19% do PIB possui fôlego e o valor do teto se encontra abaixo de 17% do PIB, uma diferença grande e com características perenes. A lógica do teto de gastos já funcionou entre 2020 e 2021.
É sempre possível desfazer um ajuste fiscal pela elevação dos gastos, mas o risco fiscal não é mais o mesmo.
Bio do autor
Marcelo Petersen Cypriano é economista-chefe e gestor da Mont Capital Asset. Entre seus interesses estão o crescimento econômico, políticas monetária e fiscal no Brasil, economia internacional, commodities, Behavioral Economics e gestão de portfólio.
Por Marcelo Petersen Cypriano
É verdade que as várias alterações das regras fiscais não têm ajudado, mas surpreende a dificuldade de os formadores de opinião perceberem o funcionamento da lógica do teto de gastos e a formação de um superávit primário com características perenes.
A Emenda Constitucional 95/2016 limitou o crescimento dos gastos federais à inflação do ano anterior. A lógica era o crescimento da economia (em termos reais) elevar a arrecadação acima do gasto federal, estabilizado em temos reais pelo teto constitucional.
Os números fiscais não eram favoráveis ao final de 2016, o que fazia crer em um ajuste bastante gradual.
A arrecadação estava em 17,5 % do PIB após 3 anos de recessão e os gastos estavam em 20,2%. Um PIB cerca de 15% maior levaria o gasto de 20,2 próximo da receita de 17,5, mas a expectativa era a saída gradual da recessão em 2017 e um crescimento médio de 2,5% nos anos seguintes.
A realidade se mostrou difícil. O crescimento nunca atingiu 2% e o gasto como proporção do PIB caiu muito pouco em um ambiente de desaceleração da alta dos preços e correção do teto pela inflação passada.
Chegamos assim à Pandemia 2020 com gastos de 19,8% do PIB, embora o fim da recessão e menos isenções fiscais tenham elevado a r eceita líquida a 18,5% em 2019.
A necessidade de uma política fiscal anti-cíclica para apoiar o sistema de saúde e transferir renda para a população sem ocupação durante a pandemia exigiu nova emenda constitucional para gastos extraordinários fora do teto em 2020 (outras duas emendas para gastos extraordinários se seguiram em 2021 e 2022).
A pandemia exigiu muitos gastos fora do teto, mas marcou também o funcionamento inusitado da lógica do teto que produziu o superávit primário atual e o debate sobre seu caráter cíclico ou perene.
Como se sabe, o aumento global do preço relativo de matérias primas, energia e manufaturados se somou à desvalorização da taxa de câmbio em 2020. O valor agregado no Brasil registrou deflatores elevados em 2020 e 2021, acima da inflação ao consumidor que corrigiu o teto de gastos no período, em especial no ano de 2021 (veja os gráficos).
A alta do deflator acima da inflação que corrige o teto funcionou como o crescimento em termos reais que levaria o gasto federal abaixo da arrecadação como proporção do PIB.
A alta do deflator deve arrefecer nos próximos anos, mas nunca se viu o retorno à média na razão entre o deflator e o IPCA. O deflator superou o IPCA em 21 dos últimos 26 anos e acumulou 620% de alta contra 390% do IPCA.
O deflator deve perder para o IPCA, mas em magnitude incapaz de desfazer o recuo do gasto federal para 17,9% do PIB em 2022 (inclui os auxílios da chamada PEC Kamikaze ).
Resta discutir a manutenção dos gastos dentro do limite constitucional em 2023 para evitar novos créditos extraordinários, ou mesmo novas regras de controle de gastos que desfaçam o superávit primário federal.
Há grandes diferenças entre os caminhos possíveis.
A regra do teto aponta para R$ 1,78 trilhão em 2023 (+7,0% de IPCA), o que significa mais R$ 120 bilhões. Um reajuste pequeno para os servidores federais permite trazer o aumento do Auxílio-Brasil para dentro do teto em 2023, com o aperto de outras despesas, embora os demais auxílios não tenham espaço. A manutenção do teto atual marcaria o 3º ano de estabilidade do limite constitucional de gastos em 16,8% do PIB.
O caminho de mudança na regra do teto só é necessário para aumentar a folha dos servidores.
A última questão é a sustentação da arrecadação líquida em torno de 19% do PIB, patamar previsto para este ano. Há o argumento que o aumento de receita é cíclico e dependente de preços elevados de commodities.
O aumento é pouco cíclico e bastante perene. A expansão do valor agregado entre 2020 e 2022 superou o crescimento do total de rendimentos do trabalho. Valor agregado após o pagamento dos custos do trabalho é lucro.
A participação dos lucros na renda nacional voltou ao patamar entre 2005 e 2012, quando a arrecadação líquida era 18,9% do PIB. O lucro é muito tributado no Brasil e não é rápido valorizar salários acima da produtividade até apertar os lucros na renda.
A receita líquida de 19% do PIB possui fôlego e o valor do teto se encontra abaixo de 17% do PIB, uma diferença grande e com características perenes. A lógica do teto de gastos já funcionou entre 2020 e 2021.
É sempre possível desfazer um ajuste fiscal pela elevação dos gastos, mas o risco fiscal não é mais o mesmo.
Bio do autor
Marcelo Petersen Cypriano é economista-chefe e gestor da Mont Capital Asset. Entre seus interesses estão o crescimento econômico, políticas monetária e fiscal no Brasil, economia internacional, commodities, Behavioral Economics e gestão de portfólio.