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Afinal, qual é o risco fiscal após as eleições? Leia abaixo

Muitos no mercado financeiro estão “ancorados” no cenário de “elevado risco fiscal”.

O caminho de mudança na regra do teto só é necessário para aumentar a folha dos servidores (Gabriel Vergani / EyeEm/Getty Images)
O caminho de mudança na regra do teto só é necessário para aumentar a folha dos servidores (Gabriel Vergani / EyeEm/Getty Images)
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Panorama Econômico

Publicado em 22 de agosto de 2022 às, 21h02.

Por Marcelo Petersen Cypriano

É verdade que as várias alterações das regras fiscais não têm ajudado, mas surpreende a dificuldade de os formadores de opinião perceberem o funcionamento da lógica do teto de gastos e a formação de um superávit primário com características perenes.

A Emenda Constitucional 95/2016 limitou o crescimento dos gastos federais à inflação do ano anterior. A lógica era o crescimento da economia (em termos reais) elevar a arrecadação acima do gasto federal, estabilizado em temos reais pelo teto constitucional.

Os números fiscais não eram favoráveis ao final de 2016, o que fazia crer em um ajuste bastante gradual.

A arrecadação estava em 17,5 % do PIB após 3 anos de recessão e os gastos estavam em 20,2%. Um PIB cerca de 15% maior levaria o gasto de 20,2 próximo da receita de 17,5, mas a expectativa era a saída gradual da recessão em 2017 e um crescimento médio de 2,5% nos anos seguintes.

A realidade se mostrou difícil. O crescimento nunca atingiu 2% e o gasto como proporção do PIB caiu muito pouco em um ambiente de desaceleração da alta dos preços e correção do teto pela inflação passada.

Chegamos assim à Pandemia 2020 com gastos de 19,8% do PIB, embora o fim da recessão e menos isenções fiscais tenham elevado a receita líquida a 18,5% em 2019.

A necessidade de uma política fiscal anti-cíclica para apoiar o sistema de saúde e transferir renda para a população sem ocupação durante a pandemia exigiu nova emenda constitucional para gastos extraordinários fora do teto em 2020 (outras duas emendas para gastos extraordinários se seguiram em 2021 e 2022).

A pandemia exigiu muitos gastos fora do teto, mas marcou também o funcionamento inusitado da lógica do teto que produziu o superávit primário atual e o debate sobre seu caráter cíclico ou perene.

Como se sabe, o aumento global do preço relativo de matérias primas, energia e manufaturados se somou à desvalorização da taxa de câmbio em 2020. O valor agregado no Brasil registrou deflatores elevados em 2020 e 2021, acima da inflação ao consumidor que corrigiu o teto de gastos no período, em especial no ano de 2021 (veja os gráficos).

(Secretaria do Tesouro Nacional/Divulgação)

A alta do deflator acima da inflação que corrige o teto funcionou como o crescimento em termos reais que levaria o gasto federal abaixo da arrecadação como proporção do PIB.

A alta do deflator deve arrefecer nos próximos anos, mas nunca se viu o retorno à média na razão entre o deflator e o IPCA. O deflator superou o IPCA em 21 dos últimos 26 anos e acumulou 620% de alta contra 390% do IPCA.

O deflator deve perder para o IPCA, mas em magnitude incapaz de desfazer o recuo do gasto federal para 17,9% do PIB em 2022 (inclui os auxílios da chamada PEC Kamikaze).

Resta discutir a manutenção dos gastos dentro do limite constitucional em 2023 para evitar novos créditos extraordinários, ou mesmo novas regras de controle de gastos que desfaçam o superávit primário federal.

Há grandes diferenças entre os caminhos possíveis.

A regra do teto aponta para R$ 1,78 trilhão em 2023 (+7,0% de IPCA), o que significa mais R$ 120 bilhões. Um reajuste pequeno para os servidores federais permite trazer o aumento do Auxílio-Brasil para dentro do teto em 2023, com o aperto de outras despesas, embora os demais auxílios não tenham espaço. A manutenção do teto atual marcaria o 3º ano de estabilidade do limite constitucional de gastos em 16,8% do PIB.

O caminho de mudança na regra do teto só é necessário para aumentar a folha dos servidores.

(Secretaria do Tesouro Nacional/Divulgação)

A última questão é a sustentação da arrecadação líquida em torno de 19% do PIB, patamar previsto para este ano. Há o argumento que o aumento de receita é cíclico e dependente de preços elevados de commodities.

O aumento é pouco cíclico e bastante perene. A expansão do valor agregado entre 2020 e 2022 superou o crescimento do total de rendimentos do trabalho. Valor agregado após o pagamento dos custos do trabalho é lucro.

A participação dos lucros na renda nacional voltou ao patamar entre 2005 e 2012, quando a arrecadação líquida era 18,9% do PIB. O lucro é muito tributado no Brasil e não é rápido valorizar salários acima da produtividade até apertar os lucros na renda.

A receita líquida de 19% do PIB possui fôlego e o valor do teto se encontra abaixo de 17% do PIB, uma diferença grande e com características perenes. A lógica do teto de gastos já funcionou entre 2020 e 2021.

É sempre possível desfazer um ajuste fiscal pela elevação dos gastos, mas o risco fiscal não é mais o mesmo.

Bio do autor

Marcelo Petersen Cypriano é economista-chefe e gestor da Mont Capital Asset. Entre seus interesses estão o crescimento econômico, políticas monetária e fiscal no Brasil, economia internacional, commodities, Behavioral Economics e gestão de portfólio.