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A verdade sobre os impostos: um choque de realidade para investidores, trabalhadores e cidadãos 

A resposta, no Brasil, exige uma análise profunda e sem ilusões

Impostos, câmbio e gargalos (Beatriz Albuquerque /Cláudia)

Impostos, câmbio e gargalos (Beatriz Albuquerque /Cláudia)

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Panorama Econômico

Panorama Econômico

Publicado em 29 de julho de 2025 às 22h27.

A resposta, no Brasil, exige uma análise profunda e sem ilusões. 

Impostos são contribuições obrigatórias exigidas pelo Estado para financiar o funcionamento da máquina pública. Em sua essência, representam um pacto social: cada cidadão contribui proporcionalmente à sua capacidade, e o Estado devolve isso em forma de serviços públicos de qualidade — saúde, educação, segurança, infraestrutura, justiça. Esse é o conceito, mas nem sempre é o que acontece. 

A finalidade dos impostos, portanto, é arrecadar recursos para investimentos essenciais que promovam o bem-estar coletivo e a igualdade de oportunidades. No entanto, quando mal administrados, esses recursos deixam de ser instrumentos de justiça social e passam a sustentar privilégios institucionais, desperdícios e ineficiências. 

Um exemplo emblemático: segundo o Tesouro Nacional, o Brasil gasta 1,6% do PIB com o Judiciário, o maior percentual entre 53 países analisados — mais que o triplo da média dos emergentes (0,5%) e mais de cinco vezes a média da OCDE (0,3%). Para efeito de comparação, esse valor supera o total gasto com polícia, bombeiros e sistema prisional somados. Além disso, o Congresso Nacional custa mais de R$ 10 bilhões por ano, com 513 deputados e 81 senadores — uma das maiores proporções de parlamentares por habitante entre os países da OCDE. 

Paradoxalmente, o Brasil possui uma carga tributária de 33,1% do PIB, equiparável à de nações desenvolvidas como Estados Unidos (26,9%), Canadá (32,2%) e Austrália (30,8%). Ou seja, arrecadamos mais que muitos países ricos, mas entregamos muito menos em qualidade de vida. O problema central não é o volume arrecadado, mas como esses recursos são aplicados e o que se devolve à sociedade em troca. 

Essa distorção se agrava quando analisamos a composição da arrecadação. Cerca de 50% da carga tributária brasileira vem de impostos sobre consumo, como ICMS, IPI, PIS e Cofins. Na prática, ricos e pobres pagam o mesmo valor de imposto ao comprar um produto, o que proporcionalmente pesa muito mais para quem tem menor renda. É o que chamamos de sistema regressivo — onde quem ganha menos paga mais, proporcionalmente. Países desenvolvidos fazem o inverso: tributam mais a renda e o patrimônio, de forma progressiva, onerando mais os mais ricos. 

No caso das empresas, o Brasil possui uma das maiores alíquotas nominais de imposto corporativo do mundo: 34% (soma de IRPJ e CSLL). No entanto, devido a regimes especiais, incentivos fiscais e planejamento tributário, a alíquota efetiva é significativamente menor para grandes corporações. Ainda assim, esses custos são frequentemente repassados ao consumidor final, ampliando a carga tributária indireta sobre a população. 

O resultado é um sistema que penaliza o trabalhador, o empreendedor e o consumidor comum. Um sistema que cobra muito, entrega pouco e ainda sustenta estruturas inchadas e ineficientes. Um sistema que precisa ser exposto com dados, comparações e realismo técnico para que possamos, enfim, reformá-lo. 

 Carga tributária total para o cidadão 

A carga tributária no Brasil é um tema que afeta diretamente o bolso do cidadão comum. Para entender seu impacto real, é importante considerar tanto os impostos diretos, como o Imposto de Renda, quanto os impostos indiretos, que estão embutidos nos preços dos produtos e serviços. 

Os impostos corporativos, como o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), também são repassados ao consumidor final. As empresas, ao calcular seus custos, incluem esses impostos no preço final dos produtos e serviços, aumentando a carga tributária "invisível" sobre o cidadão. 

Em comparação com outros países, a carga tributária brasileira é elevada e complexa, penalizando mais os cidadãos de baixa renda devido à alta incidência de impostos indiretos. Essa estrutura tributária regressiva faz com que o consumidor final pague mais do que em muitos países desenvolvidos. 

Para ilustrar o peso da carga tributária sobre uma família brasileira de classe média, simulamos uma DRE mensal para um núcleo familiar composto por dois adultos e dois filhos, com renda de R$ 15.000. Assumimos que essa renda é totalmente consumida em cinco categorias essenciais: educação, saúde, alimentação, moradia e transporte público. 

Premissas do cálculo: 

  • Gastos proporcionais com base em padrões médios de consumo urbano. 
  • Carga tributária setorial estimada com base em alíquotas da CBS (pós-reforma) e tributos federais e municipais (IRPJ, CSLL, ISS). 
  • Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) calculado conforme tabela progressiva de 2025, com dedução de dois dependentes. 
  • Alimentação considera que apenas 40% do consumo é isento (cesta básica), e 60% é tributado integralmente. 
  • Transporte público com carga estimada de 12%. 

Fonte: Brava Capital

 

Além disso, a família paga R$ 3.125 de IRPF, totalizando R$ 6.615 em tributos mensais — o equivalente a 44,1% da renda familiar.

Essa simulação evidencia que uma família de classe média no Brasil trabalha quase metade do mês apenas para pagar impostos. Em contrapartida, usufrui muito pouco dos serviços públicos que esses tributos deveriam financiar. Na prática, essa família trabalha 15 dias por mês para sustentar o Estado e, em troca, recebe pouco mais do que o direito de circular pelas ruas que ela mesma ajudou a pavimentar.

Para mitigar esse impacto desproporcional, é essencial uma reforma tributária que simplifique o sistema e torne a tributação mais justa e transparente, com maior ênfase em impostos sobre renda e patrimônio, e menos impostos sobre consumo essencial.

O retorno dos impostos: O que recebemos em troca?

Educação

A educação no Brasil apresenta desafios significativos quando comparada a países desenvolvidos. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) são indicadores importantes para medir a eficácia dos gastos na área educacional.

  • IDEB: Em 2021, o IDEB para os anos iniciais do ensino fundamental foi de 5,9, enquanto para os anos finais foi de 4,9. Esses números indicam uma melhoria gradual, mas ainda distante das metas estabelecidas.
  • PISA: No último relatório do PISA, o Brasil ficou abaixo da média da OCDE em todas as áreas avaliadas (leitura, matemática e ciências). Em leitura, por exemplo, a média geral do Brasil foi 412,9, enquanto a média da OCDE foi 487. Em matemática, a média do Brasil foi 377,1, comparada aos 489 da OCDE. No ranking geral, o Brasil ocupou a 65ª posição em matemática, a 52ª em leitura e a 62ª em ciências, entre 81 países avaliados.

Apesar do investimento anual de aproximadamente R$ 23.650 por aluno na educação básica pública, os resultados ainda ficam aquém do esperado. Dados do PISA e do Inep mostram que escolas privadas, mesmo com custos semelhantes ou inferiores, frequentemente apresentam melhor desempenho acadêmico, infraestrutura e gestão. Isso levanta a hipótese de que um modelo de reembolso direto às famílias — com liberdade de escolha e fiscalização rigorosa — poderia não apenas reduzir a corrupção, mas também elevar a qualidade do ensino no país.

Saúde

A saúde pública no Brasil também enfrenta desafios significativos. Indicadores como a taxa de mortalidade infantil e o acesso à assistência médica são críticos para avaliar a eficácia dos gastos na área de saúde.

  • Taxa de Mortalidade Infantil: Em 2020, a taxa de mortalidade infantil no Brasil foi de 12,4 óbitos por mil nascidos vivos. Em comparação, países desenvolvidos como a Suécia apresentam taxas inferiores a 3 óbitos por mil nascidos vivos.
  • Acesso à Assistência Médica: O Brasil possui um sistema de saúde universal, o SUS, que enfrenta problemas de financiamento e gestão. Em rankings globais de sistemas de saúde, o Brasil frequentemente fica atrás. Em 2024, o país ocupou a 48ª posição entre 89 países avaliados. Em comparação, o Canadá ficou na 10ª posição e a Austrália na 8ª.

Segurança

A segurança pública é uma área onde os gastos públicos têm um impacto direto e visível. O Brasil apresenta uma das maiores taxas de homicídios do mundo.

  • Taxa de Homicídios: Em 2021, a taxa de homicídios no Brasil foi de 21,26 por 100 mil habitantes. Em comparação, a média global foi de 5,8 por 100 mil habitantes, e países desenvolvidos como o Japão e a Alemanha apresentam taxas inferiores a 1 por 100 mil habitantes.
  • Índice Global da Paz: Em 2023, o Brasil ocupou a 132ª posição entre 163 países no Índice Global da Paz.

Infraestrutura

A infraestrutura é essencial para a competitividade de um país. O Brasil ocupa posições medianas em rankings globais de competitividade, como o Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial.

  • Investimentos em Infraestrutura: O Brasil precisa de investimentos significativos em infraestrutura, como estradas, portos e aeroportos, para melhorar a logística e a eficiência econômica do país. No Índice de Competitividade Global, o Brasil ocupa a 81ª posição em infraestrutura e a 72ª no índice geral, entre 141 países avaliados.

Segurança Jurídica e Corrupção

A segurança jurídica e a percepção de corrupção são fatores determinantes para a confiança dos investidores, a estabilidade institucional e a eficiência dos gastos públicos.

  • Índice de Percepção da Corrupção: Em 2023, o Brasil ocupava a 94ª posição entre 180 países no ranking da Transparência Internacional, refletindo uma percepção elevada de corrupção no setor público.
  • Estado de Direito e Segurança Jurídica: Segundo o Rule of Law Index 2024, elaborado pelo World Justice Project, o Brasil ficou na 80ª posição entre 142 países, com nota 0,50 (em uma escala de 0 a 1), abaixo da média global de 0,55. O país teve desempenho especialmente fraco em:
    • Justiça Criminal: 113ª posição, com destaque negativo para a imparcialidade do Judiciário, onde empatou com a Venezuela.
    • Corrupção no Legislativo: 77ª posição geral em ausência de corrupção, sendo o 2º mais corrupto no Legislativo, atrás apenas do Haiti.

A baixa colocação do Brasil em rankings internacionais de corrupção e segurança jurídica compromete a confiança de investidores e a eficácia do uso dos recursos públicos. Esses indicadores revelam que, além de aumentar os investimentos em áreas como saúde e educação, é essencial fortalecer as instituições, garantir previsibilidade jurídica e combater a corrupção sistêmica para assegurar que os impostos pagos pelos cidadãos sejam aplicados de forma justa e eficiente.

Uma nova proposta

Uma redução significativa da carga tributária, especialmente sobre o consumo essencial, acompanhada da ampliação da base arrecadatória. Em vez de poucos pagando muito, todos devem contribuir de forma justa, com alíquotas mais baixas e transparentes. Isso não apenas aumentaria a arrecadação total, como também permitiria um uso mais eficiente e responsável dos recursos públicos.

Países como Estônia, Nova Zelândia e Suíça mostram que é possível combinar simplicidade tributária com justiça fiscal:

  • Estônia: Adota um modelo digitalizado com alíquota única e isenção sobre lucros reinvestidos. As alíquotas de impostos corporativos e de renda são competitivas, tornando o país atraente para investimentos.
  • Nova Zelândia: Implementou uma ampla reforma tributária, reduzindo significativamente as alíquotas. A alíquota máxima do imposto de renda caiu de 66% para 33%, enquanto a mínima foi de 38% para 19%. Além disso, o país adotou um modelo de IVA simplificado e abrangente.
  • Suíça: Com sua reforma tributária, introduziu incentivos como a "caixa de patentes", que reduz o imposto corporativo sobre receitas de patentes e propriedade intelectual. O país também se destaca pelo seu federalismo fiscal, permitindo que cantões e municípios tenham autonomia tributária.

Para que algo semelhante floresça no Brasil, é essencial desenvolver uma consciência fiscal no eleitorado. O cidadão precisa entender quanto paga, direta e indiretamente, para então pressionar por reformas estruturais que combatam a tributação oculta e potencialmente abusiva.

Uma reforma ideal deveria buscar:

  • Simplificação radical do sistema, com fusão e extinção de tributos;
  • Desoneração do consumo essencial e maior progressividade;
  • Transparência total sobre a carga tributária;
  • Compromisso com a responsabilidade fiscal e a qualidade do gasto público;
  • Segurança jurídica e previsibilidade das regras.

Sem dúvida, reformar um sistema tão complexo e arraigado é um desafio hercúleo. Mas é um desafio necessário e urgente. Cada dia que passa sem uma reforma abrangente é mais um dia em que o trabalhador, o empreendedor e o cidadão comum veem seus sonhos tributados e suas oportunidades tolhidas.

"Que possamos sonhar com um futuro em que os impostos sejam sementes de justiça e prosperidade, cultivando um país onde cada cidadão colha os frutos de sua contribuição."

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Sobre o autor:

JAIR LEMES, CFA

Diretor de Gestão e CEO da Brava Capital, apresentador do quadro Capital Inteligente e Professor de Finanças na CFA Society Brasil.  Jair é administrador com MBA pela FIA / USP e Mestrado Profissionalizante em Gestão e Economia pela (ESA) IAE Université Pierre Mendès da França. Iniciou sua carreira em seguros na empresa espanhola Mapfre. Trabalhou em países como Japão e Reino Unido no setor de telecomunicações e tecnologia. Trabalhou no Citibank nas áreas Operacional e de Produtos enquanto ao mesmo tempo lecionava em universidade.