A moeda Digital do Banco Central
A moeda digital emitida pelo Banco Central que pode ameaçar as principais criptomoedas existentes, hoje, e revolucionar o sistema bancário
André Martins
Publicado em 5 de janeiro de 2021 às 11h07.
Imagine que com o toque de um botão, você pode mover seu dinheiro para uma moeda digital do Banco Central (CBDC), advinda de uma reserva virtual de valor emitida pelo governo de forma segura, diferentemente das demais que ainda trazem algumas incertezas, a exemplo do Bitcoin. Uma moeda realmente lastreada pela economia de um país e que seja oficial.
Esse é um cenário preocupante para os economistas que estudam e trabalham com CBDCs. Uma pesquisa no início do ano apontou que mais de 80% dos bancos centrais estudam o assunto.
Existem muitas vantagens potenciais nas moedas digitais com apoio público que podem facilitar os pagamentos e “democratizar” esse dinheiro do Banco Central, que representa parte do balanço do BC, que ao contrário do dinheiro físico, apenas os bancos podem acessar, reduzindo, assim, o risco de que as criptomoedas substituam as moedas emitidas por governos ou bancos centrais.
Os CBDCs podem competir com os bancos. Eles seriam ativos atraentes para se manter em tempos normais, como a moeda do Banco Central atual, eles assumiriam um papel de ferramenta de política monetária e, portanto, pagariam juros assumindo um mundo com taxas positivas. Desta forma, os bancos comerciais poderiam ser drenados dos depósitos com os quais hoje financiam seus empréstimos.
A desintermediação do sistema bancário pode tornar impossível a mágica financeira que permite às famílias associarem empréstimos hipotecários de longo prazo com depósitos resgatáveis instantaneamente.
Os arquitetos dos CBDCs estão procurando maneiras de contornar o problema. Uma opção, sugerida por pesquisadores do Banco da Inglaterra e do Banco Central Europeu, é limitar o valor que pode ser mantido em um CBDC.
O problema de perturbar os bancos pode ser evitado com uma engenharia inteligente, mas seria sensato considerar se este problema precisa mesmo ser evitado em primeiro lugar.
Para aqueles que gostam de ideias futuristas, os CBDCs podem oferecer uma oportunidade de repensar o sistema financeiro a partir do zero.
Hoje, as famílias depositam dinheiro em bancos que, por sua vez, depositam parte deste dinheiro no Banco Central. Se as pessoas preferirem os CBDCs, o BC poderia, na verdade, repassar seus recursos diretamente aos bancos, emprestando-lhes a sua taxa de juros básica. A emissão do CBDC simplesmente tornaria explícita a garantia implícita do Banco Central como é, atualmente.
O verdadeiro problema com o financiamento de bancos pelo Banco Central é o risco de inadimplência. Para evitar escolher vencedores, os formuladores de políticas provavelmente precisariam financiar qualquer instituição que possa fornecer garantias satisfatórias. Determinar quais empréstimos e outros ativos se qualificam é um trabalho desconfortável. Mas os bancos centrais já fazem essas avaliações em tempos de crise. O entendimento de que eles aceitarão apenas ativos de alta qualidade, além de requisitos mínimos de capital para proteger os credores, deve prevenir o risco moral.
Outra ideia, é fazer os bancos se financiarem com muito mais patrimônio, em vez de depender de depósitos. Isso os faria parecer mais com os fundos mútuos de hoje ou outros veículos de investimento desalavancados. Os credores devem se livrar de sua dependência de fontes de financiamento descuidadas e o dinheiro das famílias devem, em vez disso, ficar em ativos seguros.
Temer a desintermediação nas mãos dos CBDCs é acreditar que o sistema bancário estreito privaria a economia de algo de que ela precisa, e que o sistema de "reservas fracionárias" de deve ser preservado. Mas os bancos não são necessários para que ocorram empréstimos. Nos mercados mais desenvolvidos, uma grande parcela dos empréstimos ocorre nos mercados de capitais. Se o crédito bancário deve continuar fluindo, os governos poderiam subsidiá-lo diretamente tornando explícito o que a arquitetura obscurece. Melhor isso do que suprimir inovações tecnológicas úteis.
Tornar os subsídios explícitos, entretanto, nem sempre é confortável para os beneficiários ou para os reguladores, mas pode beneficiar as empresas e as famílias. O risco real dos CBDCs para o sistema financeiro pode ser que eles eventualmente precipitem um novo tipo de corrida: com base na ideia de que os bancos precisam existir.
Jair Lemes Gonçalves Neto é diretor de Gestão e CEO da Brava Capital, apresentador do quadro Capital Inteligente no programa “Inova 360” da Record News, colunista no portal R7 e professor de Finanças na CFA Society Brasil. Jair é administrador com MBA pela FIA / USP e Mestrado Profissionalizante em Gestão e Economia pela (ESA) IAE Université Pierre Mendès da França. Iniciou sua carreira em seguros na empresa espanhola Mapfre. Trabalhou em países como Japão e Reino Unido no setor de telecomunicações e tecnologia. Trabalhou no Citibank nas áreas Operacional e de Produtos enquanto ao mesmo tempo lecionava em universidade.
Imagine que com o toque de um botão, você pode mover seu dinheiro para uma moeda digital do Banco Central (CBDC), advinda de uma reserva virtual de valor emitida pelo governo de forma segura, diferentemente das demais que ainda trazem algumas incertezas, a exemplo do Bitcoin. Uma moeda realmente lastreada pela economia de um país e que seja oficial.
Esse é um cenário preocupante para os economistas que estudam e trabalham com CBDCs. Uma pesquisa no início do ano apontou que mais de 80% dos bancos centrais estudam o assunto.
Existem muitas vantagens potenciais nas moedas digitais com apoio público que podem facilitar os pagamentos e “democratizar” esse dinheiro do Banco Central, que representa parte do balanço do BC, que ao contrário do dinheiro físico, apenas os bancos podem acessar, reduzindo, assim, o risco de que as criptomoedas substituam as moedas emitidas por governos ou bancos centrais.
Os CBDCs podem competir com os bancos. Eles seriam ativos atraentes para se manter em tempos normais, como a moeda do Banco Central atual, eles assumiriam um papel de ferramenta de política monetária e, portanto, pagariam juros assumindo um mundo com taxas positivas. Desta forma, os bancos comerciais poderiam ser drenados dos depósitos com os quais hoje financiam seus empréstimos.
A desintermediação do sistema bancário pode tornar impossível a mágica financeira que permite às famílias associarem empréstimos hipotecários de longo prazo com depósitos resgatáveis instantaneamente.
Os arquitetos dos CBDCs estão procurando maneiras de contornar o problema. Uma opção, sugerida por pesquisadores do Banco da Inglaterra e do Banco Central Europeu, é limitar o valor que pode ser mantido em um CBDC.
O problema de perturbar os bancos pode ser evitado com uma engenharia inteligente, mas seria sensato considerar se este problema precisa mesmo ser evitado em primeiro lugar.
Para aqueles que gostam de ideias futuristas, os CBDCs podem oferecer uma oportunidade de repensar o sistema financeiro a partir do zero.
Hoje, as famílias depositam dinheiro em bancos que, por sua vez, depositam parte deste dinheiro no Banco Central. Se as pessoas preferirem os CBDCs, o BC poderia, na verdade, repassar seus recursos diretamente aos bancos, emprestando-lhes a sua taxa de juros básica. A emissão do CBDC simplesmente tornaria explícita a garantia implícita do Banco Central como é, atualmente.
O verdadeiro problema com o financiamento de bancos pelo Banco Central é o risco de inadimplência. Para evitar escolher vencedores, os formuladores de políticas provavelmente precisariam financiar qualquer instituição que possa fornecer garantias satisfatórias. Determinar quais empréstimos e outros ativos se qualificam é um trabalho desconfortável. Mas os bancos centrais já fazem essas avaliações em tempos de crise. O entendimento de que eles aceitarão apenas ativos de alta qualidade, além de requisitos mínimos de capital para proteger os credores, deve prevenir o risco moral.
Outra ideia, é fazer os bancos se financiarem com muito mais patrimônio, em vez de depender de depósitos. Isso os faria parecer mais com os fundos mútuos de hoje ou outros veículos de investimento desalavancados. Os credores devem se livrar de sua dependência de fontes de financiamento descuidadas e o dinheiro das famílias devem, em vez disso, ficar em ativos seguros.
Temer a desintermediação nas mãos dos CBDCs é acreditar que o sistema bancário estreito privaria a economia de algo de que ela precisa, e que o sistema de "reservas fracionárias" de deve ser preservado. Mas os bancos não são necessários para que ocorram empréstimos. Nos mercados mais desenvolvidos, uma grande parcela dos empréstimos ocorre nos mercados de capitais. Se o crédito bancário deve continuar fluindo, os governos poderiam subsidiá-lo diretamente tornando explícito o que a arquitetura obscurece. Melhor isso do que suprimir inovações tecnológicas úteis.
Tornar os subsídios explícitos, entretanto, nem sempre é confortável para os beneficiários ou para os reguladores, mas pode beneficiar as empresas e as famílias. O risco real dos CBDCs para o sistema financeiro pode ser que eles eventualmente precipitem um novo tipo de corrida: com base na ideia de que os bancos precisam existir.
Jair Lemes Gonçalves Neto é diretor de Gestão e CEO da Brava Capital, apresentador do quadro Capital Inteligente no programa “Inova 360” da Record News, colunista no portal R7 e professor de Finanças na CFA Society Brasil. Jair é administrador com MBA pela FIA / USP e Mestrado Profissionalizante em Gestão e Economia pela (ESA) IAE Université Pierre Mendès da França. Iniciou sua carreira em seguros na empresa espanhola Mapfre. Trabalhou em países como Japão e Reino Unido no setor de telecomunicações e tecnologia. Trabalhou no Citibank nas áreas Operacional e de Produtos enquanto ao mesmo tempo lecionava em universidade.