A lua de mel acabou antes de começar
No Brasil, o dólar cai, a bolsa sobe e a gente fica buscando explicação; incertezas no cenário econômico podem afetar carteiras diversificadas
Panorama Econômico
Publicado em 24 de maio de 2023 às 19h31.
Última atualização em 26 de maio de 2023 às 09h53.
Por Maria Cláudia Guimarães
No Brasil, o dólar cai, a bolsa sobe e a gente fica buscando explicação. Como pode isso estar acontecendo em meio a tudo que estamos vendo no cenário político e a todos os retrocessos que estamos experimentando na área econômica? Pode, porque a balança comercial está com superavit de ~R$10Bn/mês deixando mais arriscado, além de mais caro, para os fundos multimercados (que representam a maior parte do mercado) tomar em reais para comprar dólar.
Vivemos também uma inexplicável satisfação com o arcabouço fiscal. Parece que situação está tão ruim que ficamos felizes com muito pouco. Mas, essa bonança no mercado deve acabar em breve, tão logo comecem as frustrações com a arrecadação desse ano e também fique claro que o governo não vai conseguir aumentar a arrecadação em 2024. Apesar de uma pequena sequência de indicadores positivos (varejo e serviços), ainda surfando no aumento renda do 2º semestre de 2022 e da safra agrícola plantada em 2022, continuamos em trajetória de desaceleração. Número de pessoas ocupadas afundou, o nível de investimentos caiu e ainda teremos efeito restritivo da política monetária à frente.
Tivemos avanços insuficientes, mas importantes, de 2014 pra cá, com o estabelecimento do teto de gastos, a reforma trabalhista, a reforma da previdência, novos marcos regulatórios, concessões e privatizações. Todos esses avanços com muita dificuldade, cheios de penduricalhos, aconteceram. Porém, na corrida eleitoral de 2022, abriram-se as torneiras por meio de uma enxurrada de emendas constitucionais. Na esteira da PEC Kamikaze, junto com o aumento do Auxílio Brasil para $600,00, uma série de benefícios foram dados para grupos organizados como caminhoneiros, taxistas, templos religiosos, militares, hotéis, empresas de educação, indústria automobilística, administração portuária, enfermagem, etc. Daí, veio a PEC da Transição para o novo governo e, claro, ela manteve a toada populista, não interrompeu a enorme expansão fiscal e, na verdade, consolidou o aumento de despesas. O total de emendas pulou de 5% da despesa não obrigatória de 2019 para 32% no projeto de lei orçamentária de 2023.
A conta começa a chegar agora às mãos de um governo que é populista e que quer gastar ainda mais para recuperar a força que um dia já teve. Venceu a eleição de 2022 com margem ínfima e por um eleitorado muito mais disposto a votar contra o candidato concorrente do que apoiar o atual governo que hoje se encontra com baixíssima popularidade. Para piorar, é um governo que parece ter assumido o poder com espírito de vingança, pouca racionalidade e parece estar sem liderança. Pessoas próximas a Brasília dizem que não há entendimentos, todos opinam sobre tudo e o bate cabeça está enorme.
Temos então uma combinação perversa. De um lado, as finanças do país necessitando de corte de gastos e aumento de receitas em um momento de desaceleração da economia. De outro, um governo frágil e desorientado frente aos enormes desafios que vão contra sua natureza populista.
Nesse cenário, a única ferramenta que resta é a política monetária enquanto o Banco Central for comandado de forma independente. Mas, a briga entre governo e Banco Central já está aberta e tudo indica que essa independência vai acabar tão logo termine o mandato de Roberto Campos Neto. Ela, na verdade, já está sendo claramente minada pelas indicações de diretorias. E, independente disso, não há política monetária que consiga por muito tempo resolver tudo. O risco que corremos é que, em breve, ela se torne ineficaz frente à inflação. Aí sim, o quadro pode piorar bastante.
Por todo o exposto acima, a administração de portfolios financeiros no Brasil desafia os modelos clássicos de alocação de recursos utilizados por bancos, empresas de gestão e consultorias financeiras. Esses processos clássicos contemplam diversificação e assim alocam os recursos em diferentes classes de ativos, de acordo com o perfil de risco dos clientes. Acontece que com uma Selic a 13,75%, com taxas de juros reais acima de 6% e a economia patinando, a decisão de investir em ações e outros ativos de renda variável tem forte probabilidade de ser detratora de rendimentos e fazer com que a rentabilidade total dos portfolios nesse ano fique prejudicada exatamente pela diversificação.
É claro que sempre existe a argumentação de que, em tese, a diversificação é favorável à rentabilidade do portfólio no longo prazo, e por longo prazo entende-se 10 anos ou mais. Outro ponto importante é que, ainda que os juros altos sejam excelentes para os investidores financeiros, o cenário político-econômico repleto de incertezas, faz com que muitos investidores prefiram aproveitar a queda do dólar para aumentar reserva financeira lá fora, diminuindo a disponibilidade de recursos aqui no Brasil. Então, o momento é muito oportuno para que os investidores sentem com seus assessores financeiros e revisem mais uma vez o perfil de risco de suas carteiras, de forma a garantir que a relação retorno/risco esteja de acordo com seus objetivos, evitando assim surpresas.
*Maria Cláudia Guimarães, CGA, é sócia do Multi Family Office KPC Consultoria Financeira Ltda.
Por Maria Cláudia Guimarães
No Brasil, o dólar cai, a bolsa sobe e a gente fica buscando explicação. Como pode isso estar acontecendo em meio a tudo que estamos vendo no cenário político e a todos os retrocessos que estamos experimentando na área econômica? Pode, porque a balança comercial está com superavit de ~R$10Bn/mês deixando mais arriscado, além de mais caro, para os fundos multimercados (que representam a maior parte do mercado) tomar em reais para comprar dólar.
Vivemos também uma inexplicável satisfação com o arcabouço fiscal. Parece que situação está tão ruim que ficamos felizes com muito pouco. Mas, essa bonança no mercado deve acabar em breve, tão logo comecem as frustrações com a arrecadação desse ano e também fique claro que o governo não vai conseguir aumentar a arrecadação em 2024. Apesar de uma pequena sequência de indicadores positivos (varejo e serviços), ainda surfando no aumento renda do 2º semestre de 2022 e da safra agrícola plantada em 2022, continuamos em trajetória de desaceleração. Número de pessoas ocupadas afundou, o nível de investimentos caiu e ainda teremos efeito restritivo da política monetária à frente.
Tivemos avanços insuficientes, mas importantes, de 2014 pra cá, com o estabelecimento do teto de gastos, a reforma trabalhista, a reforma da previdência, novos marcos regulatórios, concessões e privatizações. Todos esses avanços com muita dificuldade, cheios de penduricalhos, aconteceram. Porém, na corrida eleitoral de 2022, abriram-se as torneiras por meio de uma enxurrada de emendas constitucionais. Na esteira da PEC Kamikaze, junto com o aumento do Auxílio Brasil para $600,00, uma série de benefícios foram dados para grupos organizados como caminhoneiros, taxistas, templos religiosos, militares, hotéis, empresas de educação, indústria automobilística, administração portuária, enfermagem, etc. Daí, veio a PEC da Transição para o novo governo e, claro, ela manteve a toada populista, não interrompeu a enorme expansão fiscal e, na verdade, consolidou o aumento de despesas. O total de emendas pulou de 5% da despesa não obrigatória de 2019 para 32% no projeto de lei orçamentária de 2023.
A conta começa a chegar agora às mãos de um governo que é populista e que quer gastar ainda mais para recuperar a força que um dia já teve. Venceu a eleição de 2022 com margem ínfima e por um eleitorado muito mais disposto a votar contra o candidato concorrente do que apoiar o atual governo que hoje se encontra com baixíssima popularidade. Para piorar, é um governo que parece ter assumido o poder com espírito de vingança, pouca racionalidade e parece estar sem liderança. Pessoas próximas a Brasília dizem que não há entendimentos, todos opinam sobre tudo e o bate cabeça está enorme.
Temos então uma combinação perversa. De um lado, as finanças do país necessitando de corte de gastos e aumento de receitas em um momento de desaceleração da economia. De outro, um governo frágil e desorientado frente aos enormes desafios que vão contra sua natureza populista.
Nesse cenário, a única ferramenta que resta é a política monetária enquanto o Banco Central for comandado de forma independente. Mas, a briga entre governo e Banco Central já está aberta e tudo indica que essa independência vai acabar tão logo termine o mandato de Roberto Campos Neto. Ela, na verdade, já está sendo claramente minada pelas indicações de diretorias. E, independente disso, não há política monetária que consiga por muito tempo resolver tudo. O risco que corremos é que, em breve, ela se torne ineficaz frente à inflação. Aí sim, o quadro pode piorar bastante.
Por todo o exposto acima, a administração de portfolios financeiros no Brasil desafia os modelos clássicos de alocação de recursos utilizados por bancos, empresas de gestão e consultorias financeiras. Esses processos clássicos contemplam diversificação e assim alocam os recursos em diferentes classes de ativos, de acordo com o perfil de risco dos clientes. Acontece que com uma Selic a 13,75%, com taxas de juros reais acima de 6% e a economia patinando, a decisão de investir em ações e outros ativos de renda variável tem forte probabilidade de ser detratora de rendimentos e fazer com que a rentabilidade total dos portfolios nesse ano fique prejudicada exatamente pela diversificação.
É claro que sempre existe a argumentação de que, em tese, a diversificação é favorável à rentabilidade do portfólio no longo prazo, e por longo prazo entende-se 10 anos ou mais. Outro ponto importante é que, ainda que os juros altos sejam excelentes para os investidores financeiros, o cenário político-econômico repleto de incertezas, faz com que muitos investidores prefiram aproveitar a queda do dólar para aumentar reserva financeira lá fora, diminuindo a disponibilidade de recursos aqui no Brasil. Então, o momento é muito oportuno para que os investidores sentem com seus assessores financeiros e revisem mais uma vez o perfil de risco de suas carteiras, de forma a garantir que a relação retorno/risco esteja de acordo com seus objetivos, evitando assim surpresas.
*Maria Cláudia Guimarães, CGA, é sócia do Multi Family Office KPC Consultoria Financeira Ltda.