(Aly Song/Reuters)
Panorama Econômico
Publicado em 29 de abril de 2025 às 19h21.
Por Jorge Ferreira*
A desvalorização das ações norte-americanas nos dias que se seguiram ao Liberation Day foi da ordem de US$ 6,6 trilhões. Liberation Day é como foi denominado o dia do anúncio das tarifas de importação pelo governo dos Estados Unidos, marcando um ponto de inflexão na escalada da Guerra Comercial. O anúncio foi abrangente, afetando até mesmo grandes parceiros políticos e comerciais dos EUA, como Reino Unido, Israel, União Europeia, entre outros.
A tarifa mínima anunciada pelos Estados Unidos foi de 10%. No entanto, em muitos casos — inclusive com alguns grandes parceiros norte-americanos — as tarifas impostas foram mais elevadas. Por exemplo, as tarifas foram de 24% para o Japão, 25% para a Coreia do Sul, 26% para a Índia e 20% para a União Europeia. As tarifas de importação para México e Canadá já haviam sido estabelecidas anteriormente em 25%. O Brasil, com tarifas de 10%, acabou ficando relativamente bem posicionado, permanecendo fora do epicentro da Guerra Comercial.
Após o Liberation Day, iniciaram-se as retaliações que, especialmente no caso entre Estados Unidos e China, levaram a uma escalada nas tarifas anunciadas. O governo norte-americano chegou a anunciar que produtos chineses enfrentariam tarifas de importação de até 245,0%. Por sua vez, produtos norte-americanos enfrentariam tarifas de até 125% para entrarem na China. Tudo isso apenas durante o mês de abril. Haja sangue-frio para suportar tanta incerteza.
Nas últimas semanas, contudo, Donald Trump vem adotando um tom mais ameno, ao menos com alguns parceiros comerciais. O governo norte-americano anunciou a suspensão das tarifas mais elevadas por 90 dias, reduzindo também as tarifas para algumas matérias-primas e produtos, como smartphones, computadores, semicondutores, peças para veículos e outros itens estratégicos para a pauta importadora norte-americana.
Esse recuo parcial vem como uma resposta à insatisfação de muitos empresários e investidores norte-americanos, bem como à reação negativa dos mercados financeiros. Na mínima do ano até então, em 8 de abril, o S&P 500 acumulava uma queda de 15,5%, e o Nasdaq Composite perdia 17,5%. Desde então, com o recuo do governo norte-americano em relação às tarifas, os mercados financeiros vêm reagindo positivamente e apresentando uma retomada no apetite ao risco. Contudo, a única certeza tem sido a incerteza e a volatilidade.
No mercado de câmbio, a volatilidade também tem sido a marca registrada do ano até então. Entre altos e baixos, o dólar vem se desvalorizando em relação a diversas moedas. Por exemplo, o U.S. Dollar Index (DXY), um indicador que mede o valor do dólar americano em relação a uma cesta ponderada de moedas estrangeiras de alguns dos principais parceiros comerciais dos Estados Unidos (euro, iene, libra, entre outros), apresenta uma queda de aproximadamente 9,1% em 2025. Já o real se valoriza cerca de 8,2% frente ao dólar até então.
Os efeitos econômicos das tarifas de importação devem ser sentidos ao longo do tempo, mas, no curto prazo, já são esperados impactos. A Organização Mundial do Comércio (OMC) revisou a expectativa para o comércio global, de uma alta de 3,0% para uma queda de 1,0% neste ano. Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou suas projeções de crescimento global, reduzindo a estimativa de 3,3% para 2,8% em 2025. Para o próximo ano, a estimativa da organização também foi reduzida, de 3,3% para 3,0% para o PIB global.
A maior incerteza em relação à dinâmica do comércio global pode impactar as decisões das famílias e empresas, principalmente no que se refere a investimentos de longo prazo. Hoje em dia, um determinado produto pode ter seus componentes produzidos em dezenas de países ao redor do mundo. Uma interrupção nessa cadeia de suprimentos pode impactar os resultados das empresas e, consequentemente, a economia real. É essa incerteza que vem se materializando em volatilidade nos mercados financeiros. Como resultado, multinacionais podem paralisar ou redirecionar investimentos produtivos. Esse cenário traz incerteza, mas também oportunidades.
O Brasil, tendo ficado de fora do epicentro da guerra comercial, pode se beneficiar caso consiga estreitar relacionamentos comerciais com outros países. Além disso, sendo um “parceiro neutro”, pode buscar atrair investimentos que potencialmente podem sair de regiões e países mais impactados pela guerra comercial. Porém, essa conjuntura também pode resultar em desafios para o Brasil. A produção nacional pode sofrer impactos de uma maior concorrência de produtos importados, que venham a ser direcionados para o mercado consumidor brasileiro. Além disso, a desaceleração na economia global pode impactar negativamente o preço das commodities agrícolas, minerais e de energia, principais produtos da pauta exportadora brasileira.
E como ficam os seus investimentos em meio a tantas mudanças?
Até poucos meses atrás, muitos afirmavam que a melhor opção para os investidores brasileiros seria investir no exterior, mesmo diante dos preços excessivamente descontados dos ativos locais e preços elevados dos ativos no exterior. Hoje, esse “consenso” parece ter se dissipado. Potenciais impactos
negativos para a economia global e americana vêm enfraquecendo o dólar, afetando negativamente o preço dos ativos de risco americanos e redirecionando investimentos financeiros ao redor do mundo. Nesse cenário, o mercado brasileiro tem apresentado desempenho relativamente positivo.
O Ibovespa acumula alta de 12,0% no ano, e o real se valoriza frente ao dólar. Além disso, estamos possivelmente nos aproximando do fim do ciclo de aperto monetário, o que pode levar os investidores a reconsiderarem a composição de seus portfólios. Respeitando o perfil de risco de cada investidor, o mercado brasileiro atualmente oferece oportunidades tanto em renda fixa quanto em renda variável.
Na renda fixa, com a taxa Selic em 14,25% ao ano e com expectativa de alcançar 15,0% ao ano nas próximas reuniões do Copom, títulos públicos e privados de alta qualidade oferecem uma remuneração adequada ao capital, sem a necessidade de estratégias mais arriscadas. Na renda variável, é possível encontrar ações de empresas de qualidade sendo negociadas a preços atrativos, especialmente quando comparados aos seus fundamentos.
É claro que, embora existam muitas oportunidades, o desempenho dos ativos financeiros brasileiros também dependerá do país realizar o "dever de casa" em relação aos fundamentos econômicos, com destaque para a gestão dos gastos públicos (tema para outro artigo), além da necessidade de manter uma postura neutra frente à guerra comercial e aproveitar as oportunidades que surgirem. Em vez de tentar prever o que acontecerá, o mais sensato ao investidor parece ser compreender o momento atual e identificar as decisões mais adequadas ao seu perfil e objetivos. Cautela, pés no chão e decisões de investimento bem fundamentadas podem ajudar o investidor a atravessar a turbulência e aproveitar as boas oportunidades.
*Jorge Ferreira é economista, CFA charterholder e mestre em Ciências Contábeis, é sócio fundador da Ostrya Investimentos e Ostrya Capital, além de professor de economia, finanças e gestão em cursos de graduação, MBA e Mestrado na Unisinos.