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A sinusite que nos deu um gênio

No início dos anos 1940, o cartunista Carl trabalhava na empresa de seus sonhos, a poderosa Disney. Apesar disso, não estava nada satisfeito: uma sinusite o incomodava diariamente. Seu médico revelou a causa: o ar condicionado do estúdio, que deixava o ambiente seco e com agentes infecciosos. O tratamento: sair imediatamente daquele lugar e, de preferência, viver num clima quente e úmido. Mas como largar o ótimo emprego? Até Walt Disney já […] Leia mais

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Oportunidades disfarçadas

Publicado em 29 de março de 2016 às, 14h53.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h43.

No início dos anos 1940, o cartunista Carl trabalhava na empresa de seus sonhos, a poderosa Disney. Apesar disso, não estava nada satisfeito: uma sinusite o incomodava diariamente.

Seu médico revelou a causa: o ar condicionado do estúdio, que deixava o ambiente seco e com agentes infecciosos. O tratamento: sair imediatamente daquele lugar e, de preferência, viver num clima quente e úmido.

Mas como largar o ótimo emprego? Até Walt Disney já havia notado o seu talento.

A sinusite, porém, se intensificou, gerando gripes e febres contínuas. Contra a sua vontade, Carl mudou-se para uma fazenda na remota San Jacinto, no sul da Califórnia.

Uma cidade tão pequena que não tinha mercado para desenhistas como ele. Trocou então os ratos e patos da Disney pelas galinhas da fazenda: passou a viver da venda de ovos.

Mas não durou muito. No pós-guerra, os EUA experimentaram uma prosperidade sem precedentes. Para atender à crescente demanda, a Disney teve que contratar free-lancers. Um deles foi Carl.

E ali, no isolamento de sua propriedade, cercado por árvores e montanhas, Carl Barks simplesmente revolucionou os quadrinhos Disney. Nas décadas seguintes, suas histórias para o Pato Donald tornaram-se antológicas, conquistando leitores do mundo inteiro.

Segundo o crítico americano Leonard Maltin, Barks chegou a ser o autor (literário ou não) mais lido do planeta, atingindo 22 milhões de pessoas mensalmente nos anos 1980.

Foi ainda o primeiro criativo da história da Disney a receber autorização para assinar o próprio trabalho. “Tente pensar na General Motors dando permissão para um ex-funcionário fabricar Chevrolets”, resumiu o gênio.

Agora a pergunta: se tivesse ficado na Disney, seu trabalho teria se desenvolvido tanto? Provavelmente, não. No livro Carl Barks: Conversations, o quadrinista lembra do clima opressivo do estúdio: “Eu não gostava da pressão e de ter um monte de gente olhando por cima dos meus ombros e criticando o trabalho o tempo todo (…) Ali, cercado por toda aquela gente que só pensava em dinheiro, eu me sentia como se estivesse numa prisão”.

Mais nocivo era o direcionamento dos editores: “eles achavam que crianças de 8, 9 anos não entendiam o que liam e, de qualquer forma, jogavam (a revista) fora mesmo”. Logo, não valia a pena produzir narrativas mais elaboradas.

Barks pensava de forma oposta: “Eu não conheci nenhuma criança que fosse burra como os editores pensavam (…) Me lembro de quando eu era garoto, e tinha um entendimento quase completo das coisas”.

E foi para atender crianças espertas e curiosas como ele foi um dia, que Barks concebeu sua memorável obra: “Primeiro, eu escrevia algo para entreter a mim mesmo, e talvez isso pudesse agradar às outras crianças também.”

O fazendeiro de San Jacinto criou inclusive alguns dos principais personagens Disney, como Tio Patinhas, Professor Pardal, Irmãos Metralha e Gastão, o ganso mais sortudo do mundo.

Por falar em sorte, devemos agradecer ao destino pelo americano sofrer da doença inflamatória? Com a palavra, a escritora Barbara Boatner, no livro The Fine Art of Donald’s Duck: “Foram o pré-histórico ar condicionado do estúdio e a grave sinusite de Barks que o colocaram no caminho de Patópolis”.

 

 

 

 

Curiosidade 1: a influência de Carl Barks vai muito além do mundo dos quadrinhos. Importantes escritores, músicos, artistas e cineastas já declararam sua admiração a ele. George Lucas e Steven Spielberg, por exemplo, prestaram-lhe uma homenagem no filme Indiana Jones. A cena em que o herói foge de uma enorme pedra em uma caverna foi retirada de um gibi assinado pelo “homem dos patos”.

Curiosidade 2: Apesar de seus quadrinhos serem ambientados em praticamente todas das regiões do mundo – e do universo – Barks nunca saiu dos Estados Unidos. Sua principal fonte de referência era a National Geographic.

 

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Fontes:

Book Carl Barks: Conversations – By Donald Ault – University Press of Mississipi – 2003

Book The Fine Art of Donald’s Duck – By Carl Barks – Another Rainbow Publishing, Inc. – 1981