Colunistas

Variável H: desafios e perspectivas para o futuro do trabalho

Em um mundo em que mal conseguimos reconhecer o que é humano e o que é IA, é essa variável que vai fazer a diferença nas relações corporativas 

 (Klaus Vedfelt/Getty Images)

(Klaus Vedfelt/Getty Images)

EXAME Saint Paul
EXAME Saint Paul

EXAME Saint Paul

Publicado em 20 de agosto de 2025 às 17h33.

Por Beatriz Cara Nobrega* 

 

Estudo recente do primeiro trimestre deste ano apontou algo que chama a atenção: a maioria das falhas na adoção da inteligência artificial está ligada a fatores humanos, como confiança, emoções e cultura organizacional, e não à tecnologia em si. Publicada no Journal of Management Studies, a pesquisa expõe o que publiquei ano passado no livro “O futuro do trabalho - Agendas e interseccionalidades” sobre a Variável H, afinal, o ser humano é o elemento central e inegociável para compreendermos e construirmos o futuro do trabalho em um mundo cada vez mais impactado por tecnologias exponenciais.  

Ainda sobre a pesquisa, um dos pontos de conclusão afirma que a confiança na tecnologia é construída, não presumida, isto é, muitas empresas implementam tecnologias sem preparar as equipes para confiar nas decisões baseadas em algoritmos, novamente deixando de lado a Variável H e ignorando a capacitação, o que é, como os números mostram, essencial para a adesão do processo. 

Em meio à velocidade das transformações, a resposta mais potente para superar esse desafio pode estar em algo essencial e ancestral: reumanizar. Isso porque o paradoxo do futuro é que, quanto mais tecnologia nos cerca, mais precisaremos reforçar o que nos torna humanos. A Variável H não é um freio ao progresso, mas o elemento de equilíbrio que garante que a inovação siga alinhada a valores éticos, sociais e emocionais. 

Assim, empresas que quiserem prosperar não precisarão apenas de engenheiros em IA, mas também de engenheiros de cultura, confiança e significado. 

Um olhar sobre o tempo 

A história do trabalho sempre refletiu a interação entre pessoas, tecnologias e contextos sociais. Desde os primeiros rituais de cooperação até as revoluções industriais, o trabalho não apenas sustentou economias, ele moldou identidades, valores, vínculos e aspirações. 

A chegada da automação e da produção em massa fragmentou tarefas e alterou profundamente o papel das pessoas nas organizações. Já as crises econômicas impulsionaram direitos, seguridades e novas formas de organização do trabalho. Com a globalização e a digitalização dos processos, entramos em uma era de especialização, flexibilidade e trabalho descentralizado. Porém, quanto mais buscamos automatizar os processos, mais nos afastamos de aspectos que constroem vínculo, propósito e cultura. 

A psicóloga Sherry Turkle em seu artigo Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other argumenta que, à medida que substituímos interações humanas por tecnologia (como chatbots e atendimento automatizado), perdemos nuances emocionais essenciais para construir relacionamentos significativos. Com isso, a automação e a burocratização passam a criar empregos sem sentido, esvaziando o senso de propósito dos trabalhadores. 

O agora que pulsa 

Neste presente desafiador, cito quatro eixos que se impõem como urgentes para deixar em evidência a Variável H: 

* Tecnologia e automação com humanização 

A ascensão da IA e da automação impõe a necessidade de um movimento coletivo e constante de reskilling e upskilling. Mais que substituir funções, precisamos ampliar possibilidades e garantir que ninguém fique para trás. 

* Carreiras fluidas e empregabilidade 

A lógica da carreira linear já não dá conta da complexidade atual. Empregabilidade passa a ser sinônimo de aprendizado contínuo, reinvenção e desenvolvimento de competências atemporais e adaptativas. 

* Equidade e inclusão 

O avanço tecnológico pode acirrar desigualdades se não houver intencionalidade. Precisamos garantir acesso a oportunidades, voz para diferentes grupos e ambientes genuinamente diversos. 

* Sustentabilidade do trabalho e das relações 

Modelos híbridos, sobrecarga digital e fronteiras borradas exigem atenção à saúde mental, à cultura organizacional e ao senso de pertencimento. 

Um futuro possível e desejável 

Inspirada por pensadores como Eric Hobsbawm e James Suzman, proponho um chamado: recolocar o humano no centro. A Variável H não é uma peça do sistema, é o sistema. Ela orienta decisões, redesenha estruturas, modula impactos e amplia horizontes. 

A variável H não pode ser terceirizada nem delegada a algoritmos. Agora é o momento de revisar processos, estratégias e lideranças. Isso porque mais do que pensar o trabalho do futuro, precisamos cultivar um futuro com mais trabalho digno, significativo e humano. Porque, no fim, o que nos torna insubstituíveis não é nossa produtividade, é nossa capacidade de imaginar, cuidar, criar enos conectar. 

 

*Beatriz Cara Nobrega é multiempreendedora baseada em seus talentos é apaixonada por Desenvolvimento Humano e Organizacional. Sua carreira abrange liderança de equipes em empresas de diferentes setores e portes, projetos internacionais e desafios complexos. Como conselheira, CHRO as a service, mentora, palestrante e influenciadora de RH tem impactado inúmeras empresas e pessoas, oferecendo orientação valiosa e sempre acreditando no potencial ilimitado do ser humano. Psicóloga pela USP, pós-graduada em Administração de Empresas pela FGV, possui sólidas formações executivas como Advanced Boardroom Program, ESG Avançado e SEER pela Saint Paul Escola de Negócios.