Uma resolução para o desenvolvimento no ano novo
François Bourguignon, Joseph Stiglitz, Kaushik Basu, Justin Yifu* PEQUIM/PARIS/NOVA YORK – O voto para sair da União Europeia por parte do Reino Unido e a eleição de Donald Trump como próximo Presidente dos Estados Unidos desnudou a insatisfação dos cidadãos dos países desenvolvidos com a globalização. Correta ou incorretamente, eles culpam a globalização – ou, como ela […]
Da Redação
Publicado em 9 de janeiro de 2017 às 13h59.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h32.
François Bourguignon, Joseph Stiglitz, Kaushik Basu, Justin Yifu*
PEQUIM/PARIS/NOVA YORK – O voto para sair da União Europeia por parte do Reino Unido e a eleição de Donald Trump como próximo Presidente dos Estados Unidos desnudou a insatisfação dos cidadãos dos países desenvolvidos com a globalização. Correta ou incorretamente, eles culpam a globalização – ou, como ela tem sido administrada – pela estagnação da renda, pelo aumento do desemprego e pelo crescimento da insegurança.
Cidadãos dos países em desenvolvimento têm expressado sentimentos parecidos há muito mais tempo. Embora a globalização tenha trazido muitos benefícios ao mundo em desenvolvimento, muita gente faz objeção à economia neoliberal que tem orientado essa gestão. Em especial, o chamado Consenso de Washington, que conclama para a liberalização e a privatização sem restrições e políticas macroeconômicas que se concentram na inflação, em vez do desemprego e o crescimento, o que tem atraído muitas críticas ao longo dos anos. Será que não está na hora de se revisar o conhecimento econômico convencional?
A Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (Sida) considerou uma questão que vale a pena analisar. Para tanto, convidou 13 economistas do mundo inteiro (incluindo os autores – quatro ex-economistas sêniores do Banco Mundial) para fazer exatamente isso.
Concluímos que algumas das ideias que fundamentam a tradicional economia do desenvolvimento, podem, na verdade, ter contribuído para criar alguns dos desafios econômicos que o mundo enfrenta hoje. Em especial, agora está evidente que simplesmente manter os orçamentos nacionais equilibrados, controlar a inflação e permitir ao mercado fazer o resto, não gera automaticamente crescimento sustentável e inclusivo. Tendo isso em mente, identificamos oito amplos princípios que deveriam orientar a política do desenvolvimento.
Em primeiro lugar, o crescimento do PIB deve ser visto como um meio para um fim, não um fim em si mesmo. O crescimento é importante porque fornece os recursos necessários para atender várias dimensões do bem-estar humano: emprego, consumo sustentável, habitação, saúde, educação e segurança.
Em segundo lugar, a política econômica deve promover ativamente o desenvolvimento inclusivo. Em vez de esperar que a maré de desenvolvimento levante todos os barcos, os formuladores de políticas devem assegurar que nenhum grupo seja deixado para trás. Eles precisam encarar, de frente, as privações – do desemprego ao acesso inadequado aos serviços de saúde, ou à educação – que tantos danos causam aos mais pobres.
Além do imperativo moral, tais cuidados ajudariam a manter o desempenho econômico, que pode ser ameaçado pela excessiva desigualdade de renda, por meio de tensões sociais, turbulência política e até mesmo violentos conflitos. De fato, as turbulências políticas recentes – incluindo as vitórias do Brexit e Trump – foram impulsionadas parcialmente pela excessiva desigualdade.
Em terceiro lugar, a sustentabilidade ambiental não é uma opção. No nível nacional, o crescimento da renda obtido às custas de danos ambientais é insustentável, portanto, inaceitável. Em nível global, as alterações climáticas constituem uma ameaça para a saúde, aos meios de subsistência e ao habitat. É imperativo que as técnicas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas sejam partes integrantes da política do desenvolvimento, e não adendos, tanto em nível nacional como internacional.
Em quarto lugar, é preciso haver equilíbrio entre mercado, estado e comunidade. Mercados são fundamentalmente instituições sociais e requerem regulamentação para alocação de recursos de forma eficiente. No último quarto de século, os mercados sub-regulados foram motivo de muitos resultados econômicos adversos, incluindo a crise financeira de 2008 e insustentáveis níveis de desigualdade.
Tanto para os mercados como para os atores não mercantis, o Estado é indispensável para uma regulamentação eficaz. Instituições da sociedade civil, por sua vez, são fundamentais para assegurar que o Estado funcione de forma eficiente e justa.
Em quinto lugar, a estabilidade macroeconômica exige flexibilidade política. Os tradicionais cânones econômicos impunham orçamentos equilibrados – às vezes em detrimento da estabilidade macroeconômica. Uma abordagem mais adequada consideraria os equilíbrios fiscais e externos como restrições de médio prazo. Dessa forma, os estímulos fiscais, tal como o investimento público, podem ajudar a revigorar economias fracas e lançar as bases para o crescimento de longo prazo. O importante é assegurar que a dívida pública e as pressões inflacionárias sejam bem administradas durante as épocas boas.
Em sexto lugar, o impacto da mudança tecnológica sobre a desigualdade exige especial atenção. Os recentes avanços tecnológicos reduziram a mão de obra, aumentando a participação do capital na renda e, portanto, o nível de desigualdade. Afinal, a automação permite que as empresas gastem menos em salários, desse modo aumentando os retornos dos acionistas.
Infelizmente, o que é fundamentalmente um problema de mão-de-obra versus capital tem sido retratado muitas vezes como um problema de mão de obra contra mão de obra, com algumas economias avançadas afirmando que os países em desenvolvimento estão roubando seus empregos. Isso contribuiu para a rejeição da abertura do comércio e apela ao protecionismo. O que é realmente necessário, no entanto, é ação para melhorar o capital humano; adaptar e aperfeiçoar os instrumentos de redistribuição da renda; e promover a igualdade nos rendimentos do mercado, incluindo melhor poder de negociação dos trabalhadores.
Em sétimo lugar, normas sociais, valores e crenças afetam o desempenho econômico. Uma economia funciona melhor quando há confiança entre as pessoas. As normas sociais também podem ajudar a conter a corrupção e a incentivar práticas justas. A sociedade civil e os governos devem, portanto, promover valores e normas adequados.
Em oitavo lugar, a comunidade internacional tem importante papel a desempenhar. Forças globais e políticas nacionais criam externalidades que restringem as opções políticas. Talvez o exemplo recente mais comentado seja o impacto das políticas monetárias dos países avançados nos fluxos de capital dentro e fora das economias emergentes. Outros exemplos incluem restrições à imigração, políticas comerciais e regulamentos sobre paraísos fiscais.
Somente instituições internacionais podem gerenciar as externalidades criadas por essas políticas. A chave para garantir que isso se faça de forma justa e eficaz é amplificar a voz dos países em desenvolvimento dentro delas.
Assim como terminou 2016, também deveriam terminar os antigos modos do pensamento econômico que produziram tanta atribulação econômica e alimentado tanto tumulto. O desenvolvimento econômico do passado, junto com os avanços no pensamento econômico, nos proporcionou uma riqueza de percepção sobre o que funciona e o que não funciona. Esse conhecimento deveria estar no cerne da nova abordagem do desenvolvimento que o mundo precisa.
- Kaushik Basu, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor de Economia na Cornell University. François Bourguignon, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor Emérito de Economia da Escola de Economia de Paris. Justin Yifu Lin, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor na Universidade de Pequim. Joseph E. Stiglitz, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor na Columbia University
François Bourguignon, Joseph Stiglitz, Kaushik Basu, Justin Yifu*
PEQUIM/PARIS/NOVA YORK – O voto para sair da União Europeia por parte do Reino Unido e a eleição de Donald Trump como próximo Presidente dos Estados Unidos desnudou a insatisfação dos cidadãos dos países desenvolvidos com a globalização. Correta ou incorretamente, eles culpam a globalização – ou, como ela tem sido administrada – pela estagnação da renda, pelo aumento do desemprego e pelo crescimento da insegurança.
Cidadãos dos países em desenvolvimento têm expressado sentimentos parecidos há muito mais tempo. Embora a globalização tenha trazido muitos benefícios ao mundo em desenvolvimento, muita gente faz objeção à economia neoliberal que tem orientado essa gestão. Em especial, o chamado Consenso de Washington, que conclama para a liberalização e a privatização sem restrições e políticas macroeconômicas que se concentram na inflação, em vez do desemprego e o crescimento, o que tem atraído muitas críticas ao longo dos anos. Será que não está na hora de se revisar o conhecimento econômico convencional?
A Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (Sida) considerou uma questão que vale a pena analisar. Para tanto, convidou 13 economistas do mundo inteiro (incluindo os autores – quatro ex-economistas sêniores do Banco Mundial) para fazer exatamente isso.
Concluímos que algumas das ideias que fundamentam a tradicional economia do desenvolvimento, podem, na verdade, ter contribuído para criar alguns dos desafios econômicos que o mundo enfrenta hoje. Em especial, agora está evidente que simplesmente manter os orçamentos nacionais equilibrados, controlar a inflação e permitir ao mercado fazer o resto, não gera automaticamente crescimento sustentável e inclusivo. Tendo isso em mente, identificamos oito amplos princípios que deveriam orientar a política do desenvolvimento.
Em primeiro lugar, o crescimento do PIB deve ser visto como um meio para um fim, não um fim em si mesmo. O crescimento é importante porque fornece os recursos necessários para atender várias dimensões do bem-estar humano: emprego, consumo sustentável, habitação, saúde, educação e segurança.
Em segundo lugar, a política econômica deve promover ativamente o desenvolvimento inclusivo. Em vez de esperar que a maré de desenvolvimento levante todos os barcos, os formuladores de políticas devem assegurar que nenhum grupo seja deixado para trás. Eles precisam encarar, de frente, as privações – do desemprego ao acesso inadequado aos serviços de saúde, ou à educação – que tantos danos causam aos mais pobres.
Além do imperativo moral, tais cuidados ajudariam a manter o desempenho econômico, que pode ser ameaçado pela excessiva desigualdade de renda, por meio de tensões sociais, turbulência política e até mesmo violentos conflitos. De fato, as turbulências políticas recentes – incluindo as vitórias do Brexit e Trump – foram impulsionadas parcialmente pela excessiva desigualdade.
Em terceiro lugar, a sustentabilidade ambiental não é uma opção. No nível nacional, o crescimento da renda obtido às custas de danos ambientais é insustentável, portanto, inaceitável. Em nível global, as alterações climáticas constituem uma ameaça para a saúde, aos meios de subsistência e ao habitat. É imperativo que as técnicas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas sejam partes integrantes da política do desenvolvimento, e não adendos, tanto em nível nacional como internacional.
Em quarto lugar, é preciso haver equilíbrio entre mercado, estado e comunidade. Mercados são fundamentalmente instituições sociais e requerem regulamentação para alocação de recursos de forma eficiente. No último quarto de século, os mercados sub-regulados foram motivo de muitos resultados econômicos adversos, incluindo a crise financeira de 2008 e insustentáveis níveis de desigualdade.
Tanto para os mercados como para os atores não mercantis, o Estado é indispensável para uma regulamentação eficaz. Instituições da sociedade civil, por sua vez, são fundamentais para assegurar que o Estado funcione de forma eficiente e justa.
Em quinto lugar, a estabilidade macroeconômica exige flexibilidade política. Os tradicionais cânones econômicos impunham orçamentos equilibrados – às vezes em detrimento da estabilidade macroeconômica. Uma abordagem mais adequada consideraria os equilíbrios fiscais e externos como restrições de médio prazo. Dessa forma, os estímulos fiscais, tal como o investimento público, podem ajudar a revigorar economias fracas e lançar as bases para o crescimento de longo prazo. O importante é assegurar que a dívida pública e as pressões inflacionárias sejam bem administradas durante as épocas boas.
Em sexto lugar, o impacto da mudança tecnológica sobre a desigualdade exige especial atenção. Os recentes avanços tecnológicos reduziram a mão de obra, aumentando a participação do capital na renda e, portanto, o nível de desigualdade. Afinal, a automação permite que as empresas gastem menos em salários, desse modo aumentando os retornos dos acionistas.
Infelizmente, o que é fundamentalmente um problema de mão-de-obra versus capital tem sido retratado muitas vezes como um problema de mão de obra contra mão de obra, com algumas economias avançadas afirmando que os países em desenvolvimento estão roubando seus empregos. Isso contribuiu para a rejeição da abertura do comércio e apela ao protecionismo. O que é realmente necessário, no entanto, é ação para melhorar o capital humano; adaptar e aperfeiçoar os instrumentos de redistribuição da renda; e promover a igualdade nos rendimentos do mercado, incluindo melhor poder de negociação dos trabalhadores.
Em sétimo lugar, normas sociais, valores e crenças afetam o desempenho econômico. Uma economia funciona melhor quando há confiança entre as pessoas. As normas sociais também podem ajudar a conter a corrupção e a incentivar práticas justas. A sociedade civil e os governos devem, portanto, promover valores e normas adequados.
Em oitavo lugar, a comunidade internacional tem importante papel a desempenhar. Forças globais e políticas nacionais criam externalidades que restringem as opções políticas. Talvez o exemplo recente mais comentado seja o impacto das políticas monetárias dos países avançados nos fluxos de capital dentro e fora das economias emergentes. Outros exemplos incluem restrições à imigração, políticas comerciais e regulamentos sobre paraísos fiscais.
Somente instituições internacionais podem gerenciar as externalidades criadas por essas políticas. A chave para garantir que isso se faça de forma justa e eficaz é amplificar a voz dos países em desenvolvimento dentro delas.
Assim como terminou 2016, também deveriam terminar os antigos modos do pensamento econômico que produziram tanta atribulação econômica e alimentado tanto tumulto. O desenvolvimento econômico do passado, junto com os avanços no pensamento econômico, nos proporcionou uma riqueza de percepção sobre o que funciona e o que não funciona. Esse conhecimento deveria estar no cerne da nova abordagem do desenvolvimento que o mundo precisa.
- Kaushik Basu, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor de Economia na Cornell University. François Bourguignon, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor Emérito de Economia da Escola de Economia de Paris. Justin Yifu Lin, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor na Universidade de Pequim. Joseph E. Stiglitz, foi economista sênior do Banco Mundial, é Professor na Columbia University