Santos Brasil em movimento (Germano Luders/EXAME.com)
Publicado em 10 de setembro de 2025 às 16h44.
Última atualização em 12 de setembro de 2025 às 15h24.
Por Jaime Troiano*
Sempre me lembro de um ditado que ouvia muito em minha família mineira. Problemas inesperados, mudanças obrigatórias de planos, surpresas desagradáveis, enfim, pedras, buracos e postes no caminho. Tudo o que nos tira do conforto e do rumo que organizamos com tanto cuidado. Lógico, não há como evitar o lamento. Mas a sabedoria dos mais velhos dizia, e aí vem do ditado: calma, tropicão também leva pra frente. E é algo que o Brasil está aprendendo com o tarifaço e demais sanções comerciais impostas pelo presidente norte-americano Donald Trump: talvez este “trumpicão" também possa nos levar adiante.
Tanto no caso do “tropicão" quanto agora no do “trumpicão”, o sentimento de ser injustiçado, de ter de dar alguns passos para trás sem merecer, pode vir acompanhado de uma grande revelação e de um importante aprendizado. Da fragilidade que conduziu à queda vem o reconhecimento de que isso não aconteceu apenas pela culpa da pedra, ou do buraco na trilha, ou de um poste que eu não enxerguei. Vem do que então? Vem de eu ter não pulado a pedra, de não contornado o buraco, não ter visto o poste.
Pois bem, o tarifaço é uma mistura de pedra, buraco e poste. Estamos sofrendo e indignados com a irracionalidade da medida. Ela é tão imbecil porque contraria a esperança infantil que nutrimos há séculos de uma proteção colonial que sempre acalentamos. Ou, de que lá no hemisfério norte haveria sempre um suposto pai protetor e inspirador. Uma fantasia, uma expectativa mítica que se desfizeram em algumas canetadas.
O tarifaço do Trump é, neste primeiro momento, um inesperado, um indejado “trumpicão”, doloroso e injusto. Ralamos os joelhos e os braços. Mas estamos, de certa forma, mais vivos que antes. Porque vem de dentro um sentimento revelador: em primeiro lugar, a dignidade nacional ativada. Ainda que parcialmente, porque a torcida não é unânime.
O “trumpicão” também leva pra frente porque vamos reaprender, ainda que não seja tão fácil, que nós dependemos acima de tudo de nós mesmos e não de alianças que nos mantém atados em laços semi-coloniais. Ecoam próximas algumas palavras do Bilac: “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!/Criança! Não verás nenhum país como este!” (A Pátria-1904).
A hora é esta. Uma dura lição, mas com uma carga pedagógica que não podemos ignorar desta vez: o centro somos nós mesmos. O primeiro mercado que precisamos atender está dentro do nosso próprio território. Mas como criamos e produzimos muito mais produtos, riqueza do que somos capazes de consumir, o “trumpicão” vai nos ensinar a distribuir melhor nossas fichas nesse enorme cassino global das relações comerciais multilaterais.
Imaginar um mundo sem novos buracos, pedras e postes é um sonho infantil. Não sabemos quantos mais virão em nossa história. Mas que o próximo, e eles sempre virão, seja na forma de um tarifaço ou sabe lá o quê, nos encontre com mais anticorpos.
Quantas e quantas vezes já acompanhei e participei de debates sobre o que é a marca Brasil. Como ela se expressa diante de nós mesmos, diante de outros países, enfim, qual é nossa cara. Em outras palavras, o que falam de nós por aí, quando não estamos por perto? Tenho a impressão de que o “trumpicão” tem servido para acrescentar mais alguns traços, normalmente adormecidos, em nossa identidade, em nossa marca. Pouca gente negaria que um novot sentimento de dignidade, de respeito e amor próprio foram cutucados e emergiram.
Nada como um “trumpicão” para fazer com que este vira-lata-Brasil reaja e tenha liberdade de dizer não! Quando li “O elogio do vira-lata” (Eduardo Giannetti), entendi que o exercício da liberdade é da personalidade dos vira-latas e não dos obedientes cachorrinhos de madame.
*Jaime Troiano é fundador e presidente do conselho da Troiano Branding