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Um passo positivo na luta contra a corrupção

Essa tendência, que no Brasil começou com a Lei Anticorrupção de 2013, está para se consolidar definitivamente com a nova lei de licitações, prestes a ser sancionada pela Presidência da República

Tudo isso, mesmo que tímido, pois poderíamos também estar falando em compliance ambiental e outros, é um grande avanço na consolidação de um regime preventivo eficiente ao mal da corrupção (Towfiqu Photography/Getty Images)
AM

André Martins

Publicado em 30 de janeiro de 2021 às 07h00.

De apenas coadjuvante do setor público na luta contra a corrupção, as empresas, ONGs e associações tem se tornado nestes últimos anos protagonistas desse combate, seja no Brasil, seja no mundo. A ideia de que o enfrentamento desse crime deve ser feito apenas por órgãos do Estado, especialmente a polícia e pelo ministério público, está ultrapassada não só pela ineficiência do modelo, mas também pela exigência das próprias empresas e da sociedade de que o ambiente de negócios seja antes de mais nada ético e limpo. Essa tendência, que no Brasil começou com a Lei Anticorrupção de 2013, está para se consolidar definitivamente com a nova lei de licitações, prestes a ser sancionada pela Presidência da República.

Conformidade, integridade ou compliance são palavras cada vez mais comuns na imprensa e tem sido uma das principais preocupações das empresas brasileiras desde a aprovação da lei de lavagem de dinheiro em 1998, mesmo que neste início apenas para ainda um pequeno elenco de atividades que poderiam ser utilizadas para a movimentação e ocultação de valores ilícitos. Entretanto, com a introdução de um novo campo de conformidade, o chamado compliance anticorrupção, em 2013, e com o início da operação Lava Jato em 2014, este tema ganhou definitivamente as páginas dos jornais. Agora, se não houver qualquer veto de Jair Bolsonaro aos dispositivos que tratam dessas exigências na nova Lei de Licitações, a integridade finalmente ganhará sua maioridade.

O Projeto de Lei 4.253/2020, aprovado em dezembro pelo Senado Federal após 18 anos de discussões, e que substitui a Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações), a Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão) e a Lei 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações), encontra-se agora sob análise do Ministério da Economia para sugestões de eventuais vetos ao Presidente da República. Trata-se talvez do único avanço legislativo significativo, mesmo que tímido segundo especialistas em licitação, nesse fatídico ano de 2020. Em um governo que tem se caracterizado pela destruição dos instrumentos de controle, há o que se comemorar, ao menos no que se refere às exigências de que as empresas tenham programas de conformidade.

Agora, paulatinamente com a aplicação da nova lei nos dois anos após sua sanção, todas as empresas brasileiras de médio e grande porte terão grande motivação para implantar programas efetivos de compliance anticorrupção (e este trará a reboque, segundo os riscos específicos do negócio, outras áreas de conformidade igualmente importantes). Assim, em contratações de grande vulto, ou seja, para obras, fornecimentos ou serviços acima de duzentos milhões de reais, será obrigatório que a empresa contratada, no máximo seis meses, apresente um programa de integridade, sujeita a penalidades pelo seu descumprimento.

Entretanto, se a impressão dessa determinação é a de que o compliance será um assunto apenas para os grandes empreendimentos, afinal duzentos milhões de reais não é um valor do dia a dia da maioria das empresas brasileiras, outras regras demonstram claramente que um bom programa de integridade será um bom investimento para qualquer contratante com o governo, pois, em caso de empate entre as propostas, um dos critérios para e desempate será o desenvolvimento de um programa de compliance efetivo. Além disso, como já previsto também na Lei Anticorrupção, a existência de um programa de conformidade também será considerada por ocasião da determinação da sanção por descumprimento das regras contratuais e legais estabelecidas na nova lei, bem como exigência para a reabilitação de empresa que foi apenada.

Tudo isso, mesmo que tímido, pois poderíamos também estar falando em compliance ambiental e outros, é um grande avanço na consolidação de um regime preventivo eficiente ao mal da corrupção. É sempre melhor prevenir que remediar, e a colaboração das empresas é o único meio para que no futuro não precisemos de novas operações Lava Jato. Há grandes desafios para o poder público, pois os órgãos de controle, inclusive o Ministério Público, precisarão desenvolver mecanismos de avaliação efetiva dos programas das empresas. Mas todos têm a ganhar, pois aprender a dizer não a solicitações indevidas, a não se deixar levar por atalhos fáceis, e, em suma, fazer a coisa certa é o melhor para o negócio, para os stakeholders, para o Estado e a sociedade em geral.

* Carlos Fernando dos Santos Lima é advogado especialista em compliance, mestre em Direito pela Cornell Law School (EUA) e atuou como procurador da República entre 1995 e 2018. Antes de aposentar-se do cargo foi membro das forças-tarefas dos casos Lava Jato e Banestado/CC5

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De apenas coadjuvante do setor público na luta contra a corrupção, as empresas, ONGs e associações tem se tornado nestes últimos anos protagonistas desse combate, seja no Brasil, seja no mundo. A ideia de que o enfrentamento desse crime deve ser feito apenas por órgãos do Estado, especialmente a polícia e pelo ministério público, está ultrapassada não só pela ineficiência do modelo, mas também pela exigência das próprias empresas e da sociedade de que o ambiente de negócios seja antes de mais nada ético e limpo. Essa tendência, que no Brasil começou com a Lei Anticorrupção de 2013, está para se consolidar definitivamente com a nova lei de licitações, prestes a ser sancionada pela Presidência da República.

Conformidade, integridade ou compliance são palavras cada vez mais comuns na imprensa e tem sido uma das principais preocupações das empresas brasileiras desde a aprovação da lei de lavagem de dinheiro em 1998, mesmo que neste início apenas para ainda um pequeno elenco de atividades que poderiam ser utilizadas para a movimentação e ocultação de valores ilícitos. Entretanto, com a introdução de um novo campo de conformidade, o chamado compliance anticorrupção, em 2013, e com o início da operação Lava Jato em 2014, este tema ganhou definitivamente as páginas dos jornais. Agora, se não houver qualquer veto de Jair Bolsonaro aos dispositivos que tratam dessas exigências na nova Lei de Licitações, a integridade finalmente ganhará sua maioridade.

O Projeto de Lei 4.253/2020, aprovado em dezembro pelo Senado Federal após 18 anos de discussões, e que substitui a Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações), a Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão) e a Lei 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações), encontra-se agora sob análise do Ministério da Economia para sugestões de eventuais vetos ao Presidente da República. Trata-se talvez do único avanço legislativo significativo, mesmo que tímido segundo especialistas em licitação, nesse fatídico ano de 2020. Em um governo que tem se caracterizado pela destruição dos instrumentos de controle, há o que se comemorar, ao menos no que se refere às exigências de que as empresas tenham programas de conformidade.

Agora, paulatinamente com a aplicação da nova lei nos dois anos após sua sanção, todas as empresas brasileiras de médio e grande porte terão grande motivação para implantar programas efetivos de compliance anticorrupção (e este trará a reboque, segundo os riscos específicos do negócio, outras áreas de conformidade igualmente importantes). Assim, em contratações de grande vulto, ou seja, para obras, fornecimentos ou serviços acima de duzentos milhões de reais, será obrigatório que a empresa contratada, no máximo seis meses, apresente um programa de integridade, sujeita a penalidades pelo seu descumprimento.

Entretanto, se a impressão dessa determinação é a de que o compliance será um assunto apenas para os grandes empreendimentos, afinal duzentos milhões de reais não é um valor do dia a dia da maioria das empresas brasileiras, outras regras demonstram claramente que um bom programa de integridade será um bom investimento para qualquer contratante com o governo, pois, em caso de empate entre as propostas, um dos critérios para e desempate será o desenvolvimento de um programa de compliance efetivo. Além disso, como já previsto também na Lei Anticorrupção, a existência de um programa de conformidade também será considerada por ocasião da determinação da sanção por descumprimento das regras contratuais e legais estabelecidas na nova lei, bem como exigência para a reabilitação de empresa que foi apenada.

Tudo isso, mesmo que tímido, pois poderíamos também estar falando em compliance ambiental e outros, é um grande avanço na consolidação de um regime preventivo eficiente ao mal da corrupção. É sempre melhor prevenir que remediar, e a colaboração das empresas é o único meio para que no futuro não precisemos de novas operações Lava Jato. Há grandes desafios para o poder público, pois os órgãos de controle, inclusive o Ministério Público, precisarão desenvolver mecanismos de avaliação efetiva dos programas das empresas. Mas todos têm a ganhar, pois aprender a dizer não a solicitações indevidas, a não se deixar levar por atalhos fáceis, e, em suma, fazer a coisa certa é o melhor para o negócio, para os stakeholders, para o Estado e a sociedade em geral.

* Carlos Fernando dos Santos Lima é advogado especialista em compliance, mestre em Direito pela Cornell Law School (EUA) e atuou como procurador da República entre 1995 e 2018. Antes de aposentar-se do cargo foi membro das forças-tarefas dos casos Lava Jato e Banestado/CC5

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