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Três motivos para evitar o pânico econômico com o coronavírus

Pânico gerado pelo novo coronavírus, originário de Wuhan, lembra a muitos do medo e incerteza no auge da crise de 2003 da Síndrome Respiratória Aguda Grave

Homem anda de bicicleta em Pequim, na China (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
Homem anda de bicicleta em Pequim, na China (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
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Opinião

Publicado em 28 de janeiro de 2020 às, 18h36.

Última atualização em 28 de janeiro de 2020 às, 19h32.

O pânico gerado pelo novo coronavírus, 2019-nCov, originário de Wuhan, uma das maiores cidades da China e um grande polo interno de transportes, lembra a muitos do medo e incerteza no auge da crise de 2003 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês). O mercado de ações da China, depois de meses subindo, tem recuado nos últimos dias, acompanhado pelos mercados globais, em um aparente reflexo das preocupações sobre o impacto da epidemia na economia chinesa e no crescimento mundial. Será que essas preocupações têm fundamento?

Minha projeção de base é que o surto de coronavírus vai piorar antes de melhorar, com infecções e mortes possivelmente chegando ao ápice na segunda ou terceira semana de fevereiro. Mas eu espero que tanto as autoridades chinesas quanto a Organização Mundial de Saúde declarem a epidemia sob controle até o início de abril.

Diante deste cenário inicial, minha melhor estimativa é que o vírus terá um impacto negativo na economia bastante limitado. É provável que o efeito dele no índice de crescimento do PIB chinês em 2020 seja pequeno, talvez uma queda da ordem de 0,1%. O efeito no primeiro trimestre de 2020 será grande, talvez até diminuindo o crescimento em um ponto percentual em uma base anualizada, mas isso será compensado de modo significativo pelo crescimento acima da tendência histórica durante o resto do ano. O impacto no crescimento do PIB mundial será ainda menor.

Uma previsão dessas recorda a experiência da crise da SARS de 2003: uma grande queda no crescimento do PIB chinês no segundo trimestre daquele ano foi então compensada em grande medida pelo crescimento maior nos dois trimestres posteriores. Ainda que o índice de crescimento do ano todo de 2003 tenha sido de cerca de 10%, muitos economistas de bancos de investimentos exageraram nas previsões sobre o impacto negativo da epidemia no crescimento. Olhando-se os índices de crescimento anual real do PIB de 2000 a 2006, é muito difícil notar qualquer efeito do SARS nos dados.

Alguns temem que o momento da epidemia – no início das comemorações prolongadas do Ano Novo Chinês, e no meio das tradicionais viagens de férias escolares – vá piorar as consequências econômicas ao manter muitas pessoas longe de comércios, restaurantes e polos turísticos. Contudo, três fatores importantes podem limitar o impacto do vírus.

Primeiro, em contraste com o surto de SARS, a China está hoje na era do comércio pela internet, com os consumidores comprando cada vez mais on-line. É provável que grande parte da redução causada pelo vírus nas vendas off-line seja compensada por um aumento nas compras on-line. Além disso, a maioria das férias canceladas hoje provavelmente serão compensadas em viagens futuras, uma vez que os lares em melhor condição já têm separado um orçamento para viagens nas férias.

Muitas fábricas já tinham agendado pausas na produção durante o feriado do Ano Novo Chinês, de modo que o momento da epidemia talvez minimize a necessidade de novos fechamentos. De modo semelhante, muitos órgãos públicos e escolas tinham planejado fechamentos nas férias independentemente do surto do vírus. O governo apenas anunciou uma extensão do período de férias, mas diversas empresas vão dar jeitos de compensar o tempo perdido mais tarde ao longo do ano. É provável, portanto, que o impacto negativo no curto prazo se concentre entre os restaurantes, hotéis e companhias aéreas.

Em segundo lugar, todos os relatórios indicam que o coronavírus de Wuhan é menos letal que o da SARS (embora ele possa ter uma taxa de transmissão inicial mais rápida). Igualmente importante é que as autoridades chinesas foram muito mais ágeis do que durante o episódio da SARS em avançar de uma postura de controlar as informações para controlar a propagação do vírus. Ao implementar medidas agressivas para isolar pacientes reais e potenciais do resto da população, as autoridades estão aumentando as chances de conter a epidemia muito mais cedo. Isso, por sua vez, aumenta a probabilidade de que a produção econômica perdida deste trimestre seja compensada pela atividade maior no restante do ano.

Terceiro, mesmo que os negociadores comerciais da China não tenham se dado conta da severidade do vírus de Wuhan quando assinaram a “fase 1” do acordo comercial com os Estados Unidos em 15 de janeiro, o timing do acordo se mostrou favorável. Ao aumentar em muito suas importações de máscaras faciais e suprimentos médicos dos EUA (e de outros lugares), a China pode ao mesmo templo enfrentar a crise de saúde e cumprir sua promessa, firmada no acordo, de importar mais mercadorias.

O impacto do vírus em outras economias será ainda mais limitado. Durante a última meia década, muitos dos maiores bancos centrais vêm desenvolvendo modelos para medir o impacto de uma desaceleração da China em outras economias. Estes modelos não foram concebidos com a atual crise da saúde em mente, mas eles levam em conta relações comerciais e financeiras entre a China e as respectivas economias de outros países.

Como regra, o impacto negativo de um declínio no crescimento do PIB da China nas economias americana e europeia é de aproximadamente um quinto do tamanho em termos percentuais. Por exemplo, se a atual epidemia do coronavírus diminuir o índice de crescimento chinês em 0,1 ponto percentual, então o crescimento nos EUA e na Europa provavelmente desacelere em cerca de 0,02 ponto percentual. O impacto na economia da Austrália talvez seja o dobro, considerando-se seus laços maiores de comércio de produtos e turismo com a China, mas uma redução no crescimento de 0,04 pontos percentuais ainda é uma redução pequena.

Tais cálculos presumem que o coronavírus não se espalhe de modo considerável nestes países e cause estragos diretos. Isso parece improvável hoje, dado o baixo número de casos fora da China.

Sem dúvida, o impacto na China e nas outras economias poderia ser mais grave se a crise do coronavírus fosse demorar muito mais do que este cenário inicial estima. Neste caso, é importante se lembrar de que os legisladores chineses ainda têm margem para expansões fiscais e monetárias: o regime de reservas do setor bancário ainda é relativamente alto, e a relação da dívida do setor público para o PIB ainda é administrável na comparação com os pares internacionais da China. Ao usar este espaço político quando necessário, as autoridades chinesas poderiam limitar o grosso do impacto da crise de saúde atual.

É compreensível que o surto de coronavírus deixe em alerta a China e outros lugares. Porém, de uma perspectiva econômica, ainda é muito cedo para entrar em pânico.

* Shang-Jin Wei, ex-economista-chefe do Banco de Desenvolvimento da Ásia, é professor de finanças e economia na Escola de Negócios da Columbia e na Escola de Relações Públicas e Internacionais da da universidade de Columbia.